O palmeado no cateretê, em ilustração da obra citada
Dança usada pelos catequistas, é muito conhecida e difundida entre os caipiras do Estado de
São Paulo. Nas zonas litorâneas que temos visitado desde Angra dos Reis (Estado do Rio de Janeiro) até baía de Paranaguá (Estado do Paraná) ele é
dançado com tamancos de madeira dura.
(...) Além disso, foi dança de um grupo social, dos tropeiros. Documentos abundantes mostram
que, desde o Cubatão até o Interior mais distante, os tropeiros, de tropa arriada e de animais chucros, transformavam os pousos e ranchos em sedes
de danças por eles preferidas, quase sempre o bate-pé. Na descrição por Hércules Florence (N.E.: o "pai" brasileiro da
Fotografia, e que percorreu o Caminho do Mar no século XIX) do pouso de Cubatão, 1829, se vêem até os assistentes do
sapateado batendo com as mãos nos bancos a fazer o ritmo.
Em 1777 Martim Lopes Lôbo de Saldanha, capitão-general de São Paulo, danava-se, porque os
corpos de tropas que ele enviou por terra para a ilha de Santa Catarina foram parando aí adentro nos pousos, em intermináveis festanças.
Nas expedições um pouco anteriores de Afonso Botelho nos sertões do Paraná atual, aparece o
violeiro. Sabe-se que nas danças africanas não havia sempre a viola, instrumento tão lusitano, mas que passou até a ser o apanágio do caboclo ou
caipira. E os visitadores eclesiásticos de 1750 em diante, na região, já foram condenando os batuques e outras danças, como a de São Gonçalo, esta
caipira paulista, diversa mesmo da congênere de Pernambuco.
Nos Cateretê, Xiba, Catira, Bate-pé, Batuque de viola ou Função de viola, das regiões acima
citadas, somente tomam parte elementos do sexo masculino.
Pelas observações "in loco" das danças do Cateretê, quer sob o nome de Xiba ou Catira,
comparando-as com as descrições colhidas nas tribos indígenas, e pela cinegrafia que temos visto, levaram-nos à conclusão de que o Cateretê é de
origem ameríndia. É coreografia índia sabiamente aproveitada pelo catequista, tal qual se fizera com a dança do Cururu, Santa Cruz. O Cateretê é
semi-profano e semi-religioso, ao passo que aquelas são danças religiosas.
Participantes - No Cateretê em geral tomam parte dois violeiros e cinco ou mais pares
de dançantes. O traje é o comum. Em geral todas as danças são realizadas à noite, característico que no Sul do país as distingue dos bailados ou
danças-dramáticas, realizados durante o dia. Não é dança de terreiro mas de salão, de galpão.
No centro do salão os dançadores formam duas colunas, tendo à testa delas um
violeiro-cantador. Um dos violeiros é o "mestre" e o outro é o "contramestre". "Mestre" é a designação popular dada ao violeiro que faz a primeira
voz e também é o autor da "moda" que vai ser cantada. "Contramestre" é o que faz a segunda voz.
Entre dançantes e violeiros na coluna em que está o "mestre", fica o "tirador de palmas" ou
"palmeiro" e na outra, o "tirador de sapateado" ou "orela". Não raro um só exerce as duas funções de determinar o momento das batidas de palmas e do
bater de pés, execução do pateio, porque batem com o pé em cheio no solo. Não é o sapateado batidas da ponta, meia planta e planta do pé; em
nossas danças caipiras o que realmente há é o pateio. Ausência do taconeio, batidas do calcanhar, que denunciam origem espanhola.
Os violeiros cantam e batem os pés, não batem palmas. Os dançantes não cantam, mas batem
palmas e pés.
Dança - Quando todos estão formados, os violeiros dão uns arpejos. Iniciam o canto em
dueto, pedindo licença para cantar. Cessado o canto da primeira estrofe, os violeiros saem de seus lugares, por fora das colunas, em passo normal,
andando naturalmente, vão até a extremidade da fila, sendo acompanhados pelos seus respectivos companheiros de coluna. Voltam aos seus lugares
primitivos entrando pelo centro das colunas. Param.
Depois de uma pausa muito pequena, todos os dançantes, e os violeiros também, trocam de
lugar com os pares fronteiros, ritmadamente, cruzando pelo centro das colunas. Chamam a esta figura "vorteá e cruzá" (dar volta e cruzar). A volta é
feita para cumprimentar os assistentes. Esse cumprimento não se manifesta por movimentos da cabeça ou outro gesto, mas apenas através do significado
da figura da volta que é por todos conhecida, é "fazer vênia". Esta volta é dada com os violeiros arpejando molemente as violas e é executada
somente na fase inicial, não há repetição. Finalizando o "vorteamento" e "cruzamento", os violeiros dão início à moda, que é cantada a duas vozes.
Os dançadores ficam em seus lugares, parados, e geralmente com as duas mãos metidas nas
algibeiras das calças. Quando os violeiros finalizam a estrofe, dão uns acordes, e o "tirador de palmas" dá início às batidas de palmas. Todos os
demais dançantes olham atentos para ele, assim batem ritmadamente sem errar.
As violas fazem uma pequena pausa, e em outro ritmo dão início ao bater de pés, que é
dirigido pelo "tirador de sapateado". Quando os violeiros percebem que todos dançantes estão firmes no bater de pés, também "repicam os pés",
pateando com vontade. Param todos. Os violeiros-cantadores iniciam a arpejar as violas, e como que "tomando um fôlego", isto é, respirando até
normalizar a respiração, reiniciam a moda, cantando outra estância. Vão alternando canto, bater de palmas e de pés.
Para finalizar a moda, os violeiros fazem a "suspendida". A "suspendida" consiste na
inclusão de dois ou três versos (número incerto) a mais que as estrofes anteriores. Cantam estes versos uma oitava acima, geralmente em falsete. Ao
finalizar a estrofe, param de planger as violas, está terminado o Cateretê, os dançadores deixam seus lugares, enxugando o suor do rosto. (...) |