O prédio do Hotel Parque Balneário foi
inaugurado em 1914 (substituindo uma pequena instalação hoteleira que ali existia até essa época) sendo então considerado
o hotel oficial de Santos, com padrão de serviços digno de hospedar reis, príncipes, presidentes e outras personalidades ilustres.
Nesta reportagem da revista paulistana Veja, de 27 de junho de 1973 (páginas 62
a 64), o Parque Balneário aparece no momento da demolição:
O Parque Balneário: a ser derrubado, para...
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
SANTOS
Em demolição
Desde março, o tradicional Parque Balneário Hotel, de Santos, tem suas portas fechadas para
hóspedes. Em vez deles, a partir da semana passada, entraram os operários. Comprado no ano passado por duas imobiliárias santistas, Metromar e
Elacap, que pagaram 16,8 milhões de cruzeiros ao Santos Futebol Clube e à família Fraccaroli, o prédio será agora demolido. Em seu lugar, dentro de
três anos, estará um complexo turístico de catorze - ou dezoito - andares, com lojas, cinemas, garagens, restaurantes, hotel. Carlos Soulié do
Amaral, de VEJA, conta aqui a história do Parque Balneário.
O ferro duro e vulgar das picaretas já ataca implacavelmente a ala direita do Parque Balneário
Hotel. Assim, vai por terra a parte mais velha de um dos mais antigos e tradicionais hotéis brasileiros, inaugurado em 1913, quando era presidente
da República o marechal Hermes da Fonseca. Também tombarão as duas portarias do Balneário, um abrindo para a Av. Ana Costa e outra para os jardins
que vão até a Av. Vicente de Carvalho, à beira-mar.
Não ficará pedra sobre pedra nos 12.700 metros quadrados de terreno que o Parque Balneário ocupa
há sessenta anos. Ficará apenas uma grande área coberta e pronta para um novo prédio, a ser construído "segundo as necessidades e o estilo de vida
modernos", conforme promete um dos demolidores, Cláudio Donneux, co-proprietário do imóvel. E reduzidas a pó ficarão as lembranças do principal
templo do jogo e do fausto cafeeiro paulista.
Pois o Parque Balneário foi, de 1913 a 1930, considerado o melhor hotel da América Latina, por
personalidades como Maurice Chevalier, Washington Luís e o rei Alberto da Bélgica. Lá se hospedava a elite cafeeira paulista num tempo em que toda a
economia nacional gravitava em torno do café. E, quando havia exceções, estas eram para "capitães da indústria", descendentes de imigrantes chamados
Matarazzo, Siciliano, Byington, Crespi.
O Rio de Janeiro, que funcionara como entreposto aduaneiro da economia paulista, deixava de
representar esse papel em virtude do desenvolvimento do porto de Santos e das ferrovias que, do Norte do Paraná, do Sul de Mato Grosso e do
Triângulo Mineiro, convergiam para São Paulo. A cidade de Santos não tinha ainda edifícios de apartamentos; somente casas e hotéis. E nos hotéis se
reuniam todas as noites fazendeiros, exportadores, comissários e corretores cheios de dinheiro e prontos para o jogo.
... dar lugar a um prédio mais ao gosto atual
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
O luxo do Parque - Das 8 da noite às 4 da madrugada jogava-se no Parque Balneário e nos
cassinos da Ilha Porchat, do Jockey Club e no Miramar. Este último era da família Fernandes, hoje dona do Banco Novo Mundo. E, para animar os
jogadores, houve shows até de Jimmy Durante e Maurice Chevalier nos salões estilo art noveau do Parque.
"O Balneário destacava-se dos demais pelo luxo e pela qualidade de seus freqüentadores", observa
José Alves do Amaral, um senhor de 69 anos que conheceu bem a roleta, o bacará e o campista do Parque. "Havia sempre algum agiota de plantão",
continua ele, "discretamente emprestando dinheiro a jogadores sem sorte que penhoravam jóias, casas e terrenos. Havia também os que davam como
garantia do empréstimo apenas um fio de barba. Gente honesta, como hoje não se vê mais".
Também não se vê mais, em Santos, um prédio tão parnasiano quanto esse velho hotel que "o estilo
de vida moderno" está demolindo. O edifício central, que fica entre as duas portarias, abriga o Salão de Mármore, o Salão de Festas, o Salão
Dourado, o Salão de Jogos e o refeitório de crianças. Foi construído em 1926 pela Companhia Construtora de Santos, fundada e presidida por um dos
mais eminentes economistas e empresários brasileiros: Roberto Simonsen.
