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CAPITANIA DE SÃO PAULO E CAPITANIA DE ITANHAÉM
CAPÍTULO XII - QUARTA FASE DO LITÍGIO
Algumas considerações preliminares sobre este capítulo - O pretenso "resgate da Capitania de Itanhaém", feito
por "atos" do marquês de Pombal em 1753-1754. - Divergência de fr. Gaspar, sobre a data desse pretendido "resgate". - O que dizem Marcellino Pereira
Cléto e Azevedo Marques sobre tal assunto. - Por que não foram publicados esses "Atos do Marquês de Pombal"? Opinião do dr. João Mendes de Almeida
sobre essas "Chicanas do tempo". - O historiador italiano Vincenzo Grossi ocupa-se da Capitania de Itanhaém. - Um justo qualificativo dado pelo dr.
A. de E. Taunay os historiadores que se têm ocupado, até hoje, em esclarecer estes pontos. - Os termos de vereança da Câmara de S. Paulo, de 1562 em
diante. - Por que motivo a Capitania de Santo Amaro ficou denominada oficialmente, Capitania de S. Vicente. - O marquês de Cascais proclamado
governador perpétuo da Capitania de São Vicente.
s donatários da
Capitania de Martim Afonso que até esta data haviam labutado pela defesa de seus direitos, a ver se conseguiam a posse das terras e das vilas
usurpadas pelos donatários de Pero Lopes de Souza, vão ainda, desta época em diante - 1711 - ter o dissabor de ver a parcialidade, a maneira injusta
com que o rei d. João V, e seus sucessores, procedem, em suas decisões - alvarás e cartas-régias -, no intuito de os prejudicar, cerceando ainda
mais os seus direitos, como donatários da Capitania de Itanhaém; primeiro em benefício do marquês de Cascais, "o
favorito do rei d. João V", como adiante se verá; depois, em proveito da própria Coroa, a qual, em
virtude do mesmo alvará, vai entrar na posse das "cem léguas" da dita Capitania de Martim Afonso, sem indenização alguma dos seus legítimos
descendentes; e isto em uma época em que os direitos de primogenitura - a lei dos vínculos de morgadio - estavam, em Portugal, em pleno vigor, e bem
assim nas colônias, onde predominavam ainda, bem arraigados, os preconceitos de casta, com todos os característicos peculiares ao sistema feudal,
adaptados sempre pelos governos absolutos da Metrópole Lusitana.
Não somos, já se vê, um admirador ou defensor de tal sistema governamental, tão adequado
entretanto ao meio dessa época, nem nos move o propósito de vir aqui censurar as sábias medidas adotadas pela monarquia, na criação de novas
capitanias secundárias - S. Paulo, Minas e as demais, cujos desenvolvimentos e administrações governamentais tanta preponderância e influência
tiveram nessa época memorável das grandes minerações.
Não é nosso intuito, tampouco, sumariar os fatos das capitanias de S. Paulo e Minas Gerais, neste
notável e áureo período de nossa história paulista, pois que tais acontecimentos, narrados por penas adestradas e competentes, já fazem parte, quer
da nossa história geral, quer da história paulistana.
O que nos propomos a estudar são apenas os pontos obscuros e controvertidos, em relação à parte
desta zona litigiosa da antiga Capitania de S. Vicente, denominada pelos seus donatários Capitania de Itanhaém, com relação à Capitania de Santo
Amaro, conhecida por Capitania de S. Vicente, a qual passa, de 1711 em diante, a intitular-se Capitania de São Paulo.
Não nos move também, é preciso que insistamos, qualquer sentimento piegas ou espírito bairrista,
pelo fato de termos nascido nesta zona contestada - de Itanhaém -, porque, como já declaramos, antepomos a isso o nosso coração, a nossa alma de
paulista, visto que esse vocábulo "paulista", na sua generalidade ampla, abrangia já, nesta época, toda a vasta região, como ficou demonstrado no
capítulo anterior.
Quando fr. Gaspar da Madre de Deus e Pedro Taques de Almeida Paes Leme, no fim do século 18º, se
ocuparam destes pontos, "da história da Capitania de S. Vicente",
expondo as injustiças de que tinham sido, e ainda estavam sendo, vítimas os donatários da Capitania de Itanhaém, podiam atribuir-lhes - como de fato
se atribuiu - que os ditos historiadores eram advogados da causa dos condes da Ilha do Príncipe, e que estes, de alguma sorte, retribuiriam aos
ditos autores o serviço que lhes estavam prestando; o que é uma grande injustiça que se fez e ainda se faz, talvez, à memória desses cronistas que,
como historiadores, agiram simplesmente em prol da Razão e da Justiça.
Se os demais historiadores coevos e a opinião pública da época olvidou o assunto, ou se pronunciou
mesmo a favor dos atos arbitrários do governo da Metrópole e dos capitães-generais, é porque consideravam o caso como uma "Razão do Estado", ou lhes
convinha apoiar a política da Metrópole, que era desprestigiar a causa e os direitos dos donatários ainda existentes, como adiante provaremos.
