SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!
Capítulo I - Após o Fico
o
passo que estes importantes sucessos se desenrolavam na Província de S. Paulo, na de Minas e no Rio de Janeiro, prosseguiam as Cortes na sua tarefa,
tão odiosa quão impolítica, de prender novamente o Brasil nas algemas coloniais de que havia tanto se achava libertado.
Nada as demovia dessa obcecada preocupação: nem as eloqüentes e apaixonadas reclamações dos
deputados brasileiros; nem os avisos prudentes de alguns regeneradores portugueses, cuja inteligência lúcida e claro bom senso embalde mostravam à
tresvairada maioria as dificuldades que ela mesma estava criando, com sua inepta intransigência, para o futuro da pátria, que a todos os espíritos
ponderados se apresentava cheio de apreensões, de sombras e de mistérios.
E as deliberações facciosas se sucediam, e os discursos afrontadores da dignidade cívica do nosso
povo reboavam, no plenário do Congresso, abafados estrepitosamente pelas aclamações delirantes e as palmas estrondosas da patuléia lisbonense que se
amontoava pelas galerias para escarnecer da atitude de nossos representantes e impedir-lhes a liberdade da palavra.
No seio da Comissão Mista, a que anteriormente nos referimos, nomeada para estudar as queixas do
Ultramar Americano e indicar-lhes os remédios convenientes, tinham as aspirações brasileiras conseguido não pequeno triunfo, a troco, porém, de
concessões assaz valiosas aos seus adversários. É assim que os nossos representantes concordaram em aceitar a competência da Assembléia para
legislar em relação ao Brasil, mesmo à revelia e na ausência de seus mandatários, segundo a interpretação dada pela maioria ao artigo 21 das Bases
Constitucionais, cuja redação tão clara e insofismável dispensava a forçada exegese que lhe deram.
Em compensação, conseguiram que o Governo Militar e a Junta da Fazenda ficassem na estrita
dependência das Juntas Provinciais; que se criassem aqui uma ou duas Delegações do Poder Executivo e que d. Pedro permanecesse à testa da
administração americana até a definitiva organização constitucional da monarquia.
Além dessas três decisivas conquistas, outra, de não pequeno vulto, se bem de
natureza diversa, alcançaram os nossos pugnazes compatriotas: o reconhecimento, como dívida pública, de que o Tesouro devia ao Banco do Brasil,
dívida essa que fora oficialmente reconhecida pelo decreto de d. João VI, de 23 de março de 1821, anulado, sob pretextos especiosos, pelo Congresso,
em sua sessão de 14 de junho, mas agora revalidado pelo voto da Comissão [1].
D. Pedro - Imperador Constitucional e
Defensor Perpétuo do Brasil
Imagem publicada com o texto
Eram estas as disposições, já menos agressivas, das Cortes Portuguesas, quando
lhes foi enviada a representação paulista de 24 de dezembro, que acabara de chegar às mãos de El-Rei, acompanhadas das duas cartas de seu filho - de
30 daquele mês e 2 de janeiro do ano seguinte. Lida em sessão de 15 de março, foi transmitida à Comissão Especial dos Negócios do Brasil, que
resolveu adiar a apresentação de seu parecer, até que se recebessem novas e mais completas notícias do Brasil
[2].
Entretanto, esse adiamento não durou muito, pois que a 23 já as Cortes estavam discutindo o citado
parecer, propondo a Comissão, por intermédio do deputado Guerreiro, que a representação paulista fosse objeto de estudo especial, até se averiguar
se ela refletia apenas a opinião individual de seus signatários - caso em que seria possível responsabilizá-los criminalmente - ou era a
manifestação geral da vontade da província - pois nesta hipótese era impossível querer-se processar um povo inteiro.
Não obstante a violenta oposição feita por Ferreira de Moura, que exigia o imediato exame do
documento, a maioria aprovou a proposta, ponderando que, depois de restituída ao Reino Americano a tranqüilidade que lhe iriam levar as reformas
alvitradas, poderia o Governo Português, com mais franqueza e mais razão, desagravar-se da Junta de S. Paulo, sem perigo nenhum para a estabilidade
e segurança da união dos dois países.
