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O debate sobre a proibição do arrendamento de emissoras
A partir desta terça-feira (01/09), duas das mais tradicionais e ouvidas emissoras de Santos (SP) deixam de transmitir programação comercial: as rádios Cultura AM (930 kHz) e FM (106,7 MHz), arrendadas à Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus – fundada em setembro de 2006. Trata-se da mais recente de uma série de rumores envolvendo a desativação do prefixo em amplitude modulada, agora confirmados. Funcionários das emissoras foram postos em aviso prévio nas últimas semanas de agosto e o valor da transação comercial com a igreja é ignorado.
As duas emissoras pertencem ao deputado federal Paulo Roberto Gomes Mansur, mais conhecido como Beto Mansur (PRB-SP). Prefeito de Santos entre 1997 e 2004 e em sua quinta legislatura no Congresso Nacional, o engenheiro eletrônico Mansur ganhou influência política no final dos anos 1980 com um programa que apresentava e no qual estimulava doações a necessitados. Seu pai, Paulo Jorge Mansur, fundador das rádios, também manteve um programa popular duas décadas antes e se tornado deputado federal. Há décadas, a Cultura lidera a audiência entre as AMs.
O fato de as rádios serem de propriedade de um político, em sociedade com um irmão, e arrendadas a um particular que não concorreu publicamente à sua concessão, levam a perguntar: que fim levaram as tentativas de coibir ou de proibir o arrendamento de serviços de radiodifusão comercial?
Sabe-se que a Cultura AM, de 1946, e a FM, de 1958 (a segunda mais antiga emissora do país em frequência modulada; a pioneira é a extinta Eldorado, de São Paulo), são anteriores a regulamentos como o Código Brasileiro de Telecomunicações, que estabelece “preceitos e cláusulas” para a execução desses serviços.
Proibição do arrendamento em rádios e TVs
Ainda que fossem mais recentes, não há proibição expressa ao aluguel de espaços da programação: o código é dúbio ao expressar, no Artigo 124, que “o tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do total”. Programação religiosa não é publicidade comercial; mas o que se faz, no arrendamento parcial ou completo de horários, consiste em comercializar espaços tornados disponíveis mediante concessão do governo – desde a década de 1990, obtida somente após concorrência pública.
A última movimentação de projetos de lei (PLs) para coibir o arrendamento em emissoras de rádio e televisão data de 19 de março último. Nesse dia, designou-se a deputada federal Eronildes Vasconcelos Carvalho, a Tia Eron (PRB-BA), uma estreante no Legislativo, como relatora desses PLs na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara. Desde então, não há mais notícia do andamento do PL 4.549, de 2008, apresentado pelo deputado Edson Duarte (PV-BA). Nele, o parlamentar propõe que a cessão de espaço na grade das emissoras dependa “de prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo” e recolhimento, à União, de 60% do valor do contrato de arrendamento.
Outros dois PLs apresentados posteriormente estão agregados ao projeto de Duarte e são mais rígidos: em ambos, sugere-se a proibição expressa, no Código de Telecomunicações, do arrendamento em rádios e TVs. Os textos são dos deputados federais Assis Melo (PCdoB-RS, sob o número 2.897, de 2011) e Ivan Valente (PSOL-SP, de número 4.021, de 2012) e se baseiam em parecer emitido em outubro de 2009, a pedido da Câmara dos Deputados, ao jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
É difícil acreditar no fim de arrendamentos
No documento, Comparato menciona que “o direito de prestar serviço público em virtude de concessão administrativa não é um bem patrimonial suscetível de negociação pelo concessionário no mercado. […] O concessionário de serviço público não pode, de forma alguma, arrendar ou alienar a terceiro sua posição de delegatário do Poder Público. […]”. Ainda conforme o jurista, são “nulos e de nenhum efeito os atos de arrendamento de concessão de serviços públicos de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
A Câmara apresentou, em 2011, uma nota técnica elaborada pelo consultor legislativo Cristiano Aguiar Lopes, da área de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Casa. Nesse documento, concluiu que “é primordial que a entidade que esteja prestando o serviço seja, de fato, aquela que originalmente foi aprovada pelo Poder Público ou, quando permitido, aquela que cumpriu todos os trâmites legais para a transferência de outorga. Qualquer transgressão a esse princípio, seja por arrendamento de programação, seja por subconcessão, seja por transferências veladas por meio de contratos de gaveta, é uma subversão de princípios, que termina por escamotear quem são os verdadeiros responsáveis pela programação de uma determinada emissora e, consequentemente, configura uma tentativa de se enganar o Estado […] ameaçando assim a própria pluralidade e a livre circulação de informações”.
É difícil acreditar que haverá interesse parlamentar em concretizar a restrição ou o fim de arrendamentos e garantir empregos de radialistas, jornalistas, técnicos. Afinal, conforme levantamento do site Donos da Mídia, há centenas de políticos proprietários de grupos de mídia e emissoras de rádio e televisão. Um deles – o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que foi deputado federal por 11 mandatos – está no Conselho de Comunicação Social, órgão consultor do Congresso “para assuntos de liberdade de expressão, radiodifusão, imprensa escrita e telecomunicações”. Um problema tão complicado quanto o aluguel de emissoras.
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Rafael Motta é jornalista e pós-graduando em Docência no Ensino Superior