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Braz Cubas
A inauguração da estátua -
Brilhantes festas em Santos - A chegada dos convidados - O discurso oficial - O representante do rei de Portugal
SANTOS, 26 (Pelo telégrafo) - Tiveram
extraordinário brilhantismo as festas hoje realizadas em homenagem a Braz Cubas, o fundador desta cidade.
Era uma hora da tarde quando os
vereadores da câmara municipal se dirigiram, incorporados, do paço municipal para a estação da S. Paulo Railway, a fim de esperar as pessoas que
dessa capital vinham em um trem especial.
Após o desembarque e depois de
trocados os cumprimentos de estilo, dirigiram-se todos para a Praça da República, que apresentava um belíssimo aspecto, ficando inteiramente repleta
de povo, que ia assistir à inauguração da estátua de Braz Cubas.
Na praça tocavam as bandas Colonial
Portugueza e do Corpo de Bombeiros, notando-se nas arquibancadas que davam frente para a Alfândega inúmeras famílias e cavalheiros, entre os quais
se viam o dr. Primitivo de Castro Rodrigues Sette, juiz da primeira vara; dr. Luiz Porto Moretzsohn de Castro, juiz da segunda vara; Alberto Kemnitz,
Aloyz Arnstein, Ernesto Bormann, João Lourenço da Silva, Antonio Candido Gomes e Secundino Troncoso, cônsules da Rússia, Áustria, Alemanha,
Portugal, Chile e Espanha; o cônsul da Suécia, capitão-tenente Garcez Palha; capitão-de-fragata Pereira Lima, capitão do porto; drs. Jaguaribe,
Eugenio Egas, Bias Bueno, representando os srs. presidente do Estado e secretário da Justiça e Segurança Pública; dr. Mario Amaral, representando a
Câmara Municipal de S. Paulo; sr. Cupertino Mondim Pestana, representando o sr. secretário do Interior; sr. coronel Silva Telles, Antonio Militão,
Vicente Inglez de Souza, Soter de Araujo, Saturnino de Brito, Guilherme Alvaro, Alfaya Rodrigues, o escultor Lourenço Mazza, autor da estátua; dr.
Freitas Guimarães, orador oficial; srs. Fernandes da Silva, inspetor da Alfândega; João Carvalhal, Hugues Stenhouse, representantes de todas as
associações nacionais e estrangeiras, da guarda nacional, os vereadores municipais, coronel Almeida Moraes, dr. Castro de Faria, encarregado dos
negócios de Portugal no Brasil, autoridades locais, oficiais do corpo de bombeiros e da polícia.
Notava-se em todos os semblantes a
mais viva ansiedade pela abertura da sessão. Quando a comitiva que vinha da estação da S. Paulo Railway chegou á Praça da República, estalou uma
entusiástica salva de palmas, subiram aos ares inúmeros foguetes, executando as bandas de música os hinos nacional, da Carta e a marcha sinfônica a
Braz Cubas, de A. Costa.
Aberta a sessão solene, o sr. José
Domingues Martins convidou cinco das pessoas presentes para descerrar as cortinas que encobriam o monumento a Braz Cubas, tendo sido estas os srs.
dr. Castro de Faria, coronel Almeida Moraes, Primitivo de Castro Rodrigues Sette, Wasconcellos Tavares e Bias Bueno.
É indescritível o entusiasmo que se
apoderou do povo que enchia a Praça da República, quando aqueles cavalheiros desvendaram a estátua. Os clarins da força policial deram sinal de
sentido, as bandas de música tocaram o Hino Nacional, ouvindo-se uma salva de 21 tiros de morteiro, foram queimadas muitas girândolas de foguetes e
os vapores surtos no porto apitaram festivamente.
Debaixo de uma estrondosa salva de
palmas, o dr. Freitas Guimarães subiu à tribuna, lendo durante cerca de uma hora, o discurso seguinte:
"Exmo.
sr. dr. presidente do Estado,
Minhas senhoras,
Senhores:
A subida distinção que me conferiu a
nova Câmara Municipal de Santos, convidando-me para ser o seu orador nesta solenidade, mais aumenta a gratidão que devo a esta terra e mais
fortalece as amizades que aqui deixei, as mesmas que vim encontrar agora, depois de quase doze anos de ausência.