Mas, a minoria dos Regeneradores vencidos, não se conformando com a sensata deliberação de seus
pares, apelou para a ação das ruas e para a irresponsabilidade coletiva das massas populares, estimuladas nos seus instintos brutais pela retórica
dos demagogos parlamentares enfurecidos.
Xavier Monteiro berrava que se perdessem dez Brasis, contanto que se desafrontasse a dignidade
nacional, duramente espezinhada pelos rebeldes da Junta de S. Paulo. Ferreira de Moura pedia, com voz retrovejante e gesticulação descomposta e
desvairada, que se punissem os "treze infames" signatários do ofício.
Fernandes Thomás, prevendo as inevitáveis conseqüências que resultariam de uma
atitude excessivamente enérgica por parte do Governo Português, era de parecer que se procrastinasse o debate sobre a representação para melhor
oportunidade, no que foi secundado pelo perspicaz Pereira do Carmo, que assim condensou sua opinião: "desmembrada
a Pátria, era lícito aos inimigos do novo regime dizerem aos seus fundadores que, no tempo do despotismo absolutista, se manteve íntegra a união dos
dois povos; implantou-se, porém, a tão gabada liberdade constitucional e o Império Lusitano desfez-se repentinamente em pedaços"
[3].
Os deputados brasileiros, não obstante a atmosfera hostil que reinava contra eles no recinto das
sessões, nas tribunas e nas galerias, não se deixaram vencer pelo medo e enfrentaram com cívica decisão os adversários que os tinham precedido no
debate, embora fosse unânimes em reprovar vivamente as asperezas do ofício - já por tática oportuna e hábil, já porque não estavam suficientemente
esclarecidos sobre o que se passara no Brasil, após a divulgação dos decretos de 29 de setembro.
O ofício do Senado do Rio, de que noutro capítulo falamos, adotando as Instruções dadas pelo
governo de S. Paulo aos deputados da província, e declarando que elas consubstanciavam as necessidades da Província Fluminense e de todo o Brasil,
já era conhecido das nossas bancadas, porquanto António Carlos o entregara à Comissão Especial a 5 de março.
Influiu ele decerto poderosamente para a nova atitude assumida pelo representante baiano Borges de
Barros, que declarou subscrever todas as queixas da Junta de S. Paulo, acrescentando: "O
Brasil tem direitos que reclamar e tem que se opor a várias resoluções já sancionadas por este Congresso; e assim o declaro para que em todo o tempo
tenham lugar as suas reclamações quando as haja de fazer".
Era a mutação radical dos sentimentos da Bahia, província que, como se sabe, apressara-se em
aderir ao governo de Lisboa, desligando-se da obediência ao regente só porque, no seu orgulho de antiga capital decaída de seus foros, tramava, com
insensato despeito, contra a posição privilegiada de sua bela rival.
Pela oração de Borges de Barros, compreenderam os facciosos das Cortes que as disposições de S.
Paulo não eram só de um grupo de homens resolutos ou de uma única província, mas abrangiam a universalidade do sentimento nacional brasileiro.
Araújo Lima levanta-se contra a idéia de se processarem os paulistas, achando que o responsável pelo que estava sucedendo era o próprio Congresso,
que se tinha recusado até então a atender às justas reclamações brasileiras. A punição dos signatários do ofício provocaria uma conflagração que
Portugal não poderia dominar.
Por S. Paulo, falou em defesa da Junta o nosso jovem e talentoso conterrâneo António Manuel da
Silva Bueno, suplente que tomara posse da cadeira do ituano Paula Sousa. Foi a sua estréia - e estréia brilhantíssima, à altura dos elevados
créditos da bancada ilustre. A prova de que S. Paulo não quer emancipar o Brasil - argumenta ele com lógica irrefutável - está no empenho que
manifesta pela conservação do príncipe real à testa da Regência. D. Pedro será o primeiro a garantir a integridade da monarquia, porque, na sua
qualidade de herdeiro da Coroa, não há de contribuir para a redução territorial de seus Estados.