Fazia-se necessário, portanto, para ser agradável ao governo e aos capitães-generais, negar todo o
apoio aos loco-tenentes da Capitania de Itanhaém e fazer crer, e propalar mesmo, que tal Capitania nunca havia tido uma existência legal,
principalmente depois que a Coroa adquiriu, por compra, a "Capitania de S. Vicente"!
Convinha, como se está vendo, embair a opinião pública, nessa época, a fim de
que todos se convencessem de que a Capitania de São Vicente tinha sido vendida à Coroa e que, portanto, não havia mais razão em subsistir essa
vetusta e pobre "vila de Tinhaé com o falço titulo de Cabeça de Capitania dos Condes da
Ilha do Principe"! [40].
Hoje, finalmente, que essa "razão de Estado", esses preconceitos e interesses pessoais de então
não têm mais razão de ser, seja-nos lícito pois estudar livremente os fatos, a fim de bem apurar a verdade, procurando o mesmo tempo esclarecer tais
pontos obscuros, aliás tão importantes e necessários para a história destas capitanias paulistanas.
Fr. Gaspar, como já referimos, nos documentos que transcreveu nas suas Memorias, com os
quais tanta luz quis derramar sobre esta complicada e obscura questão das donatarias, bem pouco, entretanto, pôde esclarecer sobre o ponto de que
estamos tratando. Depois de publicar o citado "alvará"
e "escritura de compra e venda das cinqüenta léguas de Pero Lopes",
termina ele o seu livro com este parágrafo: "Em virtude deste contrato se reuniram, como era
justo, à Coroa, às 50 léguas de Pero Lopes constitutivas da Capitania de Santo Amaro: elas motivaram grandes discórdias, e foram causa de
nada possuírem os herdeiros de Martim Afonso de Souza, até que a Rainha nossa Senhora foi servida conceder-lhes um equivalente pela capitania das
100 léguas de costa, chamada de 'S. Vicente', como se verá em outro livro que destinamos publicar ainda sobre esta matéria".
Este último parágrafo da obra de fr. Gaspar merece, como se vê, uma análise minuciosa e presta-se
a muitas considerações e conclusões.
Diz o douto cronista vicentino que a "Rainha
nossa Senhora" (provavelmente d. Maria I, filha de d. José I) "foi
servida conceder-lhes (aos condes da Ilha do Príncipe)
um equivalente pela Capitania de cem léguas de costa chamada de 'São Vicente' (aliás de
Itanhaém), como se verá em outro livro, que destinamos publicar, sobre esta matéria".
Ora, ninguém sabe, até hoje, a razão por que deixou de ser publicado esse 2º
livro de fr. Gaspar, nem o fim que teve o precioso manuscrito [41],
pois que são considerados apócrifos alguns trechos do pretendido manuscrito publicados ultimamente, como bem provou o dr. Affonso de E. Taunay pela
Revista do Instituto Histórico de S. Paulo, por ocasião da comemoração do 1º centenário do ilustre monge beneditino.
Não seria pois "alguma razão de Estado" que influiu, não só na falta da publicação, como no
extravio que teve esse 2º livro de fr. Gaspar?
A História da Capitania de S. Vicente, escrita por Pedro Taques em 1772, como já referimos,
não teve outro intuito senão defender os interesses dos donatários da Capitania de Martim Afonso - os condes de Vimieiro e os condes da Ilha do
Príncipe. Eram apenas, como o referido autor declara, meros documentos angariados por ele e entregues, particularmente, em Lisboa, a d. João de Faro
e por isso ficaram livres da censura e do seqüestro, até o ano de 1847, que foi quando se deu publicidade, com o referido título de História da
capitania de S. Vicente, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, conforme os originais em manuscrito, que se
achavam então no respectivo arquivo dessa douta associação.
O ato da rainha d. Maria I a que se refere fr. Gaspar, "concedendo aos herdeiros de Martim Afonso,
os condes da Ilha do Príncipe (donatários da Capitania de Itanhaém) "um equivalente pela
Capitania das 100 léguas de costa", teria, sem dúvida, se passado no começo de seu
reinado, em 1777, cinco anos após a entrega dos ditos documentos de Pedro Taques a d. João de Faro. Porém, que equivalência foi essa?
É o que até hoje não podemos averiguar.
Vejamos pois o que, sobre tal assunto, escrevem outros historiadores.
O sr. dr. Antonio de Toledo Piza, como já ficou referido, diz apenas isto ao tratar da compra
feita ao marquês de Cascais (Processo Vimieiro-Monsanto): "Sem liquidar a questão de limites
entre as duas donatarias de S. Vicente e Santo Amaro, o governo português considerou a barra de S. Vicente como linha divisória e assim S. Vicente,
Santos e S. Paulo ficaram incluídos na compra feita ao marquês de Cascais e anexados aos domínios da Coroa. Mais tarde o marquês de Pombal
resgatou também a Capitania de S. Vicente (Capitania de Itanhaém), e anexou aos domínios reais, e assim desapareceram as duas antigas
capitanias e as questões sobre a sua posse e divisas".
