Bonito, uma opção para a indústria de enlatados
Manuela E. Campanella
Em janeiro de 1979 foi iniciada a pesca de bonito com linha e isca-viva, por uma empresa privada, no Rio de Janeiro. O interesse pela espécie cresceu e, em 1980, operaram na captura 40 embarcações, a maioria nas proximidades do Rio de Janeiro, obtendo-se a produção de sete mil toneladas.
Em São Paulo, de 1979 a 1981, foram descarregadas 400 toneladas 298 quilos nos portos de Ubatuba, São Sebastião e Santos. Neste último, em 1981, atingiu-se a produção de 112 toneladas 158 quilos. Por ser uma modalidade de pesca nova, introduzida há dois anos no Brasil, há dificuldades na classificação do bonito, deixando os produtores com dúvidas sobre a rentabilidade da captura.
Eles admitem que pescar bonito é uma aventura e caberá aos mais corajosos o sabor de vitórias ou fracassos. A segunda hipótese, sem dúvida, trará prejuízos incalculáveis, pois a pesca exige investimentos altos, principalmente com a adaptação das embarcações.
Mesmo correndo risco, o armador Genaro Perciavalle, que há 20 anos vive da pesca, e há dois anos adaptou as embarcações Conde de Monte Carlo e Conde de Monte Cristo para a pesca do bonito, explica que é válido continuar a atividade por mais tempo, porque - em dois anos de trabalho com uma espécie praticamente desconhecida - não há condições de se determinar a rentabilidade.
Genaro obtém, em média, Cr$ 100,00 por quilo do produto vendido para as indústrias, e explica que esse valor se mantém estável, e que há necessidade de produzir de 70 a 80 toneladas mensais, para não sofrer prejuízos. Dentre as vantagens da captura do bonito, ele cita a economia do combustível e o fato de a carne obtida ser aceita universalmente, havendo facilidades na exportação.
Mas, um dos problemas enfrentados até agora relaciona-se com a mão-de-obra. Os tripulantes não se fixam nos barcos de bonito. Eles fazem uma captura, no máximo duas, e não querem retornar ao mar. Pescar bonito não exige nada de excepcional, apenas homens fortes, porque a espécie é fisgada com varas sem anzol.
Além de pescadores fortes, há necessidade de rapidez: alguns tripulantes pescam 50 peixes em uma hora, enquanto outros não chegam a pegar 10, mas ao final da captura o salário é dividido em partes iguais, e isso acaba descontentando os que trabalharam mais.
Mas, o problema com a mão-de-obra poderá ser perfeitamente solucionado com a instalação de equipamentos nas embarcações, e com essa finalidade é que Genaro vai importar máquinas do Japão, o que lhe custará Cr$ 10 milhões.
Pesca, uma bonita aventura destinada aos mais corajosos Foto de Ademir Henrique, publicada em A Tribuna no dia 20/6/1982
As máquinas que pescam e podem substituir muitos pescadores
Para começar a pescar, basta acionar o botão no painel de comando instalado no barco. As varas de pescar, colocadas nas bordas da embarcação, começam a se movimentar em direção ao mar, retornando ao barco. A velocidade da captura depende do tipo de peixe fisgado e, assim que o bonito morde a isca, é jogado automaticamente para o interior do barco, onde os tripulantes o congelam.
Antes de o peixe cair no barco, ele é limpo, porque existe, em sincronia com as varas, um sistema de lavagem formado por inúmeros chuveiros adaptados do lado de fora do barco. Outra função desses chuveiros é esconder a embarcação dos cardumes, simulando o movimento das águas, por meio de jatos.
O equipamento, além de aumentar a produção, elimina 15 tripulantes nas embarcações que atuam com 25 homens. Os benefícios para o armador são grandes, pois com as máquinas não há necessidade do pagamento dos pescadores, bem como de impostos e taxas de previdência social, além de diminuir os gastos com alimentação. O dinheiro que antes era pago aos tripulantes será destinado ao dono do barco, pois os produtores explicam que cada máquina é considerada como um pescador e, ao final da pescaria, a divisão do lucro é feita de forma igual.