O padre António Marcos, representante da Bahia, tece um hino a S. Paulo, à terra que descobriu o
ouro, que devassou os sertões, que organizou as bandeiras, que manteve sua fidelidade ao rei, quando Amador Bueno recusou a coroa que lhe
ofereciam. Não compreende que se queira perseguir os descendentes desses grandes heróis.
Levantou-se depois Vergueiro para declarar que a Junta de
S. Paulo, na sua representação, falou por todos os paulistas, e não somente por ela. Afinal, a proposta da Comissão, para que a aludida
representação só fosse objeto de exame depois de novos esclarecimentos a respeito das províncias do Sul do Brasil, foi aprovada.
***
Atitude do general Avilez. Preparativos de luta
Com perfeita inconsciência da verdadeira situação em que se encontravam as
províncias brasileiras em relação à sua ex-metrópole, continuavam, pois, os constituintes portugueses a destruir por suas próprias mãos a unidade
política e a integridade territorial do Reino Unido.
No Brasil, os patriotas não descansaram um só minuto depois da jornada do Fico. Ao
contrário, tresdobraram-se os esforços gerais no sentido de se colocar o país ao abrigo de qualquer possível surpresa militar por parte do governo
de Lisboa. É que, em meio dos festejos populares com que ruidosamente se aplaudia o feito, o general Avilez, de dentro dos quartéis da Divisão que
comandava, não saía para associar-se às públicas manifestações de regozijo...
Pela manhã de 11 correram os primeiros boatos de que aquele oficial e sua tropa
se preparavam para anular a resolução de d. Pedro. Todas as forças da guarnição aderiram ao projetado movimento, exceto o Batalhão de Caçadores 3,
aquartelado em São Cristóvão [4].
À noite, achando-se o príncipe no Teatro de S. João, foi informado pelo
brigadeiro Carretti, de que o tenente-coronel José Maria da Costa, do Regimento 11, aquartelado em S. Bento, em visível estado de embriaguez,
travara-se de contas com o tenente-coronel do Exército Brasileiro, José Joaquim de Lima e Silva, a propósito dos últimos acontecimentos, e,
retirando-se do mesmo teatro, onde a violenta cena se passara, dirigira-se para o seu quartel, pusera em armas toda a soldadesca, e mandara convidar
a oficialidade de todos os outros corpos da Divisão para obrigarem Sua Alteza a embarcar ainda naquela noite, de regresso para Portugal. Estava-se
no fim do espetáculo [5].
D. Pedro, voltando calmamente para a sua Quinta, e depois de se ter assegurado da plena fidelidade
do comandante, oficiais e praças do Batalhão de Caçadores 3, que fazia a guarda de sua pessoa, começou a tomar, com toda a diligência, as medidas
que a situação lhe impunha para conjurar o plano da tropa lusa, tendo encontrado para dar-lhe prestígio e força de que carecia, a plena
solidariedade dos oficiais brasileiros devotados à causa nacional, tais como Xavier Curado e Nóbrega.
Desligou-os do Governo das Armas, a que estavam sujeitos e do qual era chefe o referido Avilez, e
incumbiu-os de concentrarem no Campo de Sant'Anna os regimentos de linha, inclusive o dos Henriques e o dos Pardos forros, e os corpos de milicianos
da terra. Ao mesmo tempo escrevia para os governos de S. Paulo e Minas, pedindo-lhes a remessa urgente de toda a força de que pudessem dispor, sem
prejuízo da ordem pública das respectivas províncias.
