Relógio ocupava a torre do prédio da Western Telegraph, na esquina das ruas Tuiuti e Frei
Gaspar
Foto: Almanaque da Baixada Santista 1976,
Olao Rodrigues, Gráfica da Prodesan, Santos, 8ª edição
HISTÓRIA
Esquecido pelo tempo
Relíquia da época da Western Telegraph, o relógio inglês de ferro fundido e
bronze - referência no Centro, no início do século passado - está jogado em um dos armazéns da Codesp
Evandro Siqueira
Da Reportagem
As peças chegaram em navios, logo no início do século
passado. Vieram da Inglaterra. Em ferro fundido e bronze, pesavam juntas mais de 2.500 quilos. Uma a uma, eram levadas ao topo de uma torre de
concreto, bem em frente ao cais do Valongo, e montadas cuidadosamente por operários. Até que, em 1914, deram forma a um relógio.
Na época, não era um relógio qualquer. Era o relógio da Western Telegraph, uma
companhia britânica que iniciou atividades no Brasil em 1873, instalando redes de telégrafo em várias cidades, inclusive Santos. Foi contratada pelo
Governo Imperial.
Mais que um monumento que embelezava o prédio da Western, o relógio era tido por
trabalhadores da região central e portuária como sinônimo da pontualidade britânica.
"As pessoas acertavam a hora por ele", conta a doutora em História e professora da
UniSantos, Wilma Therezinha.
A sede da Western funcionava onde hoje é a esquina das ruas
Tuiuti e Frei Gaspar, no Centro. Era o chamado Largo do Senador Vergueiro. Como a torre era alta, o relógio podia
ser visto à distância.
Os ponteiros giraram até o meio-dia de 25 de abril de 1973, quando a Western encerrou
as atividades no País. Depois de quase 60 anos marcando a hora certa, o relógio entraria em um período de descaso que se arrasta até hoje.
Preocupação |
"O Poder Público e até mesmo a iniciativa privada poderiam assumir a restauração. O que não podemos é
perder esse tesouro"
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Augusto Zago - Vereador |
Abandono - O prédio que servia de sede para a empresa inglesa e abrigava a
torre do relógio foi demolido, após ser vendido para a extinta Companhia Docas de Santos (CDS). Mas o gigante de
bronze e ferro fundido escapou.
Desmontado, ficou sob responsabilidade da CDS, que em 1980 deu lugar à Codesp. Nesta
época, porém, o antigo relógio já sofria com a insensibilidade do homem. Passou anos esquecido em algum armazém do cais.
Em 92, a Codesp ainda tentou reativá-lo. Apresentou um projeto mirabolante, que até
dava impressão de que seria executado. Mas com os problemas financeiros da época, a estatal logo abandonou a idéia. E, mais uma vez, o relógio da
Western amargou um longo período de esquecimento.
Dando corda - Hoje, mais de 30 anos depois de ter sido desligada, a relíquia
volta a receber olhares especiais. A esperança de restauração vem da Câmara. No início de fevereiro, os vereadores aprovaram, sem muito alarde, um
requerimento de Augusto Zago (PSDB).
O parlamentar, preocupado em "resgatar um símbolo histórico e cultural da Cidade",
pede o empenho da Prefeitura para recuperar o relógio e reinstalá-lo no Centro.
Para Zago, o monumento pode se tornar um dos símbolos da preservação histórica do
bairro, onde hoje já é possível apreciar verdadeiras jóias do passado, como prédios seculares e o Bonde Turístico.
"O Poder Público e até mesmo um grupo empresarial poderiam assumir a restauração. O
que não podemos é perder este tesouro, que conta uma parte da história de Santos", afirma o vereador.
Partes do relógio estão quebradas. Codesp não tem planos para restauração a curto
prazo
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Conservação das peças do relógio é precária
O estado de conservação do antigo relógio da Western é de causar arrepios até no mais
frio dos historiadores. Está praticamente jogado em um armazém da Codesp, no Macuco, e com vários componentes quebrados.
O número sete, escrito em romano, soltou-se da estrutura circular, que tem quase 2,5
metros de diâmetro. Um caixote de madeira acomoda algumas peças. Outras, como os ponteiros de quase 1,5 metro de comprimento, estão pelo chão, como
se fossem sucata.
A Codesp, que está responsável pelo relógio, não tem planos para restaurá-lo a curto
prazo. A empresa informou que "estuda a possibilidade" de reaproveitá-lo em algum trecho da Avenida Perimetral, que será construída na faixa
portuária. Mas admite que ainda não há nada concreto.
Imagem: trecho da matéria de 29/3/2004
Ex-serralheiro sonhava com a restauração
O ex-serralheiro industrial da Codesp, Gilberto de Moraes, é uma das pessoas que
presenciaram o descaso com o relógio da Western. Ele trabalhava na estatal no início dos anos 90, quando cogitou-se reativar o relógio.
"Lembro claramente que naquela época o relógio já estava meio avariado. O comentário
entre nós, funcionários, era que daria muito trabalho para recuperar", conta.
Mesmo assim, Moraes diz que técnicos começaram a tentar consertar a parte mecânica do
relógio. Mas lembra que todos possuíam outras atividades tidas como prioritárias.
"Nunca houve uma equipe específica para fazer a restauração. Apesar disso, depois que
saí da Codesp, soube por alguns amigos que as engrenagens voltaram a funcionar".
Como era serralheiro, Moraes só iria trabalhar na parte externa do relógio. O sonho do
operário, no entanto, não se realizou, pois, antes que isso acontecesse, o projeto foi engavetado.
Os ponteiros que eram referência para os
trabalhadores do Centro e do Porto
funcionaram até o meio-dia de 25 de abril de 1973
Foto: Fundação Arquivo e Memória de Santos, publicada com a matéria
Cidade não tem dados históricos sobre essa relíquia
Se um dia resolver restaurar o relógio da Western, o Município terá dificuldade em
recuperar características próximas às originais, pois as informações a respeito são escassas. Isso transformaria o trabalho em um complicado
quebra-cabeça.
Na Codesp, não há qualquer registro relatando o período de funcionamento do relógio,
nem mesmo o tempo em que ele ficou guardado nos armazéns da estatal.
Na Fundação Arquivo e Memória, que reúne um rico acervo histórico sobre fatos e
monumentos da Cidade, existem apenas fotografias que mostram o relógio, mas a uma grande distância, o que impede a percepção dos detalhes.
O Centro de Documentação da UniSantos, outro importante arquivo histórico, também tem
dificuldades para reunir informações sobre o relógio.
Até mesmo na Internet, onde o acervo disponível costuma ser vasto, há poucas
informações. Um dos poucos sites que citam o relógio da Western, ainda que de forma superficial, é o www.novomilenio.inf.br. |