Placa comemorativa ao III centenário da
Capitania de Itanhaém
Foto publicada entre as páginas 296 e 297
da obra
DISCURSO
Ao ser inaugurada a placa comemorativa, no edifício da Câmara Municipal da Vila de Itanhaém, a 8 de dezembro
do ano de 1924, pelo sr. dr. João Pedro de Jesus Neto, orador oficial
Meus senhores,
A placa, que ora foi descerrada e que vedes embutida na vetusta parede desta velha casa, comemora
aere perennius, a passagem do 3º centenário do estabelecimento da Capitania de Itanhaém.
Ereta por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, relembrará ela
implicitamente os nossos vindouros toda a extensão e toda a largueza de ação que destas plagas abençoadas se irradiava naqueles tempos, por todos os
recantos onde então se iniciava a civilização colonial.
Sim, largueza de ação, direi mais, predomínio de ação, mas de ação pujante, forte e decisiva,
muito embora continuem os historiadores contemporâneos à imitação dos cronistas do século XVIII, a claudicar, falsear e omitir criminosamente nas
suas narrativas, as ocorrências e cometimentos grandiosos que tiveram por teatro e por cenário este torrão ridente e belo, tão da preferência do
grande capitão Martim Afonso e seus descendentes, e mais de um vez abençoado por Leonardo Nunes e Anchieta!
Claudicam, falseiam, omitem, muito embora estejam hoje em franca evidência todos os fatos notáveis
da nossa história colonial, principalmente aqueles que se relacionam com o período da expansão territorial que estabeleceu e firmou os domínios
lusitanos no continente sul-americano, pela audácia e intrepidez dos nossos Bandeirantes.
Mas, se os Anais da Câmara de São Paulo, os documentos da Repartição de Estatística, assim como os
inventários da época dos Bandeirantes, publicados hoje por determinação do governo do Estado, são omissos e mudos em relação aos fatos inegáveis de
Itanhaém, é porque, como tão exuberantemente prova o prof. Benedicto Calixto, nos seus trabalhos publicados, Capitania de Itanhaen e
Capitanias Paulistas, é porque esta vila estava inteiramente desligada e fora da jurisdição da Capitania de S. Paulo, que se compunha apenas de
uma parte da donataria de Pero Lopes, denominada, então Capitania de S. Vicente, após a compra que el-rei d. João V efetuou, em 1709, dessa
parte da capitania do marquês de Cascais, como é, aliás, bem conhecido.
As "cem léguas de costa",
que constituíam a "Capitania de S. Vicente",
estiveram, desde 1624, conforme podeis ver na placa comemorativa, fazendo parte da "Capitania
de Itanhaém", pois a "Capitania de Santo
Amaro", que, desde então, ficou crismada com o nome de "Capitania
de S. Vicente", nada mais era senão a parte que constituía a donataria de Pero Lopes. Todas as
vilas e povoações ao Sul de S. Vicente, e ao Norte de S. Sebastião, até Angra dos Reis, e bem assim, as do Planalto, foram criadas pelos
governadores da Capitania de Itanhaém, conforme provam os documentos exibidos pelo prof. Calixto, em suas obras já citadas.
Taubaté, Jacareí, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, que tão importante papel representaram no áureo
ciclo das minerações de Cataguases, em Minas Gerais; Sorocaba, Itu, Iguape, Cananéia e mesmo Paranaguá, ao Sul, todos esses núcleos estavam, naquele
período, fazendo parte integrante da Capitania de Itanhaém e, como tais, sujeitas em tudo à completa jurisdição dos respectivos governadores. E os
governadores da "Capitania de Itanhaém", nessa época, conforme se vê das "relações" publicadas pelo cronista desta terra, eram "paulistas",
meus senhores, porque o vocábulo "paulista" não indicava tão somente os filhos da cidade de S. Paulo, mas todos aqueles nascidos dentro das
capitanias de jurisdição de Pero Lopes e Martim Afonso.
Garcia Lumbria, Dyonisio da Costa, Gonçalo de Sá, Souto Maior, Escobar, Calixto da Motta, Pedroso
da Silveira e tantos outros, foram os empreendedores das grandes "entradas" nos territórios auríferos de Minas Gerais, de Sorocaba, de
Cananéia, Iguape, Paranaguá, do Rio Grande do Sul e dos ínvios sertões do Paranapanema, cujo caminho primitivo partia de Itanhaém, como provam o
roteiro traçado no Mapa Geral da Comissão Geográfica e as indicações de Ayres do Casal e outros geógrafos.
Foi, portanto, daqui, destas paragens, foi daqui destas plagas, foi daqui de Itanhaém, meus
senhores, embora silenciem os nossos demais historiadores, foi daqui deste lugar que partiram, naqueles heróicos tempos, as primeiras "bandeiras",
que, arrostando as asperezas da altaneira Paranapiacaba e Mantiqueira, afrontando, impávidos, a dureza das veredas, através de florestas, cerradas à
luz do dia e cheias de mistérios, através de caudais e de pântanos pestilenciais, lançaram-se, a golpes de alvião e a golpes de machado, à conquista
dos sertões do Este e Oeste, do novo continente!
