PARTE II - A imprensa da Barcelona
Brasileira
Capítulo V - (cont.) Imprensa operária em
Santos/1879-1927- Análises:
[9] A questão Social - 1895
Órgão do Centro Socialista de Santos, fundado em 15 de novembro de
1895 por Sóter de Araújo, Carlos Escobar e Silvério Fontes [1].
Com objetivos da divulgação do socialismo e formação de um Partido Socialista - junto com a Sociedade União Operária e o Partido Operário. O Centro
promovia palestras sobre socialismo científico e organizou uma biblioteca para seus associados, propondo que seu jornal fosse quinzenal - o que nem
sempre ocorreu.
Seis das oito pequenas páginas do jornal - 28x17 - costumavam ser dedicadas a artigos
e discussões socialistas, de autores estrangeiros ou locais, como Benoit-Malon, bastante influentes na teoria abraçada pelo veículo; Victor Hugo e
Turatti, já nos últimos números.
A redação de A Questão Social ficava na Praça da República,
48, mudando-se depois para a Rua General Câmara, 158. A assinatura de 24 números custava 5$000 e o número avulso $200
[2]. Sóter de Araújo e
Spridione de Medicis também escreviam no jornal, este último em italiano, o que demonstrava a intenção de atingir setores mais amplos do socialismo
paulistano, onde era maior o número dos militantes dessa nacionalidade.
No quinto número do jornal
[3], internacionalismo e
patriotismo são colocados em oposição, marcando as diferenças entre jacobinos e socialistas. Antes, no segundo número
[4], Carlos Escobar
dirige mensagem aos espíritas, tentando convertê-los ao socialismo, e a respostas deles aderindo, só que ao "pacífico".
O anúncio da morte de Engels, da greve dos vidreiros
de Carmeux, na França, e o apoio à luta dos caixeiros de loja para trabalharem 12 e não 14 horas por dia, também aparece no jornal
[5]. Com a carta de
Serapião Palma, da União Operária, vindo no número 15, apoiando o 1º de Maio como dia de greve geral
[6].
Neste número, Carlos Escobar cria a sessão "Informações" sobre a "vida obreira", onde
diz que interromperá a exposição das teorias de Marx, substituindo-a pela nova coluna. Conta como criou um curso para operários em Ribeirão Pires,
onde as dificuldades para ensiná-los após jornadas extensas tornam impossível o aprendizado, concluindo que enquanto perdurar o capitalismo "o
operário continuará inculto".
Lembra a reivindicação dos anarquistas de redução da jornada de trabalho, apoiando-a.
Publica também "histórias verídicas" em capítulos sobre temáticas sociais, trazendo também artigos sobre "Os males do capitalismo". Encontraremos
também a publicação do livro La France Socialiste, de Mermeix, editado em capítulos e resumido.
O primeiro número de A Questão Social não tem data de
publicação, constando que data de 15/9/1895. Já no segundo [7]
traz o resumo do livro de A. F. Schaffel, A Quintessência do Socialismo. Trabalhou na tradução dessa obra o teórico Benoit Malon, então para
o francês, sendo que para o português a tradução é de J. F. Lima Cortez. Os termos eruditos tomam conta da publicação, onde encontraremos um texto
teatralizado, reproduzindo um diálogo entre dois companheiros de trabalho sobre o que é socialismo.
Políticos reformistas famosos são homenageados pelo jornal, como
França e Silva, para quem foi aberta uma subscrição para o mausoléu que se pretende levantar sobre a sepultura do "... chefe do socialismo no
Brasil, o esforçado paladino França e Silva". "Uma justa homenagem a quem tanto se esforçou pela causa do proletariado". São inaugurados também
retratos "dos chefes" Benoit-Malon, Marx e Engels. "É uma justa homenagem aos três vultos maiores do século atual, espíritos reformadores que se
constituíram como beneméritos da raça humana" [8].
Quando o jornal fez um ano, a edição de A Questão Social
noticia a junção entre ao Centro Socialista, o Partido Operário de Benedito Ramos e a Sociedade União Operária, para fundar o Partido Operário
Socialista de Santos. Sua linha, como se escreve em seu manifesto publicado no número 19 do jornal, "... será um partido de classe que obedece à
orientação do socialismo evolucionário, ... que não tem absolutamente em mira aguçar ódios entre individualidades, mas atacar instituições através
de reformas..." [9].
A relação de livros disponíveis na biblioteca está presente em todos os números do
jornal, ocupando toda a extensão da última página. Frases antológicas têm lugar no veículo, como a de Chevalier: "Um homem que tem fome não é
livre". Ou de Victor Hugo: "Uma sociedade que admite a miséria e uma humanidade que admite a guerra são inferiores". "É mister fazer justiça ao
povo, para que ele não a faça pelas próprias mãos".
Para Leslie Maran, o jornal A Questão
Social era teoricamente dirigido para a classe operária, mas parecia voltado para uma platéia bem diferente, interessada somente nas questões
intelectuais e prolixas sobre socialismo [10].
Dos poucos envolvimentos da Questão
Social na luta reivindicatória dos trabalhadores, veremos em seu número 7 dar apoio aos anarquistas, "na sua luta pela redução da jornada de
trabalho". O centro vinha apoiando a reivindicação desde novembro de 1895, como se pode ver na edição de número 4, dando apoio à luta dos caixeiros
de loja pela redução de 14 para 12 horas de trabalho diário [11].