Com escadarias de mármore, corrimãos de latão lavrado, lustres de cristal e alabastro, vitrais
coloridos, capitéis dourados encimando pilastras de mármore rosado, os salões do edifício central do hotel são o que faz do Parque Balneário uma
relíquia do art noveau. No mais, só há corredores com apartamentos dos dois lados.
O Salão Dourado - mesmo agora que aguarda os golpes fatais das picaretas e se vê freqüentado
apenas pelo pó e pelos ratos - conserva o esplendor dos áureos tempos. Dois altos-relevos com ninfas muito alvas ladeiam a porta de entrada. Pelos
vitrais dos janelões laterais surgem cupidos nus e gordinhos como que espreitando arroubos e nostalgias de amor que por ali passavam.
Reminiscências de miniaturas góticas se misturam aos cupidos e uma linha curva, antiga, termina a
parte superior das janelas em ogivas de gosto árabe ou mourisco. No teto, formado de saliências e reentrâncias quadrangulares, surgem filigranas
douradas. E um balcão com amurada baixa, em colunatas, domina o alto do salão, abrindo-se para uma varanda que dá para o jardim e de onde se avista
o mar.
Em conexão com o Salão Dourado está o amplo Salão de Festas que de 1930 a 1960 conheceu bailes
carnavalescos tão animados quanto os melhores do Rio de Janeiro. Esse salão conheceu também sons de valsa, rumba, foxtrote e bolero. Seus vitrais
apresentam vasos transbordantes de frutas e lianas de flores pingentes.
A filosofia hoteleira dos irmãos João e Henrique Fraccaroli sintetizava-se no princípio de que um
hotel "deve ter uma boca para o mar e outra para o interior". E, de fato, eles recebiam do mar os turistas da rota Buenos Aires-Europa ou Buenos
Aires-Nova York, e, do interior, os fazendeiros e industriais paulistas.
Mas foi o jogo - e não essas duas bocas - que fez a prosperidade do Parque Balneário. E, de 1913 a
1946, o jogo só sofreu uma interrupção nos salões do Parque: a proibição levantada durante o governo de Washington Luís (1927/30). De 1946 (governo
Dutra) em diante, o Balneário começou a declinar, com a vigência da lei que proibia o jogo no Brasil.
Multiplicaram-se os edifícios de apartamentos e quem queria passar o verão em Santos já não
precisava recorrer obrigatoriamente a hotéis. A praia do Gonzaga, onde se localiza o Parque Balneário, popularizou-se. E a plebe alegre dos fins de
semana tomou conta da areia que antes só a mais alta elite econômica e política do país pisava.
Às vésperas da demolição, o Salão Dourado
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
Fim prolongado, arrastado - O grande hotel de 160 apartamentos foi adquirindo uma cor
cinzenta e triste e transformando-se na imagem de uma época e de um estilo de vida irrecuperáveis. Contemporâneo do terno branco de linho 120, das
ventarolas de marfim, dos camafeus de madrepérola, dos fordecos e das melindrosas, sentiu a inquietação motivada, no fim da Primeira Guerra Mundial,
pela queda do consumo de café nos países europeus.
E gozou o prazer que a promulgação da "lei seca" nos Estados Unidos (com vigência de 1919 a 1933)
trouxe ao Brasil. Pois a lei seca elevou em 20% o consumo de café por pessoa, nos EUA, compensando assim a redução do consumo europeu e permitindo
que as vendas brasileiras não sofressem quebras.
Sem a festa da roleta, do bacará e do campista para animá-lo, o Parque Balneário Hotel acabou
morrendo. Seu epitáfio pode ser o final de um soneto de Vicente de Carvalho, poeta parnasiano e santista: "Se me quereis diverso do que agora eu
sou, mudai; mudai vós mesma, pois ido o rigor que em vosso peito mora, a mudança será para nós dois: e então podereis ver, minha senhora, que eu sou
quem sou por serdes vós quem sois".
E a dama a quem o poeta se dirige pode ser a cidade de Santos.
O salão de jogos
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
Janelões do salão de festas
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
Detalhe de vitral
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
O selo do hotel mais "chic" na época do rei café, em Santos
Foto: Carlos Namra, publicada com a matéria
Material enviado a Novo Milênio pelo internauta e produtor gráfico Eduardo Fernandes
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