Os milicianos da Província Fluminense tinham sido chamados à capital, e quase todos os que moravam
nas localidades mais próximas já estavam incorporados ao grosso das tropas nacionais, concentradas nos quartéis do Campo de Sant'Anna. Mais de seis
mil pessoas de todas as classes sociais, inclusive padres e frades, armaram-se entusiasticamente e, montados ou a pé, marcharam para aquele
histórico local, a fim de coadjuvarem a ação das forças militares nos seus recontros com os portugueses.
Ao ter conhecimento da reunião das tropas brasileiras nos quartéis do Campo de
Sant'Anna, para lá partiu sem demora o arrogante Avilez e mandou que todos, oficiais e praças, imediatamente se retirassem, restituindo ao
respectivo depósito as peças de artilharia que tinham subtraído do Arsenal de Guerra
[6]. O comando-chefe estava a cargo de Oliveira Álvares, a quem
obedeciam os portugueses reinícolas d. Francisco da Costa, depois marquês de Cunha, comandante do Batalhão de Caçadores e o capitão José Januário
Lapa, que comandava a meia-bateria de peças de artilharia - ao princípio três e mais tarde cinco.
Além desses dignos oficiais lusos, simpatizavam com a nossa causa e apoiavam
incondicionalmente a atitude assumida pelo príncipe os oficiais brasileiros José Joaquim de Lima e Silva, Anthero José Ferreira de Brito, José
Manuel de Moraes e outros devotados e insignes patriotas [7].
A recusa, que peremptoriamente opuseram à intimação que pessoalmente lhes dirigiu o general
português, deixou-o estupefato. Não contava com tão declarada manifestação de indisciplina. Dirigiu-se, pois, com a maior urgência para o Palácio
Real da Boa Vista, onde apresentou a Sua Alteza acrimoniosa reclamação contra a rebeldia das forças brasileiras.
Retrucou-lhe d. Pedro, com aquela firmeza e decisão que lhe eram espontâneas em certos momentos,
que estava farto das constantes insubmissões da tropa lusitana, continuamente inclinada a sobrepor-se à sua real autoridade, e que tinha reunido a
tropa brasileira para, apoiado nela, na dedicação de seus comandantes e na bravura de seus patrióticos soldados, terminar de uma vez por todas com
as repetidas e injustificadas agitações militares que perturbavam a ordem civil e amesquinhavam a própria dignidade de suas majestáticas funções. E
terminou, declarando-lhe que, ao invés de mandar que se recolhessem as tropas concentradas no Campo de Sant'Anna, exigia que a Divisão Portuguesa e
seu general lhe obedecessem, pois do contrário os mandaria sair barra fora o quanto antes.
Planos de acomodação
Avilez deu-se por demitido de suas funções de
governador das Armas; mas, apesar disso, não trepidou em colocar-se à testa das suas forças em franca hostilidade às ordens emanadas do Regente.
Esta é a versão de VARNHAGEN [8],
adotada, com pequenas variantes, por JOÃO ROMEIRO [9]
e ROCHA POMBO [10].
Ao ver a resolução do príncipe, e diante do aparato bélico formidável do Campo de Sant'Anna, onde,
na manhã de 12, havia nada menos de 4.000 homens armados, municiados e dispostos a entrar em combate - entendeu Avilez mais prudente encetar francas
negociações com d. Pedro para o restabelecimento da paz.
Entretanto, o sr. OLIVEIRA LIMA
[11], estribado no depoimento pessoal de uma
escritora inglesa que no RIo se achava de passagem, e que fora testemunha presencial dos fatos principais então sucedidos, dá outra feição a certos
pormenores.
Segundo a informação de Mrs. Graham
[12], encampada pelo emérito historiador
pernambucano, partiram de d. Pedro as diligências para uma acomodação entre os contendores exasperados. Ainda incerto do desfecho que poderia ter a
crise, e sentindo-se desamparado por alguns elementos da maior validade entre os reinóis, tais como, por exemplo, o conde da Louzan que, logo no dia
9, pedira demissão do Ministério, resolvera agira com a maior prudência e discrição.
