PARTE I - SANTOS LIBERTÁRIA! (cont.)
A Vila de Santos
A vila de Santos passava a configurar, na paisagem construída pelo homem, as funções
desempenhadas pela comunidade, localizando-se no centro os principais logradouros públicos, administrativos e religiosos, além das casas comerciais,
hospedarias, lavanderias e residências.
O centro ainda concentrava os domicílios das famílias de alta renda ligadas ao
comércio portuário, bem como moradias de trabalhadores que atendiam aos serviços de manutenção no cais, nos ancoradouros e à população ali sediada.
A presença cada vez mais ostensiva do trabalhador portuário deslocou a classe
dominante para as proximidades da orla marítima de Santos, onde as chácaras e sítios até então pouco valorizados foram cedendo lugar aos loteamentos
frente ao mar e nas transversais que se abriam a partir do centro - inauguradas pela Avenida Conselheiro Nébias, em 1867.
Jornais de Santos -
1867-1889
Nesse mesmo ano de 1867 circulam em Santos os jornais O Lírio, O Mercantil
e O Rabecão. E em 1869 apareciam O Correio de Santos, o Comércio de Santos e O Pirilampo, em 1870 A Imprensa,
fundado por José Inácio da Glória, notabilizado farmacêutico e bom homem, filantropo e abolicionista, e Xavier da Silveira, advogado, poeta,
jornalista e orador, figura primacial do abolicionismo santista.
O Almanaque da Cidade de Santos, órgão comercial e informativo, foi criado por
Antonio Martins Fontes e Francisco Alves da Silva em 1871, continuado por outro Almanaque fundado em 1874 por Arthur Bastos, Adauto Lima e
Jorge Behn. Com o falecimento de Arthur Bastos, em 28 de dezembro desse mesmo ano, assumiria a direção um jovem de 19 anos que seria vital para
Santos, Vicente de Carvalho.
Em 1873 chegava o Correio Mercantil e em 1875 o Comércio de Santos, sob
a direção do santista Alexandre Martins Rodrigues, advogado e juiz, jurisconsulto, quem trouxe para Santos Garcia Redondo, indicado pelo Governo
Imperial para fiscalizar as obras da Alfândega.
O segundo jornal Rabecão e O Buscapé, A Sempreviva e O Raio
circularam em 1875, e em 1876 A Tesoura. O Diário de Notícias, em 1877, dirigido por Luiz Pimenta e surgido em um 16 de janeiro, nele
atuando Vicente de Carvalho e Sacramento Macuco. Nesse ano profuso em edições surgiria a criação dos jurisconsultos Inglez de Souza e Antonio Carlos
(o II), professores de Direito, que lançavam a Revista Nacional, de Ciências, Artes e Letras. O Raio, de 1875, foi uma criação dos
editores de O Pirilampo, agora um inflamado órgão abolicionista que divulgava a ação de Luiz Gama em São Paulo na campanha emancipadora.
A Idéia surgiria em 30 de setembro de 1877 e A Lei, órgão conservador de
Navarro de Andrade, que em 1886 aderiria à causa republicana. O Desfalque, O Foguete (talvez o primeiro jornal feminino do País,
editado em um sete de abril de 1878 por Antonio Seixas, como órgão oficial de um clube dançante feminino, mas totalmente colaborado por senhoras do
clube). A segunda forma do Correio de Santos e o pequeno A Luz chegariam também em 1878. O ano seguinte seria dos trabalhadores, os
caixeiros de loja, que têm referência especial nesta obra.
Em 1879 chega a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio e é este o marco
desta história, focalizada a partir de sua expressão na imprensa, raiz-semente de sua organização entre intelectuais e abolicionistas. Como os que
se uniram na Boêmia Abolicionista e se juntaram para auxiliar nos estudos de Direito do que seria o grande advogado defensor dos escravos, o menino
pobre e declamador Joaquim Xavier da Silveira (1874-1913), que tem monumento em praça de Santos.
Em 1880, em um 9 de maio, surge a Gazeta Comercial, com intelectuais do
comércio, e a 1º de março de 1881 a revista A Comédia, sob a direção do abolicionista Silva Jardim. De 1881 a 1885, fase de ouro do
abolicionismo santista, se apresentam A Notícia, de Arthur Bastos e Adauto Lima; O Guarani, O Periquito e O Papagaio -
1882/1883 - e jornais manuscritos, alguns órgãos de curta duração, mas de gloriosa atividade.
O Embrião, O Porvir e O Pirata eram jornais manuscritos que
surgiram após 1882, ainda O Patriota e Idéia Nova, O Binóculo, A Semana (ambos em 1881, este último a 18 de setembro) e
O Lepidóptero, dirigido por Cândido de Carvalho. Em 1882, O Arco da Velha, O Entre-ato e A Evolução, de Silvério Fontes.
A 12 de março desse ano, promulgava-se o primeiro Código de Posturas Municipais, que
rezava no artigo 62 que "...depois do toque de recolher, nenhum escravo andará pela cidade sem licença escrita do respectivo senhor", ameaçado de
prisão. Apesar disso, muitos eram vistos após esta hora levando os esgotos domésticos em vasos de madeira até a Rampa da Banca, lavando-os depois no
chafariz próximo. Até 1877 era assim, por falta de rede de esgoto - e as janelas tinham que ser fechadas, tamanho era o odor exalado.
Em 1883, Idéia Nova, A Propaganda e A Notícia, este um semanário
humorístico de Arthur Bastos. E A Gazeta de Santos, de 25 de janeiro de 1883. Em 1884, aparece o jornal O Diário do Comércio, dirigido
por Vicente de Carvalho e José André do Sacramento Macuco, junto com Alberto Souza. Vicente resolveu fechá-lo em 1891, quando já secretário do
Interior do governo estadual, condição em que a cidade teve finalmente os canais e o fim das epidemias que a devastavam.
Em 1884 viria ainda A Tômbola, A Luta, de Antonio Martins Fontes Júnior
e do advogado santista Antonio Pereira dos Santos, que já fora proprietário do primeiro jornal editado em Santos, a Revista Comercial, de
1849. Teve ainda O Alvor e o Jornal da Tarde, de Antonio Manoel Fernandes, quem incentivou e incendiou a luta popular de dezembro de
1884, o Quebra Lampiões, em protesto contra os maus serviços públicos.
Ainda em 1884 chegam o Aporo (em 20 de setembro, dedicado à colônia italiana),
o Jornal de Anúncios, em 19 de dezembro, e O Furo. Em 1885, o jornal O Piratiny, O Correio de Santos (o terceiro),
fundado e dirigido por J. Guelfreire, auxiliado por Juvenal Pacheco, o melhor repórter de então. Surgem ainda O Tipógrafo, em 18 de outubro,
órgão de classe, o Santos Andaluzia (da colônia andaluza em Santos), O Popular (o terceiro com esse nome), em 1º de novembro. O jornal
estudantil O Colegial, O Lírio (o 2º) - título sarcástico do novo órgão de Antonio Manoel Fernandes, que criticava o abandono colonial
do Brasil, "apesar dele, Santos!".
Em 1885 era inaugurada a linha de telefones entre Santos e São Vicente. Em 1886, a
cidade crescia, mas não existiam melhorias sociais, apenas novos prédios no centro comercial onde residiam os ricos. O curtume Porchat funcionava no
elegante bairro da Vila Nova, na foz do Riacho dos Soldados, na esquina com a Rua Sete de Setembro, formada de residências das "melhores famílias",
que logo seria ligada à praia por bondes a burro. Por ordem do conselheiro João Alfredo, foi executado mais um recenseamento, que constatava mais de
15 mil habitantes em Santos.
A população aumentara muito com o Quilombo do Jabaquara, para onde tinham vindo
milhares de escravos do interior. Em 1886 é fundado o Corpo de Bombeiros, que seria extinto em 1896 e voltado após, tendo a Prefeitura lhe dado as
instalações que tem hoje ao pé do Monte Serrat. O Imposto Predial, criado pelo comendador Alfaia Rodrigues, teve em Santos o primeiro lugar do País
a ser cobrado.
Surgia o segundo jornal Idéia Nova e também o segundo A Evolução, do
médico humanitário Silvério Fontes, livre-pensador que adquiria popularidade com suas ações de atendimento gratuito e sua pregação socialista e
igualitária, que tem nesse jornal seu quartel-general. Que recebe a adesão de Vicente de Carvalho, na defesa do socialismo, da Abolição e da
República. No mesmo ano surge outro A Evolução, em 18 de julho, republicano, dirigido por Alberto Souza, Constantino Mesquita e Francisco
Viana de Araújo, tendo como colaborador principal Alfredo Caiafa (professor de italiano no Ginásio Paulista), na ocasião estudantes de Direito.
Ainda em 1886 chega o Pince-nez, editado por Carlos Colins e Francisco Martins
Fontes, um maranhense e um sergipano; o 27 de Fevereiro, nascido nesta data histórica da proclamação da Lei dos Sexagenários; o Dez de
Outubro e o Ensaio, de Hipólito da Silva e de João Guerra - e ainda o Gazetinha, semanário de Gastão Bousquet, Henrique Machado e
Carlos de Affonseca.
Em 1887 surge A Procelária, fundada em 19 de janeiro por Julio Ribeiro,
republicano e abolicionista; o Colibri, Flor de Maio, A Imprensa (o 2º), O Santista, O Reclame e O Incolor.
Em 24 de setembro aparece o Farpas, editado por Anselmo e Luiz de Carvalho, e o Vila da Redenção, como era chamado o Quilombo do
Jabaquara - comemorando o 1º aniversário da morte de José Bonifácio "O Moço", em 26 de outubro. E O Bilontra, de curta duração.
Enquanto o país tem maioria absoluta de imigrantes italianos, quase cinco milhões no
período, em Santos essa maioria é de portugueses e espanhóis, a ponto dos cônsules destes países serem convocados para apaziguar a greve geral de
1889. O diretor da Beneficência, Mathias Casimiro Alberto da Costa, dono das terras do então chamado "Pasto das Vigárias", hoje Vila Mathias,
instala uma linha de bondes até o Gonzaga, no outro extremo, atravessando o QUilombo do Pai Felipe e indo até o botequim de Antonio Luiz Gonzaga, um
chalé de madeira onde hoje fica a Caixa Econômica Federal e já ficou o Clube XV.
O histórico Cidade de Santos surge em 1888, propriedade de Marques & Cia., de
Brazílio Marques, dirigido por Martim Francisco, o 3º, pensador, tribuno, escritor, jurista, filósofo e incorrigível humorista. Proclamada a
República em 1889, como vingança pelo fato da filha do imperador Pedro II ter assinado a Lei Áurea, aqui se fixarão os contingentes mais combatentes
destes imigrantes, trabalhadores da construção civil - portugueses e espanhóis sem qualificação para o trabalho agrícola ou nas indústrias que
nascem na capital do Estado, que se engajam nas obras do porto.
Ainda nesse ano chega O Lepidóptero, de Cândido de Carvalho, A Flora, de
Alberto Morais, A Procela, A Luz, o Luiz Gama e o Diário da Tarde. E ainda apareceriam mais cinco jornais: o Correio
de Santos, do Grêmio Português, dirigido e editado por João Barreto de Castro, em 9 de setembro O Dever, A Verdade e o Diário
da Manhã.
O bonde do Gonzaga
A chegada do bonde ao "Ponto do Gonzaga", um estabelecimento para banhos e refeições
do português Antonio Luiz Gonzaga na esquina da praia com a atual Rua Marcílio Dias, foi em 14 de abril de 1889, e o bairro ainda teria esse nome.
Entre 1890 e 1900, as epidemias ceifaram 50% dos habitantes. Escreve Olao Rodrigues, na sua Cartilha da História de Santos, editada em 1980,
que oferece uma imagem da cidade:
"Morria-se com incrível
facilidade, parecendo vulgar à população render-se ao cerco fatal da febre amarela, varíola, peste bubônica, impaludismo, disenteria, febre tifóide
e outras doenças. No decênio assinalado, apenas a febre amarela causou 6.683 mortes; não era de se admirar que muita gente, após chegar por estas
plagas, já se considerasse semi-morta... Responsável pelas más condições sanitárias da cidade, além do imperfeito serviço de abastecimento de água,
a ausência de rede de esgotos.
"Ademais, a planície via-se abafada pela vegetação e permanentemente alagada, quase
rasando as marés altas. Sem declive, o terreno retinha as águas das chuvas e das nascentes dos morros; por tais motivos, antigas áreas, mesmo junto
à zona comercial, mostravam-se retalhadas por pequenos cursos d'água e mordidas por panelões ou respeitáveis lagoas.
"Pejados de matéria putrescível, os rios e ribeiros, como os dos Soldados, São Bento,
Macaia, São Jerônimo e Carmo ou Itororó não tinham vazão fácil para o mar, pois as marés bloqueavam-lhes a saída para o mar, formando bancos de
areia. O município começou a sanear-se com a construção da rede de esgotos, iniciada em 1889, mas tão mal feito que tivesse que ser encampado pelo
Estado três anos depois".
A instalação de redes de água e esgoto pelo Estado, a construção do cais pela Docas e
os cais de drenagem foram para esse autor o caminho para a salubridade pública, interrompendo as epidemias, "fazendo
com que Santos deixasse de alimentar a prosperidade das casas funerárias, possibilitando o aumento de um comércio bem mais ativo e progressista",
escreve.
Jaime Franco salienta no texto que as obras de engenharia sanitária executadas aqui "ninbaram"
os nomes de Saturnino de Brito (que enfrentou poderosas forças da classe dominante local para implantar o seu projeto urbanístico, garantindo uma
cidade saudável) e José Pereira Rebouças.
A construção dos direitos sociais para a população igualada aos escravos nesta
ausência de garantias de vida, na cidade que sofre com as epidemias que devastam metade de sua população no fim do século, se faz gradualmente
nestas ações do chamado "sindicalismo de resistência", trazido pelos trabalhadores imigrantes, efetivando os enunciados de emancipação dos
trabalhadores.
Esta é a segunda fase da luta social pós-abolição iniciada com o que se chamou
"socialismo acadêmico" de Silvério Fontes, das palestras e espetáculos públicos deste que foi um dos primeiros, senão o primeiro, a adotar o
pensamento de Karl Marx no País, como escreveu Astrogildo Pereira, um dos fundadores do PCB em março de 1922, em seu livro Silvério Fontes, o
pioneiro do marxismo no Brasil. O chefe do Quilombo do Jabaquara, Quintino de Lacerda, utilizando seu controle sobre os escravos, os colocou
para substituir os trabalhadores em greve no porto na greve de 1891, quando foram demitidos dois mil operários.
O ano de 1889, o da República, é de grande progresso para a cidade, pois daí em diante
vem a construção da primeira rede de esgotos sobre os planos do dr. Garcia Redondo e do dr. Augusto Fomm Júnior e da construção dos canais de
Santos. Uma grande campanha sanitária, com a difusão da vacinação obrigatória, a encampação dos serviços de limpeza pública e sua ampliação, a
aplicação rigorosa do Código de Posturas e a canalização dos cinco ribeirões santistas. Em 1890, já temos mais de cinqüenta mil almas.
O Código Penal Republicano regulamentou em dois artigos a repressão aos movimentos dos
trabalhadores, isto já em 1890: encomendado pelo então ministro da Justiça do Governo Provisório Campos Sales, convertido em lei pelo decreto 847 de
11/10/1890, os dois artigos diziam que era crime: "Artigo 205 - Seduzir ou aliciar
trabalhadores para deixar estabelecimentos em que foram empregados, sob promessa de recompensa ou de algum mal; penas de prisão celular de um a três
meses e multa de 200$000 a 500$000. Artigo 206 - Causar ou provocar cessação ou suspensão do trabalho, para impor aos patrões aumento ou diminuição
do serviço ou salário: pena de prisão celular de um a três meses".
O governo de Rodrigues Alves preocupava-se seriamente com a evolução da mobilização
operária e, desde então, a questão é chamada de "caso de polícia", assim definida na época, objeto de repressão policial. Inexistia regulamentação
do trabalho quanto a salários, jornada ou condições oferecidas, na filosofia governamental de "defesa da livre iniciativa".
A formação de grandes contingentes de trabalhadores e intelectuais humanitários
geraria a condição para um vultoso movimento social. O crescimento se dava dentro das regras do liberalismo social, gerando graves contradições,
ocasionando o que se chamou de "período de resistência" que chega com os imigrantes e suas técnicas avançadas.
Em 1893, a Revolta da
Armada, em Santos
Às 9,30 horas do dia 20 de setembro, o Forte da Barra Grande, em frente à Ponta da
Praia, do lado de Guarujá, era bombardeado pelo couraçado República. Fora incorporado pela "Revolta da Armada" que explodira nacionalmente no
Rio de Janeiro no dia 6 de setembro, chefiada por Custódio de Melo e Saldanha da Gama, com o objetivo de exigir as eleições constitucionalmente
previstas, negadas pelo presidente Floriano Peixoto. E restaurar o federalismo, contra o centralismo, dando poder aos Estados. Responderia o fogo um
quarto de hora depois, em direção ao couraçado. Nem um nem outro acertaram o alvo.
A Revolta da Armada era parlamentarista e defendia a autonomia dos Estados, contra o
centralismo imposto pelos militares que haviam dado o golpe de 15 de novembro de 1889, o da chamada República. Acusado de monarquista, o movimento
da Marinha teve nessa ocasião um episódio decisivo na cidade, como coloca o historiador Francisco Martins dos Santos. Os dois fortes da defesa
santista atuaram nesse embate, o da Barra Grande ou Santo Amaro e o Forte Augusto ou da Estacada, na Ponta da Praia, na área em que está hoje o
Museu de Pesca, cujo prédio já foi a Escola de Aprendizes Marinheiros.
Os revoltosos contra o governo do Marechal de Ferro Floriano Peixoto pretendiam
estabelecer suas bases aqui, alertava o telegrama do próprio presidente golpista, que se recusava a convocar eleições para confirmá-lo no cargo -
conforme fixava a Constituição de 1891: Floriano era o vice de Deodoro, que assumira antes de um terço do mandato do titular.
Em Santos ocorreria o mais importante momento do conflito, depois do da capital
federal, que fora bombardeada impiedosamente. Para cá seguira o paquete Itaipus, tomado pelos revoltosos chefiados pelo
capitão-de-mar-e-guerra Frederico de Lorena. O presidente do Estado, Bernardino de Campos, fez descer para Santos todo o 3º Batalhão, para reforçar
o 2º já aqui acantonado.
O Hospital do Isolamento, inaugurado no ano anterior, seria o abrigo das tropas,
obrigado a mudar-se para Itapema até junho de 1894. Estava sendo preparada a defesa da cidade. A Fortaleza da Barra Grande, que possuía velhos
canhões La Hitte, que até há pouco tempo estavam lá, foi atingida na muralha de 1,5 metros por uma bala Armstrong, calibre 32, abrindo
uma brecha de 1,20 metro e fazendo dois soldados feridos com os estilhaços.
Para lá tinha sido enviado o 22º Batalhão do Exército, que se achava na cidade, em que
era expressivo o número de anti-florianistas. Mas, com o tiro do República, se uniriam os grupos republicanos divididos desde 1890, o Centro
Republicano e o Clube Nacional. Muita gente fugiu da cidade para São Paulo e para o interior, com medo da revolta, que disparou ainda dois tiros
contra o Forte Augusto. Um deles quase acerta o governador, na época presidente do Estado.