Em baixo deste período o dr. Piza dá esta lacônica nota: "Por
atos de 1753-54".
Ora, se o marquês de Pombal havia anexado à Coroa, resgatando essa Capitania de Itanhaém,
ou Capitania de S. Vicente, por atos de 1753 e 1754, como é que fr. Gaspar e Pedro Taques, que estudaram tão minuciosamente esta questão,
ignoravam totalmente tal decisão régia ou tal ato de Pombal?
Se esta questão tinha ficado decidida, com esse ato do ministro de d. José I, em 1753 ou
1754, não haveria razão para que, vinte e três anos depois - 1777 ou 1779 - viesse a rainha d. Maria I conceder, aos donatários de Itanhaém, "um
equivalente pela Capitania das 100 léguas", como escreve fr. Gaspar.
Que a tal anexação, ou resgate da Capitania de Itanhaém, por parte da Coroa, não foi feita no
reinado de d. José I por "esse pretenso ato do marquês de Pombal",
como querem alguns historiadores, comprovam não só as afirmações de Pedro Taques e fr. Gaspar, mas igualmente a opinião insuspeita e categórica do
juiz de fora da Vila de Santos, dr. Marcellino Pereira Cléto, na sua Dissertação a respeito da Capitania de S. Paulo, escrita em 25 de outubro de
1787 (Anais da Biblioteca Nacional - vol. XXI - págs. 224).
Diz o dito historiador: "...Da mesma sorte
esta Capitania (de São Paulo), que antigamente se denominava de São Vicente, fora doada a Martim Afonso de Souza com 100 léguas de costa, que
principiavam três léguas ao Norte de Cabo Frio e acabavam doze léguas ao Sul de Cananéia, intermediando-se unicamente dez léguas
(de Pero Lopes), as quais principiavam no Rio Corupacé, hoje Juqueriquerê, que fica ao Norte
de São Sebastião, e acabava no Rio de Bertioga.
"De toda esta Capitania
(de Martim Afonso) está hoje de posse a Coroa,
expulsando dela, sem título (direito), a
exma. Casa de Vimieiro (sic) a quem
pertence; é de crer que, sendo S. Majestade informada do direito desta Casa, ou lhe compre a dita capitania, ou lhe dê dela conveniente
ressarcimento, assim como tem feito a respeito de outros donatários da América; e passando à Coroa a capitania por este título oneroso, pertencerão
à mesma todos os direitos que nela tinha o seu donatário, segundo o foral dado pela dita Capitania no ano de 1535".
Depois de tais provas decisivas e insuspeitas, vejamos o que, a tal respeito, escreveu Azevedo
Marques, quando em seus Apontamentos Historicos da Capitania de S. Paulo nos fala dessa Capitania e da sua incorporação à Coroa. "Foi
- diz ele - esta Capitania incorporada à Coroa por alvará de 31 de agosto de 1753, com
indenização aos donatários".
Na Chronologia Paulista, do mesmo autor, vem a mesma referência: "-
31 de agosto de 1753 - Carta Régia incorporando à Coroa a Capitania de S. Paulo, com indenização aos donatários"
(!!)
Não sabemos, pois, quem foram esses donatários da Capitania de S. Paulo,
indenizados em 1753, nem tampouco o livro ou arquivo paulista em que foi registrado tão importante documento. Pois nem nas pesquisas que temos
feito até hoje nos arquivos municipais paulistas, nem nos milhares de documentos publicados pela repartição do Arquivo Público de S. Paulo, que
atingem já a quarenta e quatro volumes, pudemos ver e manusear essa Carta Régia ou Alvará de 31 de outubro de 1753 e de 6 de janeiro de 1754 ou
1755 que os Apontamentos para a Historia de S. Paulo nos dão notícia, mas não transcrevem
[42].
Note-se ainda que, além das confusões de datas, os autores que vimos de citar confundem ainda as
denominações das capitanias: ora é a Capitania de Santo Amaro ou a Capitania de São Vicente que o ato de Pombal resgata; ora é
simplesmente a Capitania de São Paulo, e isto pelo simples fato de não quererem, tais autores, fazer menção do verdadeiro nome da donataria
dos condes da Ilha do Príncipe, que se distinguia ainda das outras capitanias com o nome de Capitania Hereditária de Itanhaém.
Enfim: "são caturrices de historiadores",
como bem define o sr. dr. Affonso de E. Tauny em uma carta que nos escreveu em resposta a uma consulta que neste sentido lhe fizemos.
Estas confusões feitas pelos nossos historiadores não deixam de ser prejudiciais, se não fossem
vergonhosas para nós, os paulistas, perante todo aquele que se propõe a estudar a fundo este assunto, tão importante, das capitanias paulistanas.
O douto historiador italiano prof. Vincenzo Grossi, em seu livro Storia della colonizzazione
europea al Brasile, ao tratar de tão importante assunto das Capitanias em São Paulo, diz o seguinte, depois de analisar a complicada
questão: "Quanto alla Capitania di Itanhaen (o di São Paulo?), essa viene incorporata alla
Corona con la Carta Regia del 31 agosto 1753 e 28 gennio 1754, medianate indennizzo al donatario".
