No Caldeirão do Diabo, cerca de 200 famílias
dividem barracos insalubres e tentam resistir à carestia da vida
Uma favela entre os prédios
A criança inicia um choro agudo: acabou de cair na vala de
esgoto, afundando o rosto na lama podre. Corre para casa, mal conseguindo segurar o short, que insiste em escorregar perna abaixo, deixando
o ventre saliente à mostra.
A cena é típica de um bairro de periferia qualquer, mas aconteceu na Encruzilhada, bairro classe média que, por
uma dessas ironias da vida, ostenta uma favela, bem perto de alguns de seus suntuosos prédios.
Caldeirão do Diabo. Mais do que um nome, representa um indicativo do que seja esse núcleo onde vivem mais de 200
famílias, espremidas em cerca de 100 barracos. Barracos feitos com restos de madeira, escuros, insalubres e que mais parecem um amontoado de lixo,
não moradia de gente.
A favela existe há mais de 10 anos, sobre um terreno que pertence à Santa Casa e que está incluído em projetos
de prolongamento da Avenida Senador Feijó e Rua Olinto Dantas. Foi bem maior, mas teve seus limites reduzidos com a construção do Conjunto Ana
Costa.
Nesse tempo todo de existência, ganhou melhorias anteriormente consideradas impossíveis, como luz elétrica,
ligações de água e recolhimento diário de lixo. Mas, o esgoto continua correndo a céu aberto, provocando um mau cheiro insuportável e atraindo
moscas. Uma constante ameaça de doenças.
Aluguel e crianças - Os carros passam velozes pelas avenidas Washington Luís e Ana Costa e seus ocupantes
não se dão conta de que, a poucos metros deles, há uma favela. Fica escondida por trás dos prédios e casas, ninguém percebe que ela existe. As
autoridades ainda se lembram?
Nela vivem portuários, guardas-noturnos, gente que vira a noite em claro, mulheres que são obrigadas a deixar os
filhos sozinhos em casa para poderem trabalhar. Incluindo as horas extras, a renda familiar fica na faixa dos Cr$ 40 mil.
Parte dessa quantia vai para o aluguel. Aluguel, sim, porque - apesar de se tratar de uma favela - os moradores
pagam pelos barracos que ocupam. O locador, Zé Lito, mora ali mesmo e ninguém tem queixa dele. "É um homem positivo, paga tudo direitinho
para a Santa Casa".
Pelo menos, nessa favela os aluguéis não atingiram preços absurdos como em outras, onde um cômodo sobre o mangue
vale Cr$ 10 mil ou Cr$ 15 mil mensais. No Caldeirão do Diabo, há quem pague até Cr$ 1 mil por mês.
"Barato ou não, alguém merece viver num lugar como esse?", pergunta um crioulo forte, que passa esbravejando e
não quer saber de conversa. Arrasta duas crianças pela mão e se perde no emaranhado de barracos.
Os dois pequenos engrossam o contingente de menores que entram e saem inquietos dos barracos, como abelhas em
uma colméia. A única opção de lazer que têm é o campinho de futebol, que volta e meia fica sob o controle dos adultos. Mas a molecada espera
pacientemente a sua vez e fundou até um time: o Esporte Clube Estrela do Mar. Só falta o jogo de camisa, que o Nenê, 10 anos, goleiro, e o
Henrique, 13 anos, ponta-esquerda, andam atrás há muito tempo.
Esperam um dia conseguir, assim como os adultos têm fé que vão melhorar de vida um dia. Enquanto isso, navegam,
enfrentam o desafio que é resistir.
Na Conselheiro Nébias, muito movimento e comércio diversificado
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