Tais honrarias não se recusam nunca,
mesmo quando faltem ao escolhido qualidades que as justifiquem, e tal é o meu caso: aceitei o convite porque desde logo o considerei uma ordem
(ordem que me penhora e orgulha) e porque significa que ainda não fui esquecido aqui, no círculo daqueles que sabem avaliar o quanto custa ser pobre
e honrado numa época em que o caráter anda tão abastardado e frouxo. Obrigado, srs. edis!
Grande é a distinção que vos mereci,
mas é maior a vossa bondade; e é nela que eu confio para falar ao povo que vos elegeu num belo movimento de independência política, resultante da
declaração feita pelo governo "de que garantiria em toda sua plenitude a liberdade do voto".
***
A cidade de Santos resgata hoje com
aquele que lançou os seus primeiros fundamentos - uma dívida de gratidão e de honra: erigindo-lhe uma estátua aqui, nada mais faz a geração atual do
que cumprir um dever indeclinável e sagrado, igual ao dos filhos que não podem negar veneração às cinzas e à memória de seus pais.
Portugal, a gloriosa nação pequenina
que fica do outro lado do Atlântico, mal acabara de cientificar ao Velho Mundo que Pedro Álvares Cabral, um dos seus audazes navegadores, havia
descoberto, em viagem para a Índia, este grande país, a que dera o nome de Vera Cruz, depois mudado para o de Terra de Santa Cruz e mais tarde para
o de Brasil; Portugal mal havia assinalado no mapa das suas conquistas marítimas o descobrimento desta terra abençoada, para a qual convergem
atualmente, graças ao patriotismo e clarividência do nosso ilustre ministro das relações exteriores, todas as atenções do velho e novo mundo, todas
as simpatias das nações fracas, pelo seu inolvidável triunfo nas Conferência de Haia - onde o nosso embaixador de minúscula estatura física se
mostrou gigante pelo talento, o brilho e a tenacidade com que defendeu os bons princípios de liberdade e de justiça -, e todas as curiosidades das
grandes potências, que já perceberam que este colosso só precisa de braços para pôr na evidência a feracidade do seu solo e a fonte inesgotável das
suas riquezas; Portugal ainda não estava bem acordado do grande sonho luminoso que tivera, e já cuidava da colonização da nova terra descoberta,
colonização essa que, na opinião do maior de seus oradores contemporâneos, "é a máxima honra entre todos os títulos da sua alta benemerência
histórica, porque é aqui que os portugueses encontram desafogo e emprego a valentes energias que não cabem na estreiteza geográfica e na exiguidade
econômica da sua pátria, e é aqui que as dores e alegrias da metrópole se ressentem multiplicadas, e as suas legítimas glórias resplendem, quase
sempre, na justiça que merecem, parecendo que se depuram, na longa travessia do oceano, da densa poeira em que as envolve tanta vez a dura
rivalidade dos homens e o implacável conflito das escolas e dos partidos".
Começaram de abicar então, às nossas
praias, as caravelas da mãe-pátria, e desses enormes pássaros marítimos, de grandes asas brancas, de rémiges possantes, abertas sobre o dorso
levadio do mar, iam todos os dias desembarcando as gentes que Portugal mandava às nossas plagas, para aqui vincularem a sua raça e transmitirem aos
seus descendentes, como a mais valiosa das heranças, a língua que falamos, língua admirável que, como já o fez sentir Antonio Candido, "serve a
tudo: à epopeia e ao idílio, à lamentosa elegia e ao cântico de guerra; língua que, passando pelas cordas de uma lira, é suave e doce como a voz do
amor; assoprada na tuba épica, é vibrante, sonora e grandiosa ou terrível, segundo os temas que versa, as ações que conta, ou os heróis que celebra;
língua que, trasladada ao Sul da América, não perdeu aí o seu caráter grave, nem a têmpera máscula, nem o tom de funda, indefinível melancolia, que
lhe imprimiu a trágica e esforçada aventura dos nossos avós, e ainda adquiriu preciosos elementos de encantadora suavidade e de frouxa, dolente e
maviosa ternura! Língua que refletirá sempre, em combinação maravilhosa e feliz, as cores da alma portuguesa e as da alma brasileira, sua filha e
sua igual!".
"Braz Cubas, homem
ativo, audaz e de ânimo desassombrado para os grandes empreendimentos, veio ao Brasil em companhia do donatário Martim Affonso de Souza, aportou a
estas plagas no ano de 1531 e aqui ficou, com ânimo firme de residir, com instruções do governo da metrópole para fazer as demarcações precisas, e
com o fim de adquirir, assegurar e perpetuar a posse das terras percorridas para o domínio da coroa de Portugal".
[1]
Tendo obtido de d. Anna Pimentel,
mulher e procuradora do donatário da capitania de S. Vicente, a 25 de setembro de 1536, uma carta de doação de terras marginais do Rio Jeribatiba,
hoje denominado Jurubatuba, e fronteiras ao local onde hoje assenta esta cidade, carta essa que lhe foi trazida por seu pai em 1540, ficou morando
até o ano de 1543 na Ilha Pequena, atualmente conhecida por Ilha Barnabé, a qual se achava compreendida na data de terras doadas, e concebeu então a
feliz e generosa ideia de aqui fundar um hospital e uma povoação.
Dando execução ao
seu plano, logo lançou os primeiros alicerces da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia e os de um hospital contíguo, que, à semelhança de outro
que havia em Lisboa, se ficou chamando "hospital de Santos", "título que logo se comunicou à povoação que daí por diante entraram a chamar Porto de
Santos", e que foi fundado para evitar-lhe o incômodo de fazer viagens largas.
[2]
Vendo Braz Cubas,
porém, que a nova povoação, ainda no berço, já sobrepujava em edificação, população e comércio a vila de S. Vicente, deu-lhe a 19 de janeiro de 1545
o foral de vila, ratificado pelo governo português em 1546, e determinou que lhe servisse de matriz a igreja da Misericórdia.
[3]
Foi assim que nasceu esta cidade,
cuja preciosa semente foi lançada em terras do outeiro de Santa Catarina, de onde ao depois se alastrou por todos os lados, para chegar a ser isto
que hoje admiramos - terra da liberdade e da honra, do trabalho que enobrece e frutifica e do descanso que retempera e alivia, terar a que o oceano
emprestou as energias e as revoltas do seu poder estranho para que as transformasse em fontes de benefícios e de triunfos e as repartisse igualmente
entre aqueles que aqui dão emprego à sua atividade.
Esta é a terra em que aprendi a ser
forte e desassombrado; de cujo comércio modelo recebi memoráveis lições de probidade e de honra; terra onde os negócios contratados verbalmente têm
a mesma garantia daqueles que são reduzidos a escrito pelos oficiais que têm fé pública; terar a que me acho ligado por simpatias decididas, pois eu
sinto que, quanto mais corre o tempo e mais se alongam as distâncias que dela me separam, quanto mais reúno em experiências e mais me afadigo em
forças, mais intensas se vão tornando as saudades que daqui levei comigo, mais se avoluma e define a amizade que lhe consagro.
Deve sentir-se orgulhoso ali, no alto
daquele pedestal merecido, o nobre português que aqui deixou o germe desta cidade movimentada e feliz.
Durante os 68 anos que viveu no
Brasil, pois é quase certo que só veio a falecer em 1599, aquele homem, que foi um caráter inquebrantável, servido por uma consciência retilínea e
um coração aberto a todos os sofrimentos alheios, mostrou-se digno da pátria distante - essa nação gloriosa do velho mundo, que é
"Onde a terra se acaba e o mar começa,
E onde Phebo repousa no Oceano,
e da qual diz o poeta, pintando-a,
com justo orgulho, no seu poema imortal:
"Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o céu me dá que eu sem perigo
Torne com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo".
Não foi sem razão que Eduardo Prado,
numa das páginas mais brilhantes que nos legou o seu talento privilegiado, se rebelou contra os brasileiros que lastimam não terem os holandeses
ficado senhores do Brasil.
Nada mais injusto
que essa opinião de alguns patrícios: como já observaram Assis Brasil e aquele outro saudoso paulista, caso os holandeses tivessem feito desta terra
um país bem governado e feliz, não seríamos nós que aqui estaríamos gozando estes bens, mas sim os holandeses e seus descendentes; esta terra seria
uma vasta feitoria, organizada com método, com ordem, com energia, talvez, mas seria uma colônia em que uns poucos de brancos seriam tiranos de
milhões de índios e de negros. Com a colonização portuguesa e católica, viemos a ser, com todas as nossas fraquezas, com todas as nossas reais ou
pretensas desvantagens étnicas, viemos a ser nós mesmos, isto é, uma nação e um povo!
[4]
Glória, portanto, a Portugal, por
haver aqui plantado a sua bandeira de proteção e de paz e por haver ensinado ao nosso povo a religião incomparável de Cristo! Glória a Portugal por
poder chamar filha a esta adorada pária, sem rival no mundo, à qual está indissoluvelmente ligado pelo sangue que corre em nossas veias, pela beleza
inigualável da língua que nos legou, participando das nossas alegrias e tristezas, e seguindo de perto, com o interesse devotado com que um pai
segue de perto o filho que se educa, a evolução política da nossa vida de povo independente e culto, orgulhando-se dos nossos triunfos e aplaudindo
as nossas vitórias!
Eis os laços que nos aproximam, os
elos que nos unem, os vínculos que nos prendem a essa terra de além-oceano - "esse belo jardim da Europa à beira-mar plantado" - onde repercutem os
hinos das nossas alegrias; onde ressoam, depois de terem vibrado em nosso seio, as notas plangentes das nossas queixas, e onde encontram um eco de
cavalheirosa simpatia as expressões patrióticas de nosso entusiasmo pelas questões que a diplomacia desta república de ontem vai airosamente
liquidando todos os dias, sempre com desusado brilho!
Senhores:
A homenagem que estamos rendendo à
memória de Braz Cubas é honra muito maior para o povo que a rende, do que para aquele varão ilustre que a recebe.
Homens como os velhos portugueses
nossos avós, da envergadura moral desse que hoje aí fica perpetuado pelo escopro e o cinzel de um escultor notável da Itália contemporânea, que
também já colabora conosco para o engrandecimento do Brasil; homens do tipo desse que a vossa justiça exumou do túmulo em que dormia há séculos,
para erguê-lo ao pedestal dos seus triunfos; homens como esses velhos portugueses honrados que aqui viram nascer os seus filhos, e para cá trouxeram
o melhor das suas energias e esperanças, identificando-se com a nossa pátria e aqui deixando as suas cinzas; homens da têmpera desses são atualmente
tão raros - que devemos venerar com orgulho os poucos exemplares que ainda nos restam dessa raça, que é a nossa, e fazer menos demorada a
glorificação dos que já não existem e deixaram, em grandes feitos, indelevelmente assinalada a sua passagem por este país.
Honra sobeja me outorgou, repito,
A santista municipalidade:
dentre quantas me foram conferidas
É talvez a maior
Dívida de honra e gratidão de um povo
Hoje aqui paga ao fundador de Santos,
Perpetuando em mármore de Carrara
O vulto varonil
Largo trecho de luz da nossa história
Recorda o monumento majestoso
Que se ergue sobre a terra que foi berço
Dos Gusmões, dos Andradas.
A Eóle e ao seu alígero cortejo:
Outro, fazendo a pátria independente
E dando brilho às letras brasileiras
Da branda Erato à voz:
A palavra divina, este, semeando;
Na tribuna do foro e parlamento,
Aquele, mais ainda enaltecendo
O nome do seu pai;
Tal outro, enfim, legando-nos, brilhante,
As memórias dos feitos valorosos
De que fora teatro "São Vicente",
Nossa capitania.
Ditosa a terra de tão grandes filhos
O solo em que nasceu, cresceu altiva
E frondejou tão generosa estirpe,
Raça tão nobre e pura!
Ditosa a terra em que se enraizaram
Troncos de tal pujança, gente assim boa,
De arguto, perspicaz entendimento
E grande coração!
Berço feliz dos fortes bandeirantes,
Salvé! Tuas florestas seculares
Onde o gentio erguera as suas tabas
Abrigado do mundo,
Certo logo as talára o invasor luso,
Matando os aborígenes ligeiros,
Impondo o seu domínio a ferro e fogo,
Se não fora o jesuíta,
Que penetrou os seus umbrais gigânteos,
E ajudado somente de um emblema,
Da santa cruz em que morreu o Cristo,
Venceu pela cordura,
Dominou corações endurecidos,
Uniu o português ao índio rude
E à matança pôs fim, em pouco tempo,
A paz assegurando.
Se não fora o jesuíta temerário,
Ínvias matas bravias perlustrando,
Apagando o receio do selvagem
E o lusitano ardor,
Não surgiria esse tipo - o "mameluco",
De elástica e viril musculatura,
De pronto raciocínio e olhar agudo,
Dominando os sertões!
Sim! porque o mameluco é que é a pátria,
O autêntico Brasil! Foi o caboclo
Quem fecundou o seio prodigioso
Desta pátria querida!
Foi o caboclo, sim, foram seus filhos
Que arrotearam, sofrendo graves danos,
O sombrio sertão... (Tão grande é ele
Que até hoje não foi
Possível desvendá-lo por completo!)
Esse o povo que fez-se independente,
Soube lutar, sem exalar as queixas,
Ali, no Paraguai,
E, mais tarde, volvidos alguns lustros,
Cansado de sofrer a tirania,
Acorrentado ao poste da ignomínia,
Fez pedaços um trono!
Homens de bronze tez e olhos ferinos,
Salvé! Lídima prole, eu te saúdo!
Bandeirantes do ideal, bravos caboclos
Da minha pátria, salvé!
Rasgando o seio à terra prometida,
Sondando o álveo dos rios e as gargantas
Da colossais montanhas que defendem
O extenso litoral,
Fostes enchendo as arcas da metrópole
De prata, de ouro, de custosas pedras,
Desde a verde esmeralda esperançosa
À ametista vulgar;
São tão fartos, porém, dessas riquezas
As nossas cordilheiras, nossos rios,
Que nem parece que houve tal desfalque
De tão grande fortuna!
Sim, ele aí está: abram-lhe o seio
Ao meu Brasil glorioso, e logo os olhos
Terão deslumbramentos; os seus rios
Quanto ouro arrastam
Pelo fundo arenoso dos seus leitos,
Ou quanto diamante não carregam
Nos cascalhos que rolam ou que deixam
Nas cachoeiras que têm!
Suas virgens florestas, que palácios
Não guardam de finíssimas madeiras!
Quanto metal precioso pelas serras,
Quantas minas não há!
Esta é por certo a terra destinada
Por Deus a ser no mundo de Colombo
Aquela que conserve a primazia
Entre os demais países,
Terra que as flores enchem de perfume,
Que tem no céu, de dia, um sol triunfante,
E de noite o Cruzeiro, rutilando
Entre milhões de estrelas,
E uma lua de prata, lactescente,
Lua de namorados, cautelosa,
Velada às vezes pela névoa, às vezes
Brilhante como o sol!
Terra assim tão feliz, que tem tal povo,
Não pode se esquecer de quem lhe fora
Amparo um dia, e desvelo sem conta
Sempre lhe dispensou.
- Ei-lo o seu prêmio ao mérito; tardio
Achá-lo-eis, talvez, mas não indigno
Do alto varão que perpetua e que olha
Do pedestal que pisa
Para a cidade que fundou outrora,
Que era naqueles tempos vila humilde,
E hoje vê derramada à sua frente,
Aos lados, traz de si,
Tardio achá-lo-eis, mas não indigno
Do artista que empenhou o camartelo,
E com o cinzel rasgou aquela boca
Enérgica, alisou
Aquela fronte larga, abriu-lhe os olhos,
Deu-lhe forma ao nariz forma às orelhas,
Farto bigode ao lábio e ao mérito as barbas,
Que sobem pelas faces.
Ei-la a estátua que se ergue, sobranceira,
Desafiando quiçá o próprio tempo,
Que não poupa ninguém, tudo consome
E sepulta no olvido!
Eis Braz Cubas de pé, fitando Santos,
A pequenina filha que deixara
Junto ao mar, em tempos que vão longe,
E ora encontra a sorrir.