Esse apontamento errôneo, tirou o historiador italiano, sem dúvida, da obra de Azevedo Marques.
Não deixou, entretanto, o dito historiador italiano, de discordar do autor, quanto ao título da capitania que então se incorporava à Coroa, a qual
seria realmente a Capitania de Itanhaém e não a de S. Paulo, ou Capitania de S. Vicente, que já estava incorporada desde 1711.
O prof. Vincenzo Grossi, que estudou bem a questão, não trata mais, nesse ponto, de Capitania
de S. Vicente, porque bem reconhecia que tal capitania - com esse título - havia desaparecido desde a data em que o marquês de Cascais,
usurpando-lhe o título, a traspassou ao domínio da Coroa já com o novo denominativo de Capitania de S. Paulo, como se está vendo.
Vejamos ainda o que, sobre esta matéria, diz o dr. João Mendes de Almeida em seu livro Notas
Genealogicas.
Depois de estudar e analisar, com a proficiência que lhe era peculiar, a complicada questão das
capitanias, em S. Paulo - não deixando entretanto de confundir - como os demais autores - os nomes das capitanias, o que é deveras lastimável em um
escritor de tal competência, escreve ele o seguinte:
"E do que fica exposto, vê-se quais eram os
limites da Capitania de São Vicente depois S. Paulo". A jurisdição desta donataria
estendia-se:
"Desde Macaé até o extremo Sul; e todo o
sertão compreendendo Minas (Mato Grosso e Goiás) e confinando portanto ao Sul e Este com as possessões espanholas, e ao Norte com Pará, Maranhão,
Piauí, Pernambuco, Bahia e Espírito Santo.
"Reduzida sucessivamente por perda de territórios, a fim de se formarem capitanias novas, depois
de haver sido subordinada ao governo do Rio de Janeiro em 1637, ainda que voltasse a constituir-se depois, em 1709, governo separado e independente,
viu-se afinal abatida e extinta em 1748, como governo subordinado ao Rio de Janeiro, pela segunda vez, readquirindo só em 1765 a posição de governo
separado e independente".
O autor, referindo-se aqui às diversas fases por que passou a Capitania de São Paulo, depois de
1709, acrescenta:
"Consideradas
as quatro datas, 1748 - extinção da Capitania; 1753 - incorporação de Capitania à Coroa, com indenização aos donatários
(?); 1763 - transferência do vice-rei do Brasil
para o Rio de Janeiro; 1765 - restauração do governo separado e independente em S. Paulo (que
ainda conservava o título de Capitania) [43],
além das desanexações anteriores a 1748, é lícito suspeitar que o governo de Portugal cogitava de piorar a condição do donatário
(da Capitania de Itanhaém), para diminuir a indenização, tanto mais concorrendo a
variedade de decisões na famosa questão do conde de Monsanto, no século anterior, e o auto de posse pela Coroa, da Capitania de S. Paulo, em 25 de
fevereiro de 1714, e em que foi compreendida a Capitania de Santo Amaro e também grande parte da Capitania de São Vicente, como já ficou referido
[44].
"Chicanas do tempo!".
O que deu mais força a tais "chicanas" foi, incontestavelmente, a má interpretação, ou a má fé dos
donatários de Santo Amaro e dos loco-tenentes em denominarem a sua capitania com o título de São Vicente; nome esse que ficou consagrado nos
anais das Câmaras Municipais e nos papéis oficiais da época.
Nas provisões concedidas pelos donatários para as criações das vilas da dita Capitania dos
Monsantos, desde 1625-1710, e na mor parte dos termos de vereanças e mais autos da Câmara de S. Paulo durante esse período, não se vê mais o nome de
Capitania de Santo Amaro, mas sim de Capitania de São Vicente - que era o seu título oficial. Foi daí, como temos dito, que surgiu a confusão
que ainda hoje persiste entre os historiadores, como se está vendo, os quais, não querendo concordar com esse "fato consumado", teimavam, e teimam
ainda, em confundir a Capitania de Itanhaém, donataria dos Vimieiro e dos da Ilha do Príncipe, com a Capitania de S. Vicente - donatari dos Monsanto
e Cascais.
Para que se não diga que é teimosia, ou caturrice de nossa parte, em insistir neste ponto, damos
ainda a opinião de Pedro Taques, que bem se pronuncia em prol do que vimos discutindo; e se isso não bastar para provar o que era, nessa época,
considerado como Capitania de São Vicente, bem como a parte da donataria de Martim Afonso, denominada Capitania de Itanhaém, poder-se-á
consultar ainda os Documentos Interessantes, na parte que se refere à administração do capitão-general Rodrigo Cezar de Menezes - por onde se
verá que a Vila de Tinhaé (Itanhaém) era ainda, de 1721 em diante, considerada como Cabeça de Capitania dos herdeiros de Martim Afonso - com o
título oficial de Capitania de Itanhaém.
