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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 10


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 77 a 89):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 77)

CAPÍTULO VI

João de Moura Fogaça põe embargos sobre a execução da sentença e provisão dada a favor de Alvaro Luiz do Valle. - A condessa de Vimieiro, esbulhada de São Vicente e das suas vilas, dá à vila de Itanhaém o título de Cabeça de Capitania das terras doadas a Martim Afonso. - A Capitania de Itanhaém e a razão de ser desse título. - A Capitania de Santo Amaro passa a se denominar Capitania de São Vicente. - As divisas jurisdicionais destas duas capitanias. - Confusão entre historiadores, sobre as jurisdições das capitanias de Itanhaém e São Vicente. - Início da terceira fase do litígio.

m conseqüência da posse da Capitania de S. Vicente, dada ao conde de Monsanto, passaram os oficiais da Câmara uma carta precatória e executória aos oficiais da Câmara da Vila de S. Paulo, no teor seguinte: "Os oficiais da Câmara desta Vila de S. Vicente, cabeça desta Capitania, ao diante assinados: - Fazemos saber aos srs. oficiais da Câmara de S. Paulo, a quem esta nossa carta for apresentada, em como nesta Câmara apareceu Alvaro Luiz do Valle, procurador bastante do conde de Monsanto, e nos apresentou uma provisão do senhor governador geral deste estado, Diogo de Mendonça Furtado, da qual o teor é o seguinte: - Diogo de Mendonça Furtado, do Conselho de S. Majestade, comendador e alcaide mor do Casal, governador e capitão general do Estado do Brasil etc. Faço saber que havendo respeito ao que na petição atrás escrita, diz o conde de Monsanto, por seu procurador Alvaro Luiz do Valle, e visto estar mandado em Relação que se demarquem as terras que nas Capitanias do Sul pertencem a ele e à condessa de Vimieiro, e que das vilas que a cada um ficarem se tome posse; hei por bem e mando aos oficiais das Câmaras das Vilas e lugares que pela dita demarcação pertencem ao dito conde, por virtude de sua doação e sentença, e o dito seu procurador lhes apresentar certidão com teor dos autos do provedor da Fazenda Real, da Capitania de S. Vicente a quem a dita demarcação está cometida - lhe dêem posse delas sem a isso porem embargo algum, e hajam e conheçam ao dito conde capitão governador das terras, e vilas e lugares que assim ficarem dentro da dita demarcação. E cumpram e guardem as provisões que pelo dito lhe forem apresentadas e dêem posse às pessoas por ele providas, e que João de Moura Fogaça, ou outra qualquer pessoa nomeada pela condessa de Vimieiro, não use nem possa usar mais jurisdição alguma naquelas terras, vilas e lugares que conforme a demarcação que se fizer pertencerem ao dito conde de Monsanto, e que o ouvidor que o conde apresentar faça todas as informações necessárias para as minas e o que convier a Sua Majestade, para benefício delas o que tudo assim declarado se cumprirá inteiramente sem dúvida ou embargo algum, sob pena de mandar proceder contra os que o contrário fizerem, com todo o rigor.

"Dada na Bahia, sob meu sinal e selo das minhas armas. Alberto de Abreu a fez aos 31 de novembro de 1623. - O governador Diogo de Mendonça Furtado". (N.E.: SIC: 31 de novembro...)

Em vista dessa ordem expressa do governador geral, que foi registrada nas Câmaras de São Vicente e de S. Paulo, os camaristas de São Vicente deram posse ao conde de Monsanto, na pessoa de seu loco-tenente, Alvaro Luiz do Valle, conforme consta do auto seguinte:

"E sendo-nos assim apresentada a presente provisão, em cumprimento dela e da sentença da Relação e doação do dito conde, bem como da certidão do provedor da Fazenda - Fernão Vieira Tavares -, como o teor dos autos, tudo na forma da provisão, - demos posse ao dito Alvaro Luiz do Valle, como procurador bastante do conde de Monsanto, desta Vila de São Vicente, da de Santos, dessa de São Paulo, e da Vila de Santa Anna de Mogy, da Ilha de Santo Amaro, e da Ilha de São Sebastião, e povoação de terra firme que está defronte da dita ilha, por as ditas vilas, ilhas e povoações entrarem nas demarcações que estão feitas pelo dito provedor, desde o Rio Corupacé até o Rio de S. Vicente, tudo pertencente ao dito conde, na forma da certidão do dito provedor da Fazenda e autos conforme a sentença da Relação... E o dito Alvaro Luiz do Valle nos apresentou mais duas provisões do dito conde, uma para servir de capitão-mor, seu loco-tenente, com o cumpra-se do sr. governador geral e outra para servir de ouvidor, dos quais cargos, em virtude das ditas provisões, lhe demos posse delas e o está servindo atualmente. E porquanto João de Moura Fogaça foi provido nos ditos cargos pela condessa de Vimieiro, não pode agora usar deles e de jurisdição alguma, conforme a provisão do sr. governador geral; o qual João de Moura Fogaça, se diz, estar nesta vila; requeremos a vosmecê, da parte de Sua Majestade e da nossa, lhe pedimos por mercê, que sendo-lhe apresentada esta nossa Carta a cumpram e guardem; e em cumprimento dela mandem notificar ao dito João de Moura Fogaça para que desista dos ditos cargos e não use mais jurisdição alguma nas ditas vilas, ilhas e povoações etc. Feita nesta Vila de S. Vicente aos 6 de fevereiro de 1624 anos. Eu Gaspar de Medeiros, tabelião público e do judicial nesta Vila de S. Vicente, que ora sirvo de escrivão da Câmara, a fiz escrever e subscrevi. João da Costa, Pedro Gonsalves Meira - Pedro Vieira Tinoco. - Gonçalo Ribeiro. - Salvador do Valle. -"

Em cumprimento desta carta, mandaram, pois, os oficiais da Câmara de S. Vicente, pelo "moço da Câmara de el-rei", notificar a João de Moura Fogaça de todo o ocorrido.

Uma vez ciente, Fogaça respondeu aos ditos oficiais que "punha embargos à provisão de Alvaro Luiz do Valle, por não ser esta confirmada por Sua Majestade, como a provisão dele Fogaça; e ser somente passada pelo conde de Monsanto para servir os cargos de capitão-mor e ouvidor, o que só podia ter efeito nas terras que legitimamente fossem do dito conde - por verdadeira demarcação - sendo, portanto, para ela, citadas as partes na forma de direito, o que entretanto ainda não se tinha efetuado. Declarou mais que não podia ser tirado da posse em que pacificamente estava antes da dita demarcação ser feita, com a conformidade de direito, e julgada por boa; que até então não havia mais que sentenciarem-se as terras sem ter julgado a demarcação com as partes citadas; julgando-se esta por boa, estaria pronto para largar então, a cada um, o que fosse de direito, na forma que a sentença final fosse julgada, e se assim lhes ordenassem os seus constituintes".

Declarou ainda que tinha feito preito de homenagem a Sua Majestade pela Capitania de São Vicente, suas fortalezas e castelos dela, nas mãos do governador geral Diogo de Mendonça Furtado, e lhe não constava haver provisão alguma, pela qual se lhe houvesse levantado tal homenagem que tinha prestado; que protestava não largar a posse que tinha, e defenderia o seu cargo e a Capitania como pela dita homenagem tinha de obrigação.

A este justo e enérgico protesto de João de Moura Fogaça responderam os vereadores que "sem embargo do seu requerimento, mandavam se cumprisse a Carta Precatória dos oficiais da Câmara da Vila de S. Vicente".

Fogaça, porém, se opôs a esta determinação, agravando aos oficiais da Câmara, por o haverem apeado dos cargos que servia, antes de se lhe terem levantado a homenagem, que pelos ditos cargos havia feito a Sua Majestade.

Tomou-se-lhe o agravo, e a ele responderam os ditos oficiais da Câmara de S. Paulo, dizendo: - "que não eram juízes de causa, e que somente davam cumprimento à Carta Precatória e à provisão nela incorporadas, do governador geral do estado; e que visto estar já Alvaro Luiz do Valle empossado pela Câmara Capital de São Vicente, se dessem os traslados de tudo ao agravante, para seguir sua Justiça e direito". (Arquivo da Câmara de S. Paulo - Livro de Registro - 1623 - página 13 e seg.). (N.E.: a verificar: sendo a decisão de 1624, o título 1623 soa estranho, podendo haver engano do autor - seria 1624?)

Por esta forma, diz Pedro Taques, "foi a condessa de Vimieiro, d. Marianna de Souza da Guerra, repelida da sua Vila Capital de S. Vicente, bem como da de Santos, S. Paulo e da de Mogi das Cruzes (eram estas duas vilas as que, em Serra-acima, estvam eretas até esse tempo). Vendo-se assim destituída, a dita condessa de Vