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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Os calções do senhor prefeito

Declaração descuidada rendeu meses de gozação na imprensa paulista

De "pavio curto", o ex-prefeito Antônio Manoel de Carvalho colecionou inimigos políticos e muitas polêmicas durante sua gestão à frente da Prefeitura Municipal de Santos (14/7/1974 - 6/5/1979), até pelo fato de ser um prefeito nomeado pelo governo federal, já que o município estava sob intervenção havia duas décadas. Assim, uma pitoresca declaração do prefeito, citada em matéria do editor de Novo Milênio - então redator do jornal santista A Tribuna -, foi bastante aproveitada pela imprensa local e paulistana, fazendo a festa dos chargistas.

Eis a matéria, publicada na segunda-feira, 23 de janeiro de 1978, em A Tribuna, vendo-se nas fotos o prefeito com o polêmico calção:

Para enganar ambulantes, Carvalho trocou calção azul por outro marrom

Foto: reprodução da matéria, 23/1/1978

Prefeito desarmou um vendedor de caipirinha

Quando o prefeito Antônio Manoel de Carvalho disse que comandaria pessoalmente a fiscalização intensiva contra os abusos cometidos na orla da praia, esperava-se que ele acompanhasse os fiscais, coordenando os trabalhos. Entretanto, o que se viu foi o prefeito cercando de surpresa um vendedor de caipirinha defronte do Aquário, desarmando-o, e conduzindo seu carrinho até a sede do Aquário Municipal. Após chamar o administrador do Aquário, para que este recolhesse o material e o destruísse, o próprio prefeito esvaziou o conteúdo das garrafas de "batida", no jardim que circunda o prédio, enquanto o vendedor fugia.

Segurando as facas que apreendera, dizia então o prefeito ao vendedor, ao apreender o material: "Isso é carro que se apresente? Eu sou o prefeito, o carro está preso". Virando-se para o grupo de pessoas que assistia, comentou em seguida: "Eu sou o prefeito, estamos realizando um comando contra essa gente. Ele dormiu no ponto, pois me viu no carro, mas de calção azul. Acontece que eu trazia outro, marrom, por baixo, assim ele não me reconheceu. Quando ele virou as costas eu tirei a faca dele. Eu conheço essa gente, tem sempre uma faca consigo, para preparar a batidinha, mas que também serve numa briga".

Depois, se dirigiu ao administrador do Aquário: "Leva para dentro e destrói tudo, arrebenta com o carrinho. Peguei o negão no pulo, no flagrante". Para os repórteres: "Coloquem isso no jornal, pois o povo santista tem que sentir que tem segurança, se sentir isso ele vai nos ajudar a acabar com esses abusos". O fato ocorreu às 10h30.

Apesar disso, embora o prefeito a essa hora já tivesse percorrido toda a orla da praia, no Boqueirão um desses ambulantes tranqüilamente vendia suas batidas aos veranistas, a Cr$ 10,00 cada, sem higiene, nem nada, não sendo incomodado por ninguém...

Na mesma praia do Boqueirão, entretanto, uma forma mais sofisticada de venda ambulante de batida acabou logo ao nascer. Uma perua Kombi estava montada para atender à freguesia, quando o prefeito chegou e acabou com o negócio, que tinha até licença de ambulante da Prefeitura, embora não para venda de bebidas alcoólicas. (...)

 Para enganar ambulantes, Carvalho trocou calção azul por outro marrom

Foto: reprodução da matéria, 23/1/1978

Imediatamente começaram as reações dos comentaristas e chargistas, especialmente do jornal oposicionista Cidade de Santos, que no dia 25/1/1978 publicava, em primeira página, esta charge de J. C.Lôbo:

Charge de J.C.Lôbo, no jornal Cidade de Santos de 25/1/1978

No dia seguinte, na página 2 do mesmo jornal, outra charge do mesmo autor, referindo-se ao aniversário da cidade fundada por Braz Cubas:

Charge de J.C.Lôbo, no jornal Cidade de Santos de 26/1/1978

Gozava nesse dia o jornal, na seção "Bastidores", ao lado da charge:

MANOEL, O DOS CALÇÕES - Depois da declaração do prefeito Antonio Manoel de Carvalho à imprensa durante sua última diligência contra ambulantes clandestinos e farofeiros, a moda pegou e já se fala na cidade na existência de dois tipos de calções: o modelo esportivo, conhecido como azul-tamboréu e o para diligências, chamado de marrom-pega-negão. Como se recorda, com a simples troca de calções, o prefeito, presidindo uma diligência contra ambulantes clandestinos, não foi reconhecido e acabou não só pegando um negão (segundo suas próprias declarações) como também conseguiu desarmá-lo na porta do Aquário municipal, na Ponta da Praia.

OS DALTÔNICOS - Uma preocupação daqueles que têm acompanhado atentamente as diligências contra o comércio clandestino à beira-mar, promovidas pelo prefeito Antonio Manoel de Carvalho, o dos calções:

"E se os ambulantes forem daltônicos?"

Recorda-se ainda que o prefeito, domingo, trocou um calção azul por um marrom e assim deixou de ser reconhecido por um ambulante, que acabou sendo interditado no seu comércio.

No dia 28/1/1978, nova charge de J.C.Lôbo na primeira página do Cidade de Santos (repare-se no sapato de "burgomestre" fazendo par com uma chuteira):

Charge de J.C.Lôbo, no jornal Cidade de Santos de 28/1/1978

No dia 30/1, mais ironia, agora entre os vereadores, citada na página 2 do jornal Cidade de Santos, coluna "Bastidores":

CALÇÕES Á MANEQUINHO - Depois do desaparecimento dos chamados chapéus a Nat 'King' Cole que marcaram época, surgem agora os chamados calções à Manequinho, lançamento anunciado na Câmara pelo vereador Níveo Peres; muito eufórico, ele disse que vai se transformar num homem famoso, mandando fazer calções de banho nas cores marrom e azul, muito semelhantes aos usados pelo prefeito Antonio Manoel de Carvalho. Só há uma diferença: eles terão uma inscrição em letras vivas - "vereador Níveo Peres".

Dia 2/2/1978, mesma coluna, mesmo jornal, mesma página, charge e comentário, relacionando o caso às histórias do divertido detetive Baretta, então exibidas pela televisão:

Charge de J.C.Lôbo, no jornal Cidade de Santos de 2/2/1978

BARETA CALÇA AZUL - O prefeito Antônio Manoel de Carvalho, que a imprensa da Capital batizou de Bareta, depois da sua diligência que culminou com a prisão de um ambulante clandestino perto do Aquário Municipal, por seus defensores, pediu um adendo ao noticiário sobre a troca de calções que serviu para ludibriar o ambulante e lhe deu oportunidade de prendê-lo "no flagrante" com faca e tudo. Disse um cuidadoso carvalhista que "o Prefeito trocou uma calça azul por um calção marrom e não um calção azul por um marrom. Houve um engano na divulgação'. De qualquer forma, tal fato revela que o prefeito só é conhecido de calça e ele teria mesmo, bem ao estilo de Bareta, usado disfarce para apanhar "o negão no pulo" (expressão, segundo a imprensa, do próprio prefeito).

BARETA CALÇA AZUL (II) - Como não houve qualquer desmentido à troca de calções, o volume de notícias e críticas ao fato chegou a um ponto gritante, principalmente porque no guarda-roupa de calções do alcaide já é sabido que existem jogos completos de indumentárias para praia inteiramente azuis, o que em outro tempo lhe valeu o apelido de "príncipe azul da política".

A coluna Bastidores do jornal Cidade de Santos já prenunciava, no dia 3/2/1978, como seriam as fantasias no Carnaval santista daquele ano:

FANTASIAS - Nos círculos políticos, ninguém ainda conseguiu esquecer o episódio dos calções, envolvendo o prefeito Antônio Manoel de Carvalho e um ambulante clandestino. Só que há dois grupos distintos na escolha de fantasias em homenagem ao incidente: um que pretende sair com calções "pega-negão" e outro que quer desfilar de Bareta, nome que a imprensa de São Paulo deu ao prefeito, depois do episódio. Há, entretanto, cinco tipos de disfarces: à Bareta, o mexicano, o vendedor ambulante, a falsa mulher e o disfarce mais atual "calção pega-negão" que acompanha um chapéuzinho de sol. Só por isso, quem assistiu as gaiatas discussões sobre o assunto revelou que os "pega-negão" vão imperar no Carnaval.

RECORDANDO - "28- Gosta de Carnaval? - Foi a melhor pergunta. Eu adoro Carnaval e, como prefeito, tenho brincado Carnaval. 29- Qual a música que mais gosta? - O autor já morreu, mas a música é linda: Confete. 30- Já usou fantasia no Carnaval? - Não uso fantasia. Só uma vez fui à matinée, na Humanitária, fantasiado de pirata". Este diálogo foi mantido entre o prefeito Antônio Manoel de Carvalho e um grupo de estudantes do Colégio Santa Cecília e ontem foi reproduzido quase com exatidão, por um grupo de foliões à porta do Senadinho, que argumentou: "Não há em toda a história da cidade um prefeito tão folião como o Carvalho".

NOÉ, O DOS DESAFIOS - Há quem diga que o vereador Noé de Carvalho, do MDB, antes de ingressar na vida pública, em sua cidade, no interior de São Paulo, participava de desafios em praça pública. Dúvidas quanto ao seu repertório de rimas improvisadas ninguém tem, pois, ontem, quando o emedebista Roberto Bolonha revelou que sua fantasia de Carnaval custou 3 mil cruzeiros, Noé, em versos à moda dos desafios interioranos, disse: "Compadre Bolonha, numa época como esta, é fácil fantasiar. Basta um calção azul de anil, para agradar o mulheril e um de cor marrom-pega-negão pra agradar a multidão, pois afinal estamos em ano de eleição..."

No dia 8/2/1978, o próprio chargista vestia a charge, como foi publicado na página 2 do Cidade de Santos:

Charge de J.C.Lôbo, no jornal Cidade de Santos de 8/2/1978, página 2

Desde então, por bastante tempo, os chargistas passaram a representar o prefeito com esse calção. Quase um mês depois, em 27/2/1978, outra nota na seção Bastidores do Cidade de Santos:

Ironizando o combate do prefeito Antônio Manoel de Carvalho aos ambulantes clandestinos, que ficou conhecido por operação pega negão, um emedebista arreliento revelou que fará sua campanha eleitoral com um slogan ao inverso daquela operação, denominando-a de campanha do solta-negão. A mensagem visa conquistar os ambulantes, com a promessa de regularizar a situação da categoria, que durante o governo do prefeito Carvalho sofreu permanente e rigorosa fiscalização.

E mais uma vez, no mesmo jornal, mesma seção, mesma página, dez meses depois, em 5/12/1978, o registro:

A imprensa da terra, decididamente, resolveu usar suas colunas para transformar em famoso o calção de banho do Prefeito Manoel de Carvalho e ontem, numa matéria sobre ambulantes, argumenta: "o já famoso calção marrom..." referindo-se ao traje de banho do alcaide santista.

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