Vejamos pois, inda, de que forma encarava Pedro Taques o estado da questão entre as duas
donatarias, no início desta quarta fase do litígio, após a anexação à Coroa da parte da donataria de Pero Lopes, denominada Capitania de S. Vicente:
"À vista da clareza com que se procedeu na
venda e compra das cinqüenta léguas de costa que tinha o conde de Monsanto (marquês de Cascais) fica mais patente o iníquo procedimento de Fernão
Vieira Tavares, executado em 1624 (como já ficou referido), porque mandando el-rei esta escritura com carta de 6 de dezembro a Antonio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, governador e capitão-general da Capitania de S. Paulo, para fazer tomar posse das ditas cinqüenta léguas,
precedendo-se na medição e demarcação delas, e pondo-se os reais padrões; entretanto nada teve efeito porque o general Albuquerque se achava então
ausente em Minas Gerais, donde enviou a dita carta régia e a escritura da compra e venda (já
transcritos), aos oficiais da Câmara da Cidade de São Paulo, para executarem o conteúdo da
real ordem: eles porém, sem fazerem proceder na medição e na demarcação das ditas cinqüenta léguas de costa para conhecimento das vilas e
povoações que ficavam dentro delas, materialmente, satisfizeram a tudo isto com mandarem escrever no loivro das vereações um termo de posse no dia
25 de fevereiro de 1714, no qual disseram que tomavam posse, por parte da real Coroa, das cinqüenta léguas de costa, que o marquês de Cascais
possuía na Capitania de S. Vicente, na qual se compreendia as vilas de S. Vicente, Santos, de S. Paulo e todas as demais, que possuía o donatário
dela, dito Marquês de Cascais".
"Por esta indiscutível
facilidade e crassa ignorância está subsistindo até agora (1772)
o errado conceito de que todas as viloas desta Capitania de S. Paulo (inclusive Itanhaém),
assim de marinha, como as de serra acima, são da Coroa e patrimônio real" [45].
"Contra este engano está clamando a clareza da mesma escritura de compra e venda; porquanto nas
dez léguas do Rio Corupacé até o Rio de S. Vicente, braço do Norte, não há mais do que a Vila de S. Sebastião; e, nas quarenta léguas, desde a barra
de Paranaguá até a Ilha de Santa Anna, não há mais que as vilas de S. Francisco, Vila de Santa Catarina e Laguna, todas as demais vilas e cidades,
compreendidas nas cem léguas da (primitiva)
Capitania de S. Vicente são do donatário desta capitania...".
Rebuscando nos Annaes da Camara Municipal de S. Paulo a coleção de atas de 1701-1719, não
encontramos infelizmente este "termo de posse" ao qual Pedro Taques se refere.
No livro de atas de 1714, existe um "Auto de posse da Capitania de São Paulo" com esta data de
vinte e cinco de fevereiro; este "auto", porém, não traz as referências citadas por Pedro Taques. Parece-nos apenas um rascunho incompleto do
"termo" referido pelo historiador, como se verifica da nota que vem no fim do mesmo "auto", como se vai ver:
"Auto de posse da Capitania de S. Paulo em
nome de Sua Majestade que Deus guarde".
"Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e quatorze, aos vinte e cinco
dias do mês de fevereiro do dito ano, nesta cidade de S. Paulo, em as casas do Senado da Câmara dela, com assistência do governador Manoel Bueno da
Fonseca e presidência do desembargador ouvidor geral, dr. Sebastião Galvão Rasquinho, juízes, vereadores e procuradores da Coroa e Conselho; onde
vieram para efeito de tomar posse desta Capitania de S. Paulo, em nome de Sua Majestade que Deus guarde, por estar hoje afeta à Coroa real, por
compra que dela fez o dito Senhor, pelo Conselho Ultramarino, ao marquês de Cascais, senhor e donatário dela, pelo preço de quarenta mil cruzados,
pagos na Junta do Comércio, e a luva de quatro mil cruzados que mais se lhe deram pela dita Capitania, de cinqüenta léguas de costa, conteúdas na
escritura de compra e venda que delas se fez pelos procuradores da Fazenda Real, ao dito marquês de Cascais, e à Coroa de Sua Majestade, que estão
registrados nos livros da Câmara desta cidade. E, com efeito, o dito desembargador e ouvidor geral e oficiais da Câmara tomaram posse das ditas
cinqüenta léguas de costa, desta Capitania, em nome do dito Senhor e do seu procurador da Coroa - o capitão-mor Pedro Taques de Almeida, no nome que
representa. Do que, de tudo mandaram fazer este auto que assinaram com as mais pessoas que presente se achavam e eu Antonio Corrêa de Sá o escrevi".
