Passado e presente da cinematografia em Santos
De Pinfildi a Antonio de Campos Junior - Do casarão em que funcionava, há trinta
anos, o Cine Moderno, ao confortável edifício em que funciona hoje o Cine Roxy - A atuação do finado comendador M. Fins Freixo, de Marcolino de
Andrade e José B. de Andrade nos meios cinematográficos locais - Perspectivas de um futuro promissor - Ar condicionado brevemente nos cines Roxy e
Astor
Por Cyrano
A arte que consagrou o gênio de Lumiére teve em Santos,
desde os primeiros dias de sua infância incipiente, uma legião de entusiastas que, empolgados com a nova maravilha do engenho moderno, acorriam
pressurosamente aos modestos e minguados animatógrafos de há 30 anos atrás, na perspectiva de um passatempo ameno e agradável.
Santos era, então, uma cidade que, embora apresentando um aspecto antiquado, na sua
psicologia urbana, possuía, entretanto, uma população que não desdenhava os divertimentos, principalmente quando as sombras da noite envolviam a
cidade, demarcando com pontos luminosos de maior intensidade os sítios em que preferentemente se reuniam os moços desse tempo, hoje transformados em
respeitáveis chefes de prole numerosa...
Esses pontos eram, sem dúvida alguma, o Largo do Rosário, a Rua de Santo Antonio até o
cruzamento com a Rua 15, trechos das ruas do Rosário e General Câmara. Nessa época, que bem distante vai, quando a cidade coruscava espancando as
sombras da noite, o Largo do Rosário era o ponto de rendez-vous da juventude ávida de prazeres e de cavalheiros que até ali chegavam, a fim
de saber as últimas novidades do dia, vindas de S. Paulo por intermédio da A Platéa.
Depois de lidas, num hausto, as notícias mais sensacionais, a juventude e a turma dos
respeitáveis cavalheiros demandavam a Rua 15 de Novembro, a fim de assistir a uma sessão completa do Cine Moderno, instalado nessa artéria, no lugar
onde existe hoje a Garage 15 de Novembro.
A empresa que explorava esse cinema tinha como chefe o sr. Pinfildi. Os programas
incluíam filmes italianos, da Cines, de Roma; da Ambrósio, de Turim; filmes franceses, da Pathé Fréres e da Eclair; dinamarqueses, da Nordisk, e
americanos, da Vitagraph, da Biograph e da Selig. Eram películas de uma ou duas partes. Raramente, eram projetados filmes de mais de três partes.
Havia artistas que enchiam, nessa época, as medidas dos fans do cinema mudo.
Entre esses artistas, destacam-se Lid Borelli, Francesca Bertini, Pina Minichelli, Adriana Costamagna, Asta Nielsen, Waldemar Pallander e outros.
Ainda nos lembramos de filmes que então foram considerados como obras-primas: Os
erros da juventude, da Nordisk, com Asta Nielsen como protagonista, e Sangue de guerreiro, da Biograph. Outros filmes sensacionalizavam
os espectadores, principalmente os históricos da Cines, de Roma; os coloridos da Pathé Fréres; os de bandidos, como a película O Terror, da
Eclair, e os de bichos ferozes, como os da Selig.
Contemporaneamente, na mesma Rua 15, havia o Bijou Cinema, cujas programações eram
mais ou menos idênticas às do Cine Moderno. Havia também o Cinema Pathé, ainda na mesm rua, que exibiu filmes impróprios, importados da França... E
como nos divertíamos com as comédias de Tontollini, Passepartout e Max Linder...
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O sr. A. de Campos Júnior, diretor-superintendente das Empresas Reunidas
Cine-Theatral-Cine Roxy, a quem se deve o surto renovador operado em nossos meios cinematográficos
Foto publicada com a matéria
Assim decorreram anos, até a explosão da grande guerra. Os filmes europeus começaram a
escassear. Soara a hora feliz da cinematografia americana. Uma remodelação de fond-en-comble ia se operar nos domínios desse gênero de
divertimentos populares. Os americanos do Norte compreenderam que o Brasil era um dos melhores mercados para a indústria do celulóide, e, por isso,
valia a pena conquistá-lo de qualquer forma. Samuel Goldwyn, Darryl Zanuck, Adolph Zukor e Cecil B. de Mille entraram com o seu jogo,
instruindo os exibidores a respeito de suas produções e lançando as bases da propaganda cinematográfica racionalizada...