Uma bala do canhão Krupp de 7,5, do Forte Augusto, respondia ao fogo do República,
mas nem as balas dos fortes ou dos navios atingiam o alvo, apenas a murada da Barra Grande ou as palmeiras da praia defronte do Forte Augusto, então
abundantes. O próprio presidente do Estado, Bernardino de Campos, estava no forte, dada a importância do momento. E diz a história, ao ser quase
atingido por uma bala do República, ignorando a instrução para se proteger, teria dito o épico São Paulo não se abaixa!
Em Santos, o agitado ano de 1893: brincando de morrer
A Revolta da Armada, que por ter sido um movimento da Marinha teve em Santos um dos
seus principais palcos de operações, encontrou aqui um ambiente envolto em conflitos, uns solucionados, outros desencadeados. Na cidade que absorvia
maciço contingente migratório, quase 320 mil imigrantes no Brasil entre 1890 e 1894, aqui quase todos portugueses e espanhóis, republicanos
situacionistas e dissidentes defrontavam-se.
Desde 1890 estes grupos andavam às turras, divididos em função do apoio do Partido
Republicano às candidaturas de Júlio de Mesquita e Bernardino de Campos, respectivamente o Centro Republicano e o Clube Nacional. Eles se uniram
após o bombardeio do República. E o povo morria nas epidemias.
Em outubro de 1893, renunciava à presidência da Câmara de Santos o então prefeito da
cidade, Américo Martins dos Santos, anti-florianista antigo. O Paço Municipal era, desde 1864, no edifício da Cadeia Nova, hoje Cadeia
Velha da Praça dos Andradas, em que ficou até 1896 - quando se mudou para o garboso prédio do Largo Marquês de Monte Alegre, época em que
circulou que a cidade poderia ser a capital do estado.
Nestes tempos em que a elite local era derrotada pelo grande capital no porto,
perdendo seus atracadouros para os Gaffrée e Guinle - que iniciaram a construção do cais, inaugurando mais 400 metros de cais em 1893, somando-se
aos 260 iniciais do ano anterior -, a cidade tinha 30 mil habitantes em 1893, em 3.234 casas, casebres e cortiços em profusão, quase 800 dois anos
antes, em mau estado, sem água nem esgoto.
Quase um terço da população era imigrante em 1893 e vivia miseravelmente, morrendo aos
montes de febre amarela, varíola, tuberculose, tifo, malária e outros males, 3.561 pessoas nesse ano, 4.173 no anterior. Cerca de 20% da população
em dois anos, 50% no período de maior incidência das pestes iniciado em 1891.
Entre os anos de 1890 e 1900 morreriam 22.588 pessoas na cidade, então chamada de
Porto da Morte - parte considerável da população. Cidade da qual as pessoas fugiam ou recusavam-se a vir trabalhar, arrastadas à força pela
Docas em todo o País para construir o cais. As epidemias surgiam pelo adensamento populacional em uma área alagada pelo lixo que desviava os
riachos, também pelo revolvimento do lodo secular na dragagem do porto. Em 1893, era criada a Comissão de Saneamento.
Alheio à tragédia, o cais crescia e era essa a prioridade capitalista do porto que já
era o maior do país, agitado no confronto de patrões semi-escravagistas e os operários anarquistas defensores de direitos. Mas nem com a morte de
metade da população os santistas perdiam o bom humor. Conta o historiador carnavalesco Bandeira Júnior de uma sociedade carnavalesca, surgida em
1893, os "Influentes Carnavalescos", que desfilavam pela cidade fantasiados de esqueletos, ironizando a superlotação dos cemitérios.
Inaugurado no ano anterior, o cemitério da Filosofia, no Saboó, surgia para resgatar o
sistema de enterramento individual, já que as mortes crescentes estavam fazendo os cadáveres serem enterrados em valas comuns. O novo cemitério, que
deixava o do Paquetá para as elites que o fizeram, ficava nas terras da chácara de Azevedo Marques. |