Este termo, assim concebido, parece que não satisfez as partes interessadas, pois que não foi
assinado; e no fim do mesmo Auto o escrivão pôs a seguinte nota: "Não teve efeito
porque este auto se fez por um t.am? ao pé da mesma escritura de compra e venda que se fez; do que fiz esta declaração. S. Paulo, 25 de fevereiro de
1714. Antonio Corrêa de Sá".
Não sabemos a razão por que não consta, deste livro de atas, o termo definitivo ao qual Pedro
Taques se reporta, lavrado nessa mesma data, com as declarações: "que tomavam posse, por
parte da Real Coroa, das cinqüenta léguas de Costa, que o marquês de Cascais possuía na Capitania de São Vicente etc.".
No referido livro de atas da Câmara de S. Paulo, principalmente nesta parte, a escrituração não
está feita com regularidade, pois os termos de vereação não se acham em ordem, nas respectivas datas: assim é que o termo seguinte a este auto (de
25 de fevereiro) é de data anterior - 6 e fevereiro - e os demais que se seguem já pertencem ao mês de abril; parecendo, portanto, haver uma lacuna
ou falta de folhas nesta parte, aliás, tão importante dos anais da Câmara Paulista, o que é deveras lastimável!
Nas escrituras de compra e venda, já transcritas, não há menção alguma do nome da Capitania que
então se resgatava, isto é, não se declara se era a Capitania de Santo Amaro ou a Capitania de S. Vicente que o marquês de Cascais
vendia à Coroa; isso porém precisava ficar declarado, em um documento público, a fim de bem esclarecer a transação; e foi isto que fizeram os
camaristas de S. Paulo nesse "termo" a que Pedro Taques se refere e... o qual não aparece.
Os senhores de Monsanto e Cascais, como já ficou provado, davam à sua capitania o título de
Capitania de S. Vicente e os camaristas de S. Paulo, para lhes serem agradáveis, e mesmo no seu próprio interesse, como veremos adiante,
denominavam também à Capitania de Pero Lopes - da qual a sua vila fazia parte desde 1624 - com o título de Capitania de S. Vicente.
Nas atas da Câmara de S. Paulo, desde 1562 em diante, os termos de vereanças começam sempre por
esta forma "... nesta Vila de São Paulo, Capitania de São Vicente de que é capitão-governador,
por el-rei Nosso Senhor, o senhor Martim Afonso de Souza".
Essa fórmula, com o correr dos tempos, foi mais ou menos sendo abolida. Do ano de 1600 em diante,
os termos de vereança de S. Paulo adotavam ainda uma vez ou outra a dita "fórmula", como na ata de 16 de janeiro desse ano, onde se lê este trecho:
"Acordaram os ditos oficiais e mais pessoas que lhes parecia bem a todos não haver juiz dos
índios que os reverendos padres desceram novamente do Sertão, porque, os índios que ora há na terra são moradores e povoadores da terra que achou
o sr. desta terra - Martim Afonso de Souza -, quando a povoou".
Vê-se pois que, nesta época, os vereadores de São Paulo reconheciam ainda, não
só que a Capitania de S. Vicente era de Martim Afonso, bem como que havia sido esse mesmo donatário o fundador e povoador dessa povoação e
vila de S. Paulo [46].
No período que vai de 1600 a 1623, a fórmula "Capitania de São Vicente" já não era usada nos
referidos termos de vereança; entretanto, na ata do dia 26 de dezembro de 1623, os vereadores da Câmara de S. Paulo ainda reconheciam como
capitão-mor e governador da Capitania de Martim Afonso o loco-tenente da condessa de Vimieiro, João de Moura Fogaça, conforme se vê de uma provisão
deste governador, apresentada e aceita nessa sessão.
No ano seguinte, a 10 de fevereiro de 1624, lavrou-se um termo na mesma Câmara, onde se declara
que "compareceu em Câmara João de Moura Fogaça, capitão-mor e ouvidor da Capitania de S.
Vicente, e apresentou uma provisão do sr. governador geral etc.".
No termo de vereança de 17 de fevereiro, desse mesmo ano de 1624, sete dias após o comparecimento
de Fogaça na sessão do Conselho de São Paulo, os mesmos vereadores - sem mais explicações - já não reconheciam o capitão e ouvidor da condessa de
Vimieiro como governador da Capitania de São Vicente, mas sim ao seu antagonista Alvaro Luiz do Valle, procurador e loco-tenente do conde Monsanto.
Diz o termo, mui laconicamente: "... e pelo capitão-mor e ouvidor, Alvaro Luiz do Valle, foi
apresentado aos ditos oficiais da Câmara duas provisões do conde de Monsanto, por onde proveu o dito Alvaro Luiz do Valle de capitão-mor e ouvidor.
As quais mandaram fosse registrada e assinaram aqui; eu Calixto da Motta escrivão da Câmara o escrevi; - Alvaro Neto - Antonio Furtado de
Vasconcellos - Lourenço Nunes - Leonel Furtado - Corrêa".