O maior barco para captura do bonito é de um santista
Também otimista com o futuro da pesa de bonito, João Gabriel Leal, ex-presidente da Cooperativa Mista de Pesca Nipo-Brasileira, pretende lançar ao mar o João de Deus, até o final do ano. A embarcação de 36 metros de comprimento, construída em 1950 em Vigo (Espanha), foi recentemente adquirida pelo armador e é o maior barco que se dedicará a essa captura.
Até dezembro, o João de Deus permanecerá na Compesca, onde está sendo reformado. A seu lado, está a balsa Rio Formoso, adquirida por Leal, em leilão da Capitania dos Portos do RIo de Janeiro. Ela também será adaptada para a pesca do bonito.
Leal explica que a pesca da espécie oferece rentabilidade, porque o bonito é destinado ao mercado externo, tendo boa aceitação na Europa e Estados Unidos. Embora no Brasil não exitam indústrias de enlatamento da espécie em grande escala, Leal diz estar otimista e afirma que para haver o desenvolvimento da indústria de enlatados, primeiro deve existir produção suficiente.
Ele defende a idéia de que o governo brasileiro incentive o desenvolvimento da pesca de linha, aproveitando-se a frota pesqueira ociosa, em face do problema das 200 milhas. Isto porque, quando foram estipuladas as 200 milhas, embarcações de grande porte ficaram paradas, como é o caso do João de Deus, que tem capacidade para 160 toneladas e possui 10 tanques para acondicionar as iscas vivas. O barco terá 25 tripulantes e poderá ficar no mar até 20 dias. Mas, Leal está estudando a possibilidade de frigorificar a embarcação, aumentando a permanência no mar, para até 40 dias.
Boas perspectivas para as indústrias de enlatamento
A indústria de enlatamento de pescado no Brasil poderá ter seu desenvolvimento e estabilidade implementados com o processamento dos atuns e bonitos. A afirmação é do professor Sérgio Antunes, responsável pelo Instituto Oceanográfico da USP, que recentemente teve aprovada tese sobre Processamento, Parâmetros de Qualidade e Espécies de Atuns e Bonitos no Desenvolvimento da Indústria de Enlatamento de Pescado no Brasil.
Em seu trabalho, o professor explica que foram encontradas dificuldades na classificação dos chamados bonitos, confusões nas nomenclaturas comumente empregadas e deficiência no controle dos desembarques e estatísticas. Por essa razão, foi estabelecido um convênio entre a Sudepe e o Instituto da USP, além de terem sido executados programas de pesquisa e demonstrações realizadas diariamente nas indústrias.
Durante longo tempo foram observadas quatro espécies de bonito, denominadas bonito-serrinha, bonito-pintado, bonito-de-barriga listrada e bonito-banana, e o trabalho propõe a utilização das espécies para o enlatamento, diversificando a linha de produção das indústrias.
Antunes argumenta que o enlatamento da espécie (N.E. - provável trecho omitido: ...dependerá da garantia de disponibilidade...), e como essa disponibilidade depende de condições que estão fora do controle do homem (processos dinâmicos do ar e do mar), a dependência de uma só fonte de matéria-prima é perigosa. Essa situação, diz Antunes, poderá ser alterada com a exploração de outras espécies; no caso, o atum e o bonito surgem com grandes perspectivas de sucesso.
O enlatamento dessas espécies poderá contribuir com o aumento do consumo de enlatados, que é baixo, e diminuir as importações brasileiras de atum, provenientes do Peru e do Equador. Em 1975, foram adquiridos 1.879.995 quilos de atum, cabendo às conservas de pescado 84 por cento do total de importação de enlatados.