Ninguém pode, meus senhores, contestar a sério estes pontos já elucidados de nossa história;
provam-nos os documentos referentes às Vilas da Capitania de Itanhaen, publicados pelo prof. Benedicto Calixto; provam-nos as "memórias" de
escritores, em crônicas de Vieira Santos, ora publicadas; provam-nos escritores e historiadores do Paraná e Rio Grande que, ultimamente, se têm
ocupado de assunto tão palpitante das Capitanias Paulistanas.
Entretanto - é forçoso dizer -, eminentes historiadores de S. Paulo continuam, em obras de fôlego,
ultimamente publicadas sob o bafejo oficial - continua, dizíamos, quando tratam da ação dos Bandeirantes, a insistir na afirmativa, sob todos os
pontos de vista errônea, de que a "Vila de Itanhaém, cujo papel na História paulista é aliás
apagado" - nada mais era "que um núcleo
isolado nas areias do litoral, arrastando medíocre vida" - como se os documentos que vimos de
citar, já fartamente publicados e fartamente espalhados pelo nosso país, não estivessem aí, materiais e palpáveis, para atestar eloqüentemente o
contrário do que se afirma!
Por quê continuam estes escritores a repisar os erros de alguns cronistas, confundindo, de 1624 a
1753 ou 1773, as jurisdições da Capitania de Itanhaém com as capitanias de Santo Amaro (Capitania de S. Vicente), e depois com a Capitania de S.
Paulo?
"O foco litorâneo de S. Vicente, irradiação
paulista - dizem eles - são: S. Vicente,
S. Paulo, e é este que gera os três outros: Taubaté, Itu e Sorocaba"; tudo isto, como se já
não estivesse sobejamente comprovado que Taubaté, e mesmo Sorocaba, não fossem vilas criadas pelos governadores da Capitania de Itanhém!
"O foco litorâneo de São Vicente
- continuam eles - não só fornece os melhores
elementos aos focos de serra acima, como também uma expansão própria. Dele é que saem os colonizadores da orilha Atlântica na direção Norte e Sul:
Itanhaém, Iguape, Cananéia, Paranaguá. São estas povoações de origem vicentina, como vicentinas de origem, são Ubatuba, Parati e Angra dos Reis!..."
Ninguém nega, meus senhores, às vilas de S. Vicente e S. Paulo de Piratininga, o papel
importantíssimo que representam os anais da nossa História, ninguém nega o influxo e o decisivo apoio daquelas vilas no desenvolvimento das
conquistas coloniais; o que não é justo, porém, o que não é admissível, o que não se pode, em absoluto, tolerar, é que se esbulhem as riquezas
tradicionais da história de Itanhaém, menosprezando as suas glórias, com a negação das prerrogativas de que gozou nas memoráveis épocas que marcaram
a expansão territorial deste belo e amado torrão, que é a nossa Pátria.
Neguem-nos, embora, o título legal de "Capitania de Itanhaém"; mas não nos poderão jamais negar o
direito de "sede" da vasta donataria de Martim Afonso de Souza e seus herdeiros, de 1624 a 1753 ou 1773.
E durante esse largo período, meus senhores, era daqui, era deste recanto
abençoado de Anchieta, era deste núcleo isolado nas areias do litoral - e não de S. Vicente ou de S. Paulo - que emanavam e partiam os atos oficiais
***
Terra ridente de Itanhaém - Salve! Eu te saúdo hoje na memoração
tricentenária das tuas glórias passadas! Mas não é só o bronze desta placa que rememora as tuas tradições; elas também se aninham nos aspectos que
te cercam: elas pairam no céu que te cobre; elas vivem nas pedras dos teus abruptos costões, elas palpitam nas areias das tuas praias, e elas cantam
na voz profunda do teu mar. E, como se não bastasse, para guardá-las, teu livro mudo da natureza, ainda elas vêm se aninhar num escrínio vivo e
palpitante, passando de geração em geração: o coração dos teus filhos!
"Angulus ridet!" - recanto sorridente, recanto aprazível, é o lema que se ostenta, no teu
altivo e nobre brasão!
Mas qual é o teu recanato que não seja sorridente?
Vede ali o Itaguassu, a Pedra Grande, não foi o "Angulus ridet" que o fidalgo Martim Afonso
escolheu em 1532, para nele fundar e erguer a Ermida da Conceição, a primeira que sob a invocação da Imaculada se erigiu na América do Sul? A colina
ridente de Itaguassu, sustentando no seu dorso verdejnte a risonha ermida da Virgem, era ainda a guarda avançada, o propugnáculo, a sentinela que
velava de longe as cercanias desta bela praia do Guaioçá.
"Angulus ridet!" Pelos teus recantos sorridentes, cheios de doce poesia, cheios de doce
encanto, perlustrou o suave Anchieta, o amado d Virgem, a operar prodígios, a operar milagres, dentro da sua humildade de servo do Senhor.
Tu foste o "Angulus ridet" de Leonardo Nunes, o Abarebebé; e foi nestes teus
recantos ridentes, diante da risonha imagem da Virgem, que se acabou de firmar aquele famoso pacto de Iperoig - começado nas praias de Ubatuba - e
que foi, bem o sabeis, o início da formação da nossa nacionalidade!
"Angulus ridet" - Terra sorridente - Terra adorável - Terra três vezes abençoada de
Itanhaém!
Salve!
Imagem: adorno da página 298 da obra |