Neste lacônico termo de 17 de fevereiro de 1624, não declaram os vereadores de S. Paulo qual era a
capitania em que Luiz do Valle vinha exercer o cargo de capitão-mor e ouvidor, em nome do conde de Monsanto; eles bem sabiam, entretanto, que o
conde de Monsanto (marquês de Cascais) não era donatário da Capitania de São Vicente, mas sim da Capitania de Santo Amaro, da qual a Vila de São
Paulo ia ser a sede. Esse título - Capitania de Santo Amaro - não convinha, de maneira alguma, ao marquês de Cascais nem aos moradores de S. Paulo,
que nunca quiseram dele fazer a mínima menção nos seus "termos" e "autos" públicos.
Já demonstramos que a "fórmula" - Capitania de São Vicente - usada primitivamente nos termos de
vereanças, desde 1560, tinha sido quase abolida durante o período em que a dita Capitania de S. Vicente fora governada pelos donatários que
sucederam a Martim Afonso de Souza. Vamos ver agora como essa velha e olvidada "fórmula" reaparece ostensivamente nos anais da Câmara de São Paulo -
para demonstrar bem que a donataria de Pero Lopes, da qual "era senhor" o conde de Monsanto (então marquês de Cascais) - era "de fato e direito" a
Capitania de São Vicente.
No termo de vereança da Câmara de S. Paulo de 16 de março desse mesmo ano de 1624, em que a
condessa de Vimieiro foi esbulhada do direito que tinha sobre as vilas fundadas por seu bisavô Martim Afonso de Souza e bem assim do título
(Capitania de São Vicente), nesse termo de vereança, como íamos dizendo, se declara que "o
procurador do Conselho, Leonel Furtado, requereu aos oficiais da Câmara, para que pedissem ao loco-tenente e procurador do Senhor desta terra,
desse provisão para que fossem feitas prisões para esta cadeia, à custa dos redízimos desta Capitania de São Vicente, e que nomeasse alcaide
e carcereiro, porquanto não havia, visto estarem vagos esses cargos... requeriam mais, umas tantas coisas, ao capitão-mor e ouvidor desta
Capitania, de São Vicente,procurador e loco-tenente do senhor conde de Monsanto, donatário dela, etc. ...".
A Capitania de Santo Amaro já estava pois solenemente crismada com o nome de Capitania de São
Vicente pelos vereadores de São Paulo, em obediência ao "Senhor desta terra",
como declara o procurador do Conselho Leonel Furtado; e esse "senhor" era o marquês de Cascais, "fidalgo
de nobre linhagem e valido d'el-rei", como veremos adiante.
A Vila de São Paulo é então "condecorada" com o título de "Cabeça de Capitania de São Vicente"
pelo mesmo marquês, em recompensa aos serviços que os ditos vereadores haviam prestado à causa que então se debatia entre ele e os condes de
Vimieiro, como já ficou demonstrado no auto de posse e mais documentos no capítulo anterior.
A "fórmula" - Capitania de S. Vicente - vai ser agora adotada em todos os autos e termos,
nas ocasiões solenes, como se verifica dos respectivos termos de vereança, os quais, quando tratavam de assuntos importantes, eram sempre assim
redigidos: "Termo que se fez na Câmara desta Vila de S. Paulo sobre a ganância de dinheiro dos
órfãos, que se costumavam levar nesta Vila etc. ... - Aos oito dias do mês de março de mil seiscentos e sessenta anos, nesta Vila de S. Paulo,
Capitania de São Vicente".
No requerimento de protesto que então fez o juiz de órfãos de S. Paulo, d. Simão de Toledo Piza,
perante os oficiais da mesma Câmara, rebatendo esses termos insólitos dos camaristas, se declara que "a
vila de São Paulo estava sob a alçada de sua vara de juiz, por mercê do conde de Monsanto, ora marquês de Cascais, donatário perpétuo desta
Capitania de São Vicente etc.".
É desta época - 1640 e 1660 em diante - que os vereadores, os juízes de fora e juízes de órfãos da
Vila de São Paulo fazem alarde, nos documentos públicos, do título e da fórmula - Capitania de S. Vicente - principalmente de 1682 a 1709, como se
poderá verificar dos ditos anais da Câmara de S. Paulo.
É esta, como veremos adiante, a época em que mais se manifesta o brio do povo de São Paulo, que,
cônscio já do seu valor, começa a demonstrar a tenacidade heróica de seu caráter, não só nas audaciosas "entradas" do "sertão", nas famosas
"bandeiras", como nas ruidosas manifestações públicas que dava, da sua altivez e independência, nesses "ajuntamentos" que freqüentemente promovia,
"ao toque de alarme", nas praças públicas e nos pátios da Casa do Conselho, a fim de protestar, tumultuosamente, perante os oficiais do senado e
mais autoridades; ora, contra as leis violentas que lhes queriam impor; ora, contra a ação dos missionários jesuítas; e, outras ainda, contra as
ordens emanadas do próprio governador geral, quando se pretendiam pôr em prática as "Ordenações da Metrópole", sobre a liberdade dos índios, ou
sobre um ponto qualquer que o viesse ferir nos seus interesses, nos seus direitos e nos seus brios de povo independente!