- Segundo empório comercial da pátria,
Satisfeita por vê-lo presidindo
Ao seu progresso, ao despertar da vida
Política dos seus! -
Salve, glorioso pai desta cidade,
Que vê novos, mais vastos horizontes
Diante de si, mais cheios de promessas
E justas esperanças!
Do alto do teu renome, muito bravo,
Hás de ver, remoçada, a tua filha,
Livre de peias, livre de credores,
Alçar nutrido colo,
Beber a largos haustos pela taça
De ouro da fartura, ela que celebra,
Orgulhosa de si, da sua gente,
O valor do seu pão!
Nesse dia feliz, que já vem perto,
Hão de os teus lábios ensaiar o nome
Da filha heroica, e os teus olhos de pedra
De alegria chorar!...
S. Paulo, 23 de janeiro de 08.
Freitas
Guimarães.
Quando o dr. Freitas Guimarães
concluiu o seu discurso, ouviu-se, por muito tempo, uma calorosa salva de palmas.
Falou em seguida o sr. Alberto Veiga,
em nome da colônia portuguesa, agradecendo a homenagem prestada a um português como Braz Cubas, elogiando o comendador Alfaya, que foi o primeiro
que teve a ideia de ser erigida em Santos uma estátua que perpetuasse a memória do seu fundador, estendendo os seus elogios ao coronel Almeida
Moraes, que muito se interessou para que a ideia fosse posta em prática, e ao escultor Lourenzo Mazza, que concebeu e executou o monumento.
Também o discurso do sr. Alberto
Veiga foi muito aplaudido.
Em seguida, o dr. Jaguaribe, membro
do Instituto Histórico e Geográfico, tomou a palavra, discorrendo longamente sobre a vida de Braz Cubas e sobre a fundação de Santos, encerrando-se,
com esse discurso, a brilhante sessão.
Da Praça da República, formou-se um
grande préstito, que se dirigiu ao Paço Municipal, onde foi servido um lanche aos convidados que vieram de S. Paulo e mais pessoas gradas.
Falou o dr. Leopoldo de Freitas,
brindando o dr. Castro de Faria, encarregado dos negócios de Portugal no Brasil. Este tomou a palavra, para saudar a Câmara Municipal de Santos,
lendo um lindo discurso, eloquente e cheio de patriotismo.
Falaram depois os srs. João
Carvalhal, que saudou o representante de Portugal, Cupertino Montin, saudando o mesmo sr., e Azevedo Junior, brindando o governo do Estado,
representado pelo sr. Bias Bueno, que agradeceu a saudação.
À noite, realizaram-se na Praça da
República, artisticamente ornamentada e profusamente iluminada, os concertos das bandas Colonial Portugueza e Municipal.
A praça apresentava um aspecto
deslumbrante, apinhada de povo, produzindo um belo efeito a estátua de Braz Cubas.
O escultor Lourenzo Mazza tem sido
muito elogiado pelo seu excelente trabalho, devendo esse artista seguir para S. Paulo por toda esta semana.
O trem especial conduzindo os
convidados que vieram dessa capital partiu às seis e meia da tarde, comparecendo à estação inúmeras pessoas desta cidade.
No Parque Balneário, foi oferecido um
jantar ao representante do governo português, dr. Castro de Faria, que veio a esta cidade a fim de assistir aos festejos em homenagem a Braz Cubas.
Tomaram lugar na mesa os drs. Bias
Bueno, Raul Vicente de Azevedo Bento de Souza, Martim Francisco e Leopoldo de Freitas.
O jantar correu na maior
cordialidade, tendo sido trocados vários brindes.
O dr. Bias Bueno expediu telegramas
aos srs. Jorge Tibyriçá, presidente do Estado, e Washington Liz, secretário
da Justiça e Segurança Pública, comunicando havê-los representado nas festas de hoje.
[1]
Alm. Moraes - Braz Cubas, págs. 5 e 6.
[2]
Almeida Moraes - Braz Cubas, págs. 13 e 15. Frei Gaspar da Madre de Deus; apud. Alm. Moraes, pág. 17.
[3]
Idem, idem, pág. 18.
[4]
Eduardo Prado - Collectaneas - vol. 4º, págs. 69-70 |