Pela madrugada de 12, fizera dona Leopoldina retirar-se para Santa Cruz, com o
príncipe d. João Carlos e a princesa dona Maria da Glória, a fim de se esquivarem à possibilidade de funestos perigos iminentes
[13].
O principezinho, que
contava apenas 11 meses e já se achava incomodado quando foi levado para a fazenda, não resistiu aos abalos da incômoda viagem e a 4 do mês seguinte
veio a falecer de uma violenta constipação, segundo afirma d. Pedro, em carta de 14 do dito mês, ao régio avô do estiolado rebento
[14]; de
uma forte inflamação, no pensar de VARNHAGEN [15];
de um ataque epilético, herança paterna, conforme assevera ALBERTO RANGEL [16],
ou finalmente de uma bronco-pneumonia, na opinião de OLIVEIRA LIMA [17].
Após a partida da família, d. Pedro, simulando ignorar em absoluto o que se passava entre os dois
exércitos, interpelou a respeito, separadamente, os respectivos comandantes gerais. O velho Xavier Curado, que as tropas nacionalistas haviam, por
deliberação própria, investido nas altas funções de governador das Armas, respondeu que os seus comandados se tinham reunido para resistir à ameaça
que se formulara contra o príncipe regente e contra a cidade; e Jorge de Avilez declarou que sua gente se preparava para defendê-lo e defender-se
das agressões premeditadas por parte das forças brasileiras.
O último, que fizera a soldadesca lusa ocupar, durante a noite de 11, o Morro do Castelo, para,
daquelas eminências, ameaçar mais formidavelmente a população da cidade e as tropas que a defendiam, verificava pouco depois a manifesta
inferioridade numérica em que se encontrava para bater-se vantajosamente, pois dispunha apenas de 2.000 homens contra um total de 10.000, que era a
quanto montava a força militar e civil congregada no Campo de Sant'Anna desde a véspera. Achou preferível, por isso, entrar em conciliação com o
regente, concordando em transferir-se para o outro lado da baia, com todas as suas forças, armas e munições, sujeito às ordens de d. Pedro e pronto
para embarcar-se de regresso a Portugal, logo que do Reino chegassem as tropas que deviam render a Divisão.
No dia 13, em barcos e saveiros preparados às pressas
[18],
fez-se o transporte de todos os Corpos para a outra banda, onde ficaram acantonados na "Ponta da Armação e quartéis imediatos à Vila Real da Praia
Grande", à espera de ocasião propícia para finalmente se repatriarem.
No dia seguinte, 14, o inquieto e insubordinado general
publicou uma proclamação aos habitantes do Rio de Janeiro, explicando os motivos de seu procedimento e imputando ao príncipe, em mal veladas
insinuações, a responsabilidade direta de todas aquelas desagradáveis ocorrências. Revidou-lhe Sua Alteza numa lacônica e incisiva proclamação aos
fluminenses, datada de 16, na qual censura os homens execrandos que, por sua conduta interesseira e desleal, conspiram contra a união de ambos os
Hemisférios. E tal situação permaneceu inalterável até a chegada de José Bonifácio ao Rio, verificada exatamente na noite de 18, dois dias após
aquele em que d. Pedro lançara aos povos a referida proclamação.
***
Preparação militar de S. Paulo
Logo depois que lançou às faces de Portugal o seu violento repto de desafio, tratou S. Paulo de se
preparar militarmente para as eventualidades que, por acaso, lhe viessem de surpresa do outro lado do Atlântico ou da província do Rio. É assim que
o Governo Provisório, nas suas sessões ordinárias de 7 e 14 de janeiro, tomou oportunas providências a respeito.