E os filmes norte-americanos começaram a ser exibidos quase que com exclusividade.
Apareceram artistas como William Farnum, Barbara La Marr, William Hart e outros muitos que vivem nos refolhos de nossas reminiscências.
Os cinemas de Santos já eram mais confortáveis, sendo sua projeção feita pelo sistema
antiquado de transparência e o desenrolar das películas aos sons maviosos de boas orquestras.
Foi por essa época que o finado comendador M. Fins Freixo, associado com Mauro Russo,
apresentou ao público o Polytheama Rio Branco, no tradicional Largo do Rosário. Tivemos depois o Cine Central, na Rua Amador Bueno; o Teatro
Guarany, transformado em cinema, e mais tarde o Teatro Carlos Gomes, do finado sr. Marcolino de Andrade, no bairro de Vila Mathias.
Depois de alguns anos, foi construído o Parisiense, tendo mais tarde o sr. Marcolino
adaptado um prédio da Rua Amador Bueno, onde hoje está a Agência Ford, para nele ser instalado o Cinema Selecto. As produções nesse tempo já eram de
longa metragem, muito embora ainda se processasse a exibição pelo sistema mudo e acompanhado por orquestra.
Mas, nos Estados Unidos, já se cogitava de imprimir som às películas. E, realmente, em
1926, veio o cinema falado. Incipiente ainda, a nova modalidade não agradou muito, tendo além disso produzido uma sensação de angústia no meio dos
musicistas empregados nas orquestras que atuavam nos cinemas de aparelhamento mudo.
Mas, a inovação tinha que pegar e pegou mesmo, depois de alguns
melhoramentos introduzidos no sistema do som. Nesse tempo, a Empresa M. Fins Freixo e Cia. dominava o mercado de filmes. O sr. Marcolino de Andrade
havia passado o Selecto para essa empresa, tendo ficado apenas com o Carlos Gomes. Por sua vez, o Miramar também projetava ótimos filmes, que eram o
aperitivo para aqueles que acorriam ao deslumbrante ponto de diversões da praia do Boqueirão para sensações mais fortes, arriscando numa
dama, na pavuna ou num valete e ás...
E, na frase do poeta, o tempo, como Átila terrível, passava, quebrando com a pata
invisível sarcófago e capitel... Muitas transformações se operavam no campo da cinematografia. Assim, passaram o Cine Parisiense para o sr. Octavio
Januzzi, que alcançara um formidável êxito de bilheteria com a exibição de Alvorada de amor.
Continuava a Empresa M. Fins Freixo e Cia. dominando a situação, com os cinemas que
possuía. Cansado pela luta que vinha sustentando há muito tempo, o comendador Freixo passara, por contrato de arrendamento, os seus estabelecimentos
de diversões cinematográficas para a Metro Goldwyn Mayer, que instalara seus escritórios no prédio onde hoje estão as Empresas Reunidas Cine
Theatral-Cine Roxy. A Metro Goldwyn enviara a Santos, para dirigir-lhe as operações, uma turma de gerentes conhecedores do metier. Entre
esses gerentes, recordamos os nomes dos srs. Lima e Bonfim, que tiveram como secretário o sr. José B. de Andrade, que é hoje o chefe da Empresa
Santista de Cinemas.
Mas, a Metro Goldwyn controlou por pouco tempo os cinemas da Empresa Cine Theatral,
passando-os de novo ao finado comendador Freixo. Este, em seguida, fez negócio com o sr. José B. de Andrade, o qual deu novo impulso a esse gênero
de divertimentos, organizando bons programas. E assim chegamos ao ano de 1934.
Estamos no ano de 1934. Vamos relatar, em síntese, o que aconteceu nesse ano e que
veio modificar completamente a fisionomia dos negócios cinematográficos em Santos.
Abrindo, contudo, um parêntesis, devemos dizer que esta crônica, feita com a rapidez
de uma Underwood (N.E.: marca de máquina de escrever mecânica), manejada por dedos já
exaustos, não tem a característica peculiar aos trabalhos históricos, mas é apenas a narração despretensiosa de fatos que dormitavam nos escaninhos
de nossas reminiscências. Por isso, é muito desculpável a série de senões que nela sem dúvida o leitor vai anotar.