As últimas informações, segundo a Sudepe, são de que o Brasil importou em 1980, de janeiro a junho, 224.998 quilos de atum e 1.589.853 quilos de bonito. Já as exportações desses peixes congelados inteiros vêm aumentando aos poucos, mas ficam restritas prncipalmente ao bonito-de-barriga listrada, quando há outros peixes da mesma família que poderiam ser capturados.
A Cooperativa Mista de Pesca Nipo-Brasileira, a maior do País, já está ampliando sua capacidade de congelamento para processar o bonito, mas até agora, das 500 toneladas descarregadas no período de um ano, a maioria foi vendida para outras firmas exportadoras. O presidente da Nipo, José Conca Otero, explica que esa pesca ainda é insegura e não há condições de fazer negócios com firmas do exterior, porque estas exigem quantidades regulares do produto.
Outras indústrias que trabalharam ou trabalham com o bonito são a Multipesca, que - além do pescado congelado - exportou o bonito pré-cozido; a Alcyon, que em 1979 elaborou produção razoável, mas atualmente não opera com essa espécie. Em outros estados, a Furtado S/A Comércio e Indústria, Frigoríficos Industriais de Alimentos S/A, Sul Atlântico de Pesca e a Leal Santos S/A.
Legislação nacional para determinar padrões de qualidade
O valor e a comercialização internacional do atum e do bonito enlatado levaram ao estabelecimento de definições e padrões, nos países produtores e consumidores, como de organizações internacionais relacionadas com a produção, comercialização e controle de qualidade de alimentos.
Sérgio Antunes explica, em seu trabalho, que as organizações estudaram o assunto e, em 1975, publicaram as recomendações internacionais para o enlatamento, com a finalidade de proteger a saúde do consumidor e do produtor. Mas, infelizmente, no Brasil a legislação empregada pela Secretaria de Inspeção de Produto Animal (Sipa) é totalmente omissa. Uma sugestão do estudioso é que o órgão inicie trabalho nesse sentido, pois a medida contribuirá também para analisar o produto que está sendo consumido, proveniente do Peru.
Uma espécie de alto valor comercial que migra pelo mundo
Os atuns e bonitos são espécies de ampla distribuição mundial, realizam migrações muito extensas, determinando que suas populações sejam exploradas por frotas pesqueiras de vários países. Os pesquisadores separam os atuns em dois grupos: o primeiro e mais importante, formado por seis espécies: albacora de laje, albacora branca, atum cachorra, atum, atum do sul e bonito de barriga listrada, que representam 75 por cento da captura mundial de atuns e afins.
O segundo grupo é composto pela albacorinha, bonitos, que representam 20 por cento das capturas. O bonito de barriga listrada, que atualmente vem sendo capturado pelo método de isca viva, tem o corpo fusiforme e robusto, e apresenta escamas somente em sua parte anterior, e ao longo da linha lateral. O dorso é preto-azulado e o ventre branco prateado, com listras escuras, que deram origem ao nome popular. O peso dos exemplares varia de três a 11 quilos e, no máximo 15 quilos.
A espécie é encontrada nos mares tropicais e subtropicais do mundo, com maior freqüência nos meses quentes. Vive perto da superfície, formando cardumes compostos por algumas dezenas de peixes, até por concentrações que podem chegar a 34 quilômetros. A carne dessa espécie é classificada como fina, e o consumo é feito principalmente pelos Estados Unidos, Japão, França, Espanha, Itália e Alemanha.
Seu ciclo de vida é adaptado a migrações constantes, e como não possui bexiga natatória, o bonito é obrigado a movimentar-se constantemente. Apesar de ser um animal de sangue frio, possui sistema de termo-regulação para manter a temperatura do corpo superior à da água.
Os bonitos nadam com a boca aberta, de modo que o fornecimento de oxigênio depende da velocidade de natação. Quando a espécie fica adulta, a taxa de metabolismo aumenta, elevando a temperatura do corpo, o que explica a procura das águas frias. |