Na primeira, expediu ordens aos comandantes de todos os Corpos Milicianos da capital, ao coronel
Lázaro José Gonçalves, chefe do Regimento dos Caçadores, e ao tenente-coronel António Maria Quartim, almoxarife da Fazenda Nacional, para que
fizessem recolher sem demora à Casa do Trem todo o armamento velho existente naquelas unidades; determinou ao capitão-mor de Sorocaba que remetesse
quanto antes quatro cargas de pederneiras; ordenou ao nosso conterrâneo, o sargento-mor José Olyntho de Carvalho, que se incumbisse do comando geral
da força estacionada em Santos, debaixo do plano militar que na ocasião lhe foi enviado; aos comandantes dos Regimentos de Cavalaria da Segunda
Linha da Capital, e do de Cunha, e aos coronéis de Corpos de Curitiba e Paranaguá, para fazerem recolher a seus respectivos quartéis todos os
oficiais e praças licenciadas, e terem suas tropas preparadas para marchar, devendo os mesmos, sem perda de tempo, avisar o governo se assim o
fizeram e qual o número de soldados de que podiam dispor.
Recomendou mais a todos os comandantes que as referidas forças deviam estar
prontas para marchar, debaixo do maior segredo, e que ficavam terminantemente suspensas quaisquer baixas de praças de pré. Expediram-se ainda
circulares a todos os capitães-mores das Ordenanças da Província, determinando-lhes para pedirem a cada pai de família que contribuísse com alguns
de seus filhos para assentarem praça nos Corpos de Primeira Linha, assegurando-lhes de que só serviriam dentro do território paulista e enquanto as
circunstâncias anômalas do País e de S. Paulo o exigissem [19].
Na sessão de 14, mandou organizar o Corpo de Artilharia de Linha na vila de Santos, formando-se
desde logo um casco, que depois seria aumentado com os recrutas engajados na marinha, e para comandá-lo foi nomeado o sargento-mor da Artilharia da
Legião, José Olyntho de Carvalho.
Na mesma ocasião, foi incumbido o coronel Lázaro José Gonçalves de organizar os cascos dos dois
batalhões de Caçadores - o de S. Paulo e o de Santos -, completando-se aquele com recrutas de serra-acima e este com recrutas tirados das vilas do
litoral; e deram-se providências para se completar o Corpo de Cavalaria de Linha da capital.
O comando do Regimento de Artilharia Miliciana de Santos foi restituído ao
tenente-coronel Januário Máximo de Castro; e ao governador interino da mesma vila e praça recomendou-se que tivesse todas as bocas de fogo
guarnecidas com as competentes munições e exercessem a maior vigilância em relação a esses pontos
[20].
Remessa de forças para o Rio
E não se enganava em suas patrióticas prevenções o Governo Paulista, quando assim tratava de
reorganizar, com a possível eficiência, a desabaratada tropa existente na província. Do Rio como da Europa poderiam, em dado momento, surdir
novidades alarmantes; e para enfrentar qualquer situação perigosa convinha que os paulistas se preparassem com a desejável antecedência.
De fato, pelas 9 horas da noite do dia 17, chegava a S. Paulo, e procurava com
urgência entender-se com os membros da Junta Provisória, o capitão de milícias do Rio de Janeiro, Quintiliano José de Moura
[21],
trazendo a seguinte carta régia de Sua Alteza o príncipe regente: "Acontecendo que a tropa de
Portugal pegasse em armas, e igualmente a desta cidade, por mera desconfiança, dei todas as providências possíveis, e convencionaram os de Portugal
passar para a outra banda do Rio, até embarcarem-se para Portugal; e, como por esta medida ficasse a cidade sem tropa necessária para sua guarnição,
e mesmo sem com que se defender, no caso de ser atacada; exijo de vós, que sois seguramente amigo do Brasil, da ordem, da união de ambos os
hemisférios e da tranqüilidade pública, me mandeis força armada em quantidade, que, não desfalcando a vossa província, ajude esta e se consiga o fim
por mim e por vós tão desejado, e exijo com urgência. Escrita no Palácio da Real Quinta da Boa Vista, às 7 horas e meia da noite de 17 de janeiro de
1822. - Príncipe Regente". Carta idêntica, e na mesma data, foi expedida para o Governo
Provisional de Minas.