Era pois esse povo, assim altivo, que não admitia, não tolerava que a Vila de S. Paulo fosse
Cabeça da Capitania de Santo Amaro, mas sim da Capitania de S. Vicente, porque esta, além de ser a primitiva, era ainda a mais vasta, a mais
importante de todas as donatarias.
Fazia-se alarde então em proclamar o marquês de Cascais "Senhor
da terra" e "governador perpétuo da
Capitania de S. Vicente", como se vê desse requerimento de protesto feito por dom Simão de
Toledo Piza, aos vereadores da Câmara de São Paulo, cuja vila era, de fato, a "cabeça de todas
essas capitanias".
Isto, embora fosse um ato arbitrário, era, entretanto, razoável e até justo, pois estava bem de
harmonia e de acordo com o meio da época e, sobretudo, com a índole altiva do povo de São Paulo, como veremos adiante.
Brasão d'Armas dos condes da Ilha do
Príncipe (em campo de vermelho uma banda azul com três flores-de-lis de ouro, entre dois carneiros de prata - passantes - armados de ouro. Timbre:
um dos carneiros das armas)
Imagem inserida entre as páginas 164 e 165
da obra
[40]
Em conseqüência desse preconceito, o capitão-general Rodrigo Cezar de Menezes tinha birra especial com a Vila de Itanhaém e, por debique ou
desprezo, fingia não conhecer o seu verdadeiro nome. Nos documentos públicos dessa época, Documentos Interessantes, quando se tratava, por
acaso, dessa Capitania de Itanhaém, os notários escreviam sempre por esta forma - Capitania de Tinhaé; de fato, a Vila da Conceição
era para eles, os homens do governo, uma verdadeira tinha - uma "sarna"!
[41]
Esse manuscrito foi publicado na Revista do Inst. Hist. Brasileiro, tomo XXIV, sob o título Continuação das Memorias de Fr. Gaspar da
Madre de Deus, sendo o seu verdadeiro autor Manoel Cardozo de Abreu, que exerceu o cargo de oficial maior da Secretaria, no governo de d. Luiz
Antonio de Souza, em 1774, mais ou menos. O dr. Alfredo de Toledo, vice-presidente do Instituto Hist. e Geográfico de S. Paulo, também se ocupou
desse manuscrito em um artigo publicado no Diário Popular, sob o título "Um Problema Bibliographico".
[42]
O distinto historiador brasileiro dr. Capistrano de Abreu, a quem consultamos sobre o assunto, nos diz em uma carta: "Procurei
notícias sobre a data da incorporação da Capitania de São Vicente à Coroa, mas fui infeliz na pesquisa. Sei apenas que Pombal obrigou o conde da
Ilha do Príncipe a trocar o título pelo de Lumiares; que com este título litigou a propósito da herança do que saiu vitorioso. Tenho idéia
vaga de que do tempo de d. Maria I, vi um papel que dava o conde de Vimieiro ainda como donatário. Estes nós poderão ser desatados pelo nosso amigo
e consócio Gentil de Moura, se para o ano, como pretende, fôr a Portugal...".
[43]
Então muito legítimo, se é que os donatários da Capitania de Itanhaém haviam sido indenizados pela Coroa em 1753. É estranhável, mesmo censurável e
digno de reparo - bem é que se repita - que, nenhum destes escritores, que citam essa carta régia fazendo anexação à Coroa, da parte da Capitania de
Martim Afonso, em 1753 ou 1754, nos digam o arquivo em que se acham transcritos tão valiosos documentos! Nem Azevedo Marques na sua Chronologia,
nem Jacintho Ribeiro nos seus três grossos volumes Chronologia Paulista, nem tampouco os 44 volumes dos Documentos Interessantes para
a história de S. Paulo, publicados pela Repartição do Arquivo Público de S. Paulo, e as Actas da Camara, hoje impressas, nos dão a menor
notícia de tal documento!...
[44]
Note-se: o que o autor denomina aqui Capitania de Santo Amaro, era então oficialmente conhecido por Capitania de S. Vicente, visto que, por esse
fato - a Capitania de S. Vicente, a primitiva, havia sido denominada oficialmente, pelos seus donatários, com o título de Capitania de Itanhaém, a
fim de não existirem duas capitanias distintas, sob o mesmo nome, como tão sábia e criteriosamente previu a condessa de Vimieiro e o seu
loco-tenente João de Moura Fogaça, em 1624.
[45]
Será crível, pois, que Pedro Taques, em 1772, ignorasse a existência dessas cartas régias, de 1753 e 1754, pelas quais a Coroa havia resgatado o
resto da Capitania de Itanhaém, mandando indenizar os seus donatários, conforme escrevem os cronistas e historiadores da nossa época?
[46]
Em uma Memoria por nós publicada em 1913, A primitiva povoação de Piratininga e a Vila de Santo André da Borda do Campo, já discutimos
e provamos, com documentos, que foi Martim Afonso de Souza o fundador da povoação de Piratininga, próximo à Aldeia de Tibiriçá, onde depois, em
1554, os padres jesuítas criaram a vila de São Paulo, sob provimento do mesmo donatário.
Imagem: adorno da página 183 da obra |