Todos choraram no Gabinete
Aconteceu há um mês, quando um senhor forte, de muletas e uma perna amputada, apareceu na
Câmara, à procura do presidente Roberto Bonavides. Foi recebido como desempregado, dos muitos que têm aparecido lá todos os dias.
E contou uma história triste: foi picado por cobra e teve que amputar a perna. Tinha dor, e
desabafou: "Vou morrer. Mas quero morrer junto com meus filhos, no Ceará".
Bonavides e seus assessores ficaram sensibilizados com o caso. Logo, surgiu um papel,
transformado em lista de adesões. Bonavides abriu a lista e fez outros vereadores assinarem. Os assessores também deram algum dinheiro, tudo para
comprar a passagem de ônibus até Fortaleza. O homem queria ir morrer com os filhos.
"Peguei dinheiro até do Justo (N.E.:o prefeito Oswaldo Justo),
o que é jogo duro", contou Bonavides, gabando-se de ter arrancado uma nota do prefeito.
Mais: arrumou uma ambulância com a Secretaria de Saúde e o homem foi examinado enquanto a
lista corria. "Dei café, almoço e janta e nos despedimos quando entreguei a passagem para Fortaleza", acrescenta Bonavides, que conseguiu arrecadar
mais Cr$ 450 mil par despesas extras com a viagem até o Ceará (N.E.: para comparação, o salário mínimo era de Cr$
333.120,00 e os Cr$ 450 mil valeriam cerca de US$ 75, dólar oficial/venda).
O homem chorou. Bonavides também chorou. Nem os assessores conseguiram conter as lágrimas.
"Estávamos todos com os olhos marejados", lembra Bonavides. No dia seguinte, a coisa foi pior. O homem apareceu para entregar, com pompa, ao
presidente da Câmara, um poema que ele mesmo havia escrito. Um poema de agradecimento, com boa caligrafia e uma mensagem que fez todo mundo chorar
novamente.
"Foi uma choradeira só", diz Bonavides, para emendar: "Ninguém escapou, nem a minha irmã
(chefe do Gabinete), nem os outros assessores e nem alguns amigos que estavam aqui naquele dia". O presidente ficou tão agradecido que abraçou o
homem, confortando-o na sua dor.
No outro dia, Bonavides, ainda emocionado, ligou para o hotel que tinha arrumado para o
homem permanecer até o dia da viagem. Queria dar-lhe boa-viagem. Mas o homem já tinha ido para São Paulo. Então, ligou para a empresa do
ônibus, no horário da saída, dando o número da poltrona: o funcionário da agência disse que o homem não tinha aparecido.
"É um senhor forte, de muletas, sem uma perna", identificou Bonavides, que pediu ao
funcionário que dissesse ao homem para telefonar para a Câmara.
Nada, Passou a hora da partida e o homem não ligou.
Bonavides estranhou o fato e ligou novamente ao funcionário:
"Olha, eu conferi a poltrona, mas quem viajou foi um rapaz com as duas pernas", disse o
funcionário, para espanto de Bonavides. Ou seja, o homem vendeu a passagem para outra pessoa, embolsou o dinheiro e também os Cr$ 450 mil das
despesas extras.
"Deve ser um vigarista muito fino, porque ele fez todo mundo chorar dois dias seguidos no
Gabinete", lamenta Bonavides, para emendar:
"Foi o poema mais caro que já vi...".
Trecho da notícia publicada em A
Tribuna de 22/8/1985 |