A Junta de S. Paulo, tão depressa tomou conhecimento da ordem de d. Pedro,
reuniu em sessão permanente desde 17 de janeiro até 27 de fevereiro, dando providências para a preparação urgente dos recursos militares que lhe
eram exigidos sem demora. Determinou, em primeiro lugar, que dentro de 6 dias, isto é, até 23 de janeiro, partisse por terra para a capital do País
"a primeira Divisão de um Corpo de 1.100 praças de 1ª e 2ª linha, composto de um Batalhão de
Caçadores de 1ª Linha, de um Batalhão de Infantaria de 2ª Linha, e de dois Esquadrões de Cavalaria -sendo um de 1ª linha e outro de 2ª linha"
[22],
sendo nomeado para seu comandante-chefe o coronel do Regimento de Caçadores da Província, Lázaro José Gonçalves.
O comando do Batalhão de Infantaria Miliciana foi confiado ao coronel pago do Regimento de
Milícias dos Úteis, José Joaquim César de Cerqueira Leite; o dos dois esquadrões de cavalaria foi entregue ao tenente-coronel Bernardo José Pinto de
Gavião, ajudante-de-ordens do Governo; e o do Esquadrão de Milícias ficou a cargo do tenente-coronel Joaquim José de Moraes e Abreu.
O governo dissolveu os Conselhos de Guerra, que ainda estavam servindo por causa da sedição de
Santos chefiada pelo Chaguinhas, perdoou os réus ainda não sentenciados, mandou-os voltar ao seu regimento na Capital e terminou que o mesmo
fizessem todos os destacamentos de Caçadores, dispersos pela província. A segurança de cada vila ficou posta sob a guarda dos Corpos Milicianos
locais.
Mandou-se preparar a vitualha necessária para alimentação das tropas e os pousos para descanso
delas em toda a extensão da estrada para o Rio, de modo que nada de essencial viesse a faltar-lhes em sua penosa marcha forçada. A bagagem foi toda
conduzida no lombo de 50 bestas muares que o sargento-mor João José Palmeiro cedeu por empréstimo ao governo, a título absolutamente gratuito,
devendo recebê-las de novo na Fazenda de Santa Cruz.
Para remonte da Cavalaria dos dois esquadrões que se reorganizaram no momento, entregaram-se ao
respectivo comandante 100 animais cavalares, pertencentes à Nação. À força expedicionária mandou o governo que se acrescentasse aos seus antigos
títulos o de Leais Paulistanos.
Não se encontraram nesta capital, nem na vizinha vila de Santos, fazendas próprias para
confeccionar malas e mochilas. Impetrou-se então de Sua Alteza, por intermédio da deputação paulista, que já se achava no Rio em desempenho da
missão de que falamos, que mandasse por em Santa Cruz 300 malas de lona para a Cavalaria, 920 mochilas para infantaria e 4 clarins.
Autorizou-se o alistamento, nas vilas do chamado Norte, de todos os cidadãos
abastados que se oferecessem para fazer parte da Guarda de Honra de Sua Alteza Real; deram-se enérgicas providências para engajamento de novas
praças, de modo a se preencherem sem dificuldade os claros havidos e por haver em todos os Corpos existentes na província; e abonaram-se à tropa em
marcha, adiantadamente, desde 26 de janeiro até 31 de março, os soldos e gratificações que lhes competiam na forma dos regulamentos em vigor
[23].
Foram tomadas, enfim, todas as providências que se faziam mister, para acudir-se
ao apelo da Regência, sem contudo perecer a segurança e ordem interna da província; e a 23 de janeiro seguia para a Corte a primeira força
expedicionária, composta de 1.100 praças obedecendo ao comando-chefe do coronel Lázaro José Gonçalves
[24].
Na véspera de sua partida foi publicada e distribuída nos quartéis uma entusiástica proclamação,
concitando-as a imitarem o exemplo dos antepassados "que preferiram sempre as marchas, os
combates e todos os exercícios da guerra às doçuras da ociosidade e da moleza, que enerva os corpos e contamina as almas".
