Aspecto da enorme assistência à inauguração do cinema falado, ontem, no Coliseu
Foto publicada com a matéria
A inauguração do cinema falado
O brilhante espetáculo de ontem no Teatro Coliseu
Pode-se dizer, sem eufemismo, que a inauguração do
cinema falado (movietone e vitaphone), ontem, no Coliseu, constituiu um verdadeiro acontecimento mundano, estando presentes os mais
representativos elementos sociais de Santos.
O aspecto do luxuoso e vasto teatro, em ambas as sessões, era imponente, achando-se
repletas as localidades. Muito antes do início da primeira sessão, havia uma enorme multidão que se acotovelava diante da bilheteria e do vestíbulo,
ansiosa pela novidade que acaba de revolucionar a chamada cena muda. O mesmo fato se repetiu antes do começo da segunda.
A Cine Teatral, à cuja frente se encontra a verdadeira organização de trabalhador
infatigável e tenaz que é o comendador M. Fins Freixo, está de parabéns pelo êxito brilhante que assinalou a inovação cinematográfica, ontem
apresentada a Santos, a quarta cidade do Brasil que tem a honra de ser dotada dum aperfeiçoamento de tal vulto.
Não foram excessivos os anúncios encomiásticos de que vem precedida a aparição do
filme sonoro. Roça pelo domínio do maravilhoso a invenção do movietone, prodígio de meticulosidade, segurança de técnica e perfeita
sincronização.
Desde que a sala escurece e a projeção luminosa enche de formas semoventes a tela
branca, uma estranha música flutua no ar, e as vozes dos atores que surgem no écran começam a fazer ouvir-se, reproduzindo o sotaque, as
inflexões individuais, a maneira arrastada ou rápida da pronúncia das palavras de cada um.
As figuras na tela adquirem um relevo extraordinário. Cantam, choram, soluçam,
gargalham, batem palmas, assobiam...
Ouvem-se os passos que se aproximam ou se afastam, as portas que se abrem e se fecham,
o arrastar de cadeiras e até o estalar dos lábios que se beijam...
Em Broadway Melody, que ontem vimos verdadeiramente encantados, pouco falta
para nos dar a ilusão do velho teatro "ao vivo", pobre soberano hoje destronado.
Numa cena das Zangfield Follies, de Nova York, tem-se a ilusão de que a tela foi
substituída por uma janela aberta para a famosa ribalta, onde os vestuários riquíssimos, os adereços resplandecentes, as imaginosas figuras
coreográficas tecem um poema de cor, de luz e de som.
Nova York se retrata numa outra cena, vista do alto, num burburinho de tráfego intenso
e um emaranhamento de tetos de arranha-céus erguidos a alturas alucinantes...
Em Broadway Melody sente-se, ao natural, sem disfarces nem truques, a vida
estuante da gigantesca city americana do trabalho, formidável atração para as ingênuas aldeãs, sorvedouro de ambições que se estilhaçam,
aniquilando existências inteiras...
Confiada a artistas conscienciosos, a interpretação do romance, escrito por Edmundo
Goulding, é toda muito boa, destacando os vivos, agilíssimos diálogos de Norman Houston e James Gleason, notáveis pela dicção clara e límpida,
perfeitamente compreensível.
Além da movietone, aqui aguardada com o mais vivo interesse, e que se apreciou
com geral agrado, ontem ouvimos, num filme sonoro, o grande Tita Ruffo, acompanhando, com a expressão visual, o Largo al Factotum, do
Barbeiro de Servilha, tão da estima dos melômanos.
Outro pormenor interessante da inauguração de ontem: o discurso pronunciado pelo sr.
Sebastião Sampaio, cônsul do Brasil em Nova York, cuja voz, segundo as pessoas que o conhecem pessoalmente, está reproduzida com absoluta fidelidade
pelo Photophone.
Quando entramos no Coliseu, ontem, tivemos duas magníficas surpresas.
A primeira foi a presença de seis imponentes guardas civis, que o dr. Armando Ferreira
da Rosa, digno delegado regional, mandou vir de S. Paulo, para ajudar o policiamento interno do teatro.
Surpreendeu-nos também o vistoso fardamento que envergavam todos os empregados da Cine
Teatral, demonstrando o apuro de que se rodeou a inauguração de ontem.
Em suma, o cinema falado é, atualmente, uma radiosa realidade tangível em Santos.
O sucesso da sua apresentação deve-se, em grande parte, à maneira inteligente com que
a empresa soube conduzir até o belo coroamento de ontem, a intensa propaganda feita por meio de réclames bem lançadas.
Ainda ontem inserimos uma página inteira, a cores, com o anúncio da inauguração,
redigido de forma a impressionar agradavelmente o público ledor. Também, ao lado, publicamos outra esplêndida página recomendando os discos
Columbia, de que são distribuidores gerais para todo o Brasil os srs. Byington e Cia., que, como representantes da Radio Corporation, muito
concorrem para a difusão do cinema falado entre nós.
Em vista do estrondoso êxito de ontem, a Cine Teatral, hoje, em
réprise, fará passar o mesmo programa, em vesperal e nas sessões noturnas.
Cine Coliseu - segundo filme falado apresentado em Santos - Follies of 1929
Anúncio publicado no jornal santista A Tribuna em 3 de
outubro de 1929
|