Luiz Edmundo e Martins Fontes, quando da visita daquele intelectual
ao autor de "Verão" (Martins Fontes)
Foto publicada com a matéria
Artistas - crianças
Paulo Coelho Netto
Entre os amigos de Coelho Netto, quatro havia que eram
anunciados e recebidos festivamente pela petizada: Martins Fontes, Humberto de Campos, Aníbal Theófilo e Olavo Bilac. Certo egoísmo compreensível
movia os manifestantes porque esses intelectuais eram sempre mensageiros de um habeas-corpus para a meninada, isto é - autorização para
jantar à mesa do escritor, na companhia dos visitantes. Quando o aparecimento de Fontes coincidia com o de Aníbal Theófilo, Coelho Neto dizia: -
"Hoje é o dia da Criança".
O poeta gaúcho divertia seus amiguinhos com as históricas do Chico Lambeta que nunca
terminavam, como as de Sheherazade; Fontes repetia, invariavelmente, a pedido geral, uma quadrinha, cuja autoria ele atribuía a um alemão radicado
em Santos:
Eu tinha um passarrinha
Que cantava no horrizonte
Meu passarrinha morreu
Eu chórra tesde ante-onte!
Humberto de Campos, o Conselheiro XX do Imparcial, empolgava seus ouvintes com
as lendas nordestinas e as diabruras da mula sem cabeça e do saci-pererê. Os narradores eram ruidosamente aplaudidos, aplausos sinceros e que só
cessavam quando Coelho Neto impunha silêncio.
Bilac era o espírito de contradição: aparteava e desmentia. Tanta vez o grande poeta
se intrometeu, desfazendo as lendas que encantavam os pequenos, que Violeta, na ingenuidade de seus 5 anos, lhe indagou de chofre: - "SEU Bilac,
como pode o senhor falar com as estrelas, se elas ficam tão longe?" Bilac arregalou os olhos e apelou para Coelho Neto: - "Você ouviu, ESGATEADO?
Isso é maldade do Aníbal!" E Bilac tinha razão...
Nas bodas de prata do casal Coelho Neto, o círculo literário, que habitualmente
freqüentava a casa do escritor, improvisou um sarau de arte. Coelho Neto, em seu gabinete de trabalho; Emílio de Meneses, na saleta de entrada;
Martins Fontes, na escada que comunicava os dois pavimentos, e Olavo Bilac, na sala de jantar, iniciaram simultaneamente o torneio, pois foi um
autêntico torneio em que não faltou nem o entusiasmo nem as preferências de numeroso e seleto auditório.
Outros artistas, quase todos, aliás, brasileiros e portugueses, entre 1906 e 1930,
freqüentaram o gabinete de trabalho de Coelho Neto. Chaby Pinheiro, o grande ator português, costumava em suas digressões artísticas pelo país
visitar o escritor. Em uma dessas ocasiões, Coelho Neto ofereceu-lhe um jantar, íntimo.
Amigo da meninada, Chaby pediu a Coelho Neto que enchesse a mesa de vozes e risos
infantis. Ele apreciava, como bom ator, os ditos joviais. O escritor acedeu. Mas Chaby era sempre um espetáculo com o seu metro e oitenta de altura
e 150 quilos de peso. Coelho Neto fiscalizava a curiosidade dos filhos, desviando-lhes a atenção à força de olhares severos.
E começou o jantar. À cabeceira da mesa, tendo D. Gaby à sua direita e Chaby à sua
esquerda, o escritor serviu a sopa. O primeiro prato foi de D. Gaby. Mano, que acompanhava perscrutadoramente os movimentos de seu pai, relanceou o
olhar pela mesa, demorando-o ligeiramente nos pratos de seus irmãos menores. Depois examinou o de Chaby. Nessa ocasião precisamente Coelho Neto
estendia ao notável intérprete do Conde Barão o seu prato de sopa, igual aos outros. Era demais, e Mano não se conteve: - "Papai, dá a
sopeira pra ele"..."
A estrondosa e comunicativa gargalhada de Chaby indultou o imprudente. |