E assim terminava: "Soldados! O Templo da Imortalidade vos espera; não erreis a vereda que a
ele vos conduz".
No dia seguinte, no momento mesmo de marcharem as tropas,
outra proclamação, assinada como a anterior por Martim Francisco [25],
foi dirigida aos bravos expedicionários e nela, entre outras coisas, se dizia: "... o melhor
dos príncipes, o primogênito do benéfico fundador deste Reino [26],
e nele representante imediato do seu Poder, quer tropas paulistas... guarnecendo e defendendo aquela capital contra os inimigos da ordem e do
sossego público; e vós marchais, vós, a quem, como tropas nacionais, compete mais privativamente esta gloriosa tarefa, por terdes famílias que
proteger, fortunas que conservar, lares que defender e direitos que assegurar".
E adiante: "Marchai, pois,
filhos da Pátria, trilhai ufanos a vereda da glória, que se vos oferece, e chegando à Corte, convencei seus habitantes, por vossa união, força e
coragem, e pela constante prática de todas as virtudes, que não sabeis separar os deveres do cidadão da vida do soldado".
E depois de mais considerações entusiásticas, terminava assim: "Adeus! Parti!"
[27].
O governo da Regência, que, por ofício
do Governo Provisório, datado de 17 de janeiro, fora cientificado de que dentro de seis dias partiria para o Rio a primeira remessa de tropas,
respondeu-lhe a 30 do mesmo mês, agradecendo e elogiando fervorosamente as prontas providências tomadas pela Junta
[28].
***
[..]
NOTAS:
[1] GOMES DE CARVALHO - Obra
citada, págs. 225 a 227.
[2] Cartas de D. Pedro a
D. João (edição da Rev. do Inst. Hist. do Ceará, pág. 160).
[3] GOMES DE CARVALHO - Obra
citada, págs. 230 a 235.
[4] ROCHA POMBO - Obr. cit.,
vol. 7º, pág. 624.
[5] VARNHAGEN - Obr. cit.,
págs. 135 e 136.
[6] JOÃO ROMEIRO - Obr.
cit., pág. 88.
[7] JOÃO ROMEIRO - Obr.
cit., págs. 136 e 137.
[8] Obr. cit., pág. 137.
[9] Obr. cit., págs. 88 a
89.
[10] Obr. cit., págs. 625
a 626, do vol. 7º.
[11] O Movimento da
Independência, pág. 166.
[12] Esposa do capitão
Graham, comandante da fragata inglesa Doris, fundeada então na baía da Guanabara. Tendo enviuvado, foi admitida como mestra da princesa dona
Maria da Glória, funções em que somente se conservou por alguns dias, partindo de regresso para a Europa, a 21 de outubro de 1823 (VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 137).
[13] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 137.
[14] Carta de 14 de
fevereiro, de d. Pedro a seu pai (Ed. E. Egas, pág. 79).
[15] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 137.
[16] D. Pedro I e a
Marquesa de Santos.
[17] Obr. cit., pág. 166,
nota 2.
[18]
ROCHA POMBO - Obr. cit., pág. 632.
[19] Actas do Govêrno
Provisório, págs. 107 a 109.
[20] Idem, págs. 110 a
112.
[21] Idem, pág. 112.
[22] Actas do Govêrno
Provisório de S. Paulo, págs. 112 a 133.
[23] Actas do Govêrno
Provisório de S. Paulo, págs. 112 a 118.
[24] JOÃO ROMEIRO - Obr.
cit., pág. 91.
[25] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., págs. 92 e 93.
[26] Se bem que d. Pedro
fosse o terceiro filho de d. João, o documento lhe chama primogênito; e assim também procedem vários historiadores ilustres, como, por exemplo, o
padre Galanti.
[27] Dr. JOÃO ROMEIRO -
Obr. cit., pág. 93.
[28] Idem, ibidem. |