Fechando o parêntesis e continuando a nossa pálida narrativa, digamos o que ocorreu em
1934. Simplesmente isto: um homem enérgico, de coragem indômita, chegou a Santos disposto a imprimir fisionomia nova à cinematografia. O sr. A. de
Campos Junior, que não era nenhum foca (N.E.: inexperiente) em matéria
cinematográfica, pois exercera até as funções de procurador da Associação dos Exibidores de S. Paulo, tratou logo de mandar construir um prédio
apropriado para cinema, localizando-o na Avenida Ana Costa. Os entendidos achavam que a iniciativa do sr. Campos não poderia medrar, visto que o
ponto por ele escolhido não se ajustava, nem era propício a um estabelecimento do gênero.
Desprezando, porém, os augúrios das modernas Cassandras, o sr. Campos Júnior meteu
mãos à obra, apresentando dentro de pouco tempo o magnífico Cine Roxy, dotado de todas as comodidades exigidas por um cinema compatível com o nosso
grau de progresso e cultura.
E, em 15 de março de 1934, foi festivamente inaugurado o Cine Roxy, acorrendo ao novo
cinema uma verdadeira multidão de fans. Cântico dos cânticos, da Paramount, foi a fita que serviu para a sessão inaugural. Daí por
diante, esse esplêndido centro de diversões, que caiu no gosto da população chic da cidade, apreciadora dos bons filmes, vem tendo uma
trajetória soberba, maracando seus sucessos pelo número de dias transcorridos em quase um lustro de atividades.
Entusiasmado pelo êxito obtido pelo seu primeiro cinema, ao qual devota um especial
carinho, melhorando-o constantemente, o sr. A. Campos Jr. planejou e mandou executar as obras do Cine Paratodos, na Vila Mathias, destinado aos
fans de classe modesta. A inauguração do Paratodos deu-se a 11 de janeiro de 1935 com o esplêndido filme da Warner, Aí vem a marinha!
Não satisfeito ainda, o dinâmico cinematografista, em sua ânsia realizadora, lançou os
fundamentos de uma nova e elegante casa de espetáculos cinematográficos, que veio a ser o Cine Astor, situado na Vila Nova, na Rua Sete de Setembro.
Sua inauguração deu-se no dia 24 de setembro de 1935, com o filme Broadway Bill, da Columbia, com Myrna Loy e Warner Baxter.
Entrementes, em outro setor, as atividades transcorriam com caráter construtivo.
Fundada a Companhia Santista de Cinemas, graças aos esforços do sr. José B. de Andrade, dentro de pouco tempo essa empresa, que ficara com os cines
Theatro Casino Parque Balneário, Parisiense, Carlos Gomes e S. Bento, dava início às obras de construção do Miramar, seguindo-se-lhe os cines Carlos
Gomes, que substituíra o tradicional Carlos Gomes da Rua Lucas Fortunato e que fora fundado pelo inesquecível Marcolino de Andrade, progenitor do
sr. J. B. de Andrade, e o São José, localizado na Rua Campos Melo, sendo estas três casas de diversões construídas de acordo com todos os preceitos
exigidos por estabelecimentos desta natureza e apresentando linhas arquitetônicas modernas e elegantes.
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O sr. José B. de Andrade, diretor da Empresa Santista de Cinemas, a cujos esforços bem
orientados devem os fãs de Santos a obtenção de excelentes centros cinematográficos
Foto publicada com a matéria
Vamos, porém, encerrar esta desataviada crônica, a fim de não abusarmos da paciência
do leitor.
Mas, antes de encerrá-la, devemos dizer que o Cine Roxy apresentará, no próximo ano,
além das suas atuais moderníssimas instalações, da Western Electric, com aparelho Mirrophonic - espelho do som - o salão de exibições com uma
temperatura de eterna primavera, por meio de potentes aparelhos de ar condicionado.
Possivelmente por essa mesma época, também o Astor deverá ser equipado com aparelhos
de ar condicionado, devendo-se toda essa soma de comodidades introduzidas em nossos centros de diversões cinematográficas ao espírito de iniciativa
de A. Campos Junior.
Justo, porém, é assinalar os esforços que, para o adiantamento da cinematografia em
Santos, vêm fazendo os dirigentes da Empresa Santista de Cinemas, com o sr. J. B. de Andrade à frente, tendo como precípuos e dedicados
colaboradores os srs. Ernesto Lacerda e André Branda.
O saudoso comendador M. Fins Freixo
um dos mais decididos propugnadores da cinematografia em Santos
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