Em seu primeiro número, A Questão Social
faz a síntese da postura reformista do Centro Socialista. Diz um texto ali inserido: "...a questão social é muito complexa. Não podemos apresentá-la
em um artigo em todos os seus detalhes. Se quiseres conhecer nossos pensamentos, lê nossa revista. Prevenimos-te, entretanto, que apesar de
combatermos com energia a organização econômica da sociedade atual, não somos inimigos rancorosos do capitalismo. Este teve seu papel histórico. O
capitalismo preparou o socialismo" [12].
É diferenciando o pensamento adotado daquele que explode na
Europa e chegava por aqui, o anarquismo, segue dizendo que "... prevenimos-te, entretanto, que usaremos a discrição em nossa propaganda. Não
queremos ser filados pela polícia. Antes de tudo somos boas pessoas. Não saímos às ruas para erguer barricadas. Expomos doutrinas. A revolta, por um
golpe de Estado, não daria a um obreiro, saído da escravidão, os hábitos de moralidade necessária ao regimen socialista".
E finalizando, esclarece: "não somos revolucionários. Somos
reformistas".
O Centro Socialista de Santos, além de ser o primeiro pólo de
discussões socialistas no país, foi o promotor da comemoração do 1º de Maio pela primeira vez no Brasil, em 1895. Isto depois do marmorista Arturo
Campangnoli e seus companheiros terem sido denunciados pelo cônsul italiano e presos por tentarem organizar a comemoração da data em São Paulo, em
1894. A idéia surgiu em uma reunião de socialistas e anarquistas em abril desse ano - por eles pomposamente denominada "II Conferência dos
Socialistas Brasileiros" -, que decide aprovar as resoluções do Congresso de Paris de 1889 e comemorar o 1º de Maio.
Silvério Fontes foi médico, abolicionista, republicano,
socialista, humanitário, intelectual, jornalista organizador. Estes adjetivos serão poucos para descrever o sergipano Silvério Martins Fontes,
pensador atuante de sua época, fazendo presentes e debatidas as pungentes questões sociais.
Nascido a 1º/2/1858, em São Cristovam,
antiga capital do Sergipe, Silvério ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro aos 16 anos de idade, estudando e se mantendo graças às
aulas que dava de Geometria e Latim. Ainda estudante, defendeu teses como microbiologia, introduzindo esses estudos de Pasteur no Brasil, além de
também novas técnicas na obstetrícia [13].
Militante abolicionista desde o instante em que chegou por
aqui, em 1881, fundou junto com Francisco Martins dos Santos o jornal A Metralha, em 1882, e diversos jornais abolicionistas e socialistas.
Silvério Fontes foi positivista independente e prestou assistência gratuita como médico durante os 47 anos em que esteve em Santos, só parando ao
falecer em 1928, aos 70 anos.
Silvério Fontes é considerado por L.
Gitahny, em seu trabalho, como "um elo partido entre dois mundos, entre os quais o trânsito parece bastante difícil"
[14]. Médico e
cientista, trabalhou na Santa Casa e na Sociedade Humanitária, tendo prestado auxílio ao combate à febre amarela, em 1889.
Astrogildo Pereira, militante anarquista e
um dos convertidos ao socialismo autoritário, fundador do PCB em 1922, escreveu um livro intitulado Silvério Fontes - Pioneiro do Marxismo no
Brasil. Nele, comenta que a passagem de Silvério do positivismo para o socialismo foi "bastante fácil". Outro militante, Otávio Brandão, diz que
ele nunca foi marxista [15].
Silvério Fontes, que foi inspetor da Saúde
do Porto e Inspetor Literário no regime monárquico, deixou escritos onde diz que "... Um pequeno grupo controla as coisas essenciais de que a
maioria necessita... O primeiro grito de rebeldia da humanidade foi a Revolução Francesa, quando a burguesia derrubou a nobreza. Não é hora do
proletariado derrubar a burguesia?" [16].
Notas:
[1]
GITAHY, op. cit., p. 56. Na página 55, consta que eles fundaram o primeiro círculo socialistas
brasileiro em 1889, lançando o Manifesto Socialista ao Povo Brasileiro em 12 de fevereiro desse ano.
[2]
RODRIGUES, Olao. op. cit., p. 92.
[3]
A Questão Social, 5, 15/11/1895.
[4]
Op. cit., 2, 1/10/1895 e 5, 15/11/1895
[5]
Op. cit., 4, 1/11/1895, p. 1 e 5;
[6]
Op. cit., 1/5/1896.
[7]
A Questão Social, 2, 1/10/1895.
[8]
Op. cit., 19, 15/9/1896. Este é o último número do jornal.
[9]
Op. cit., 19, 15/9/1896.
[10]
MARAN, op. cit., p. 109.
[11]
A Questão Social, 4, 12/1895.
[12]
A Questão Social, 12, 15/9/1895, p. 1.
[13]
Jornal da Associação dos Médicos de Santos, p. 2. O livro A Beneficência, de Jaime Franco, também traz estas informações.
[14]
GITAHY, op. cit.
[15]
PEREIRA, Astrogildo. Silvério Fontes, pioneiro do marxismo no Brasil, p. 409, apud GITAHY, op. cit., p. 56. A resposta de Brandão está em
Combates da classe operária, de Otávio Brandão, p. 75, apud DULLES, op. cit., p. 41
[16]
Jornal da Associação dos Médicos de Santos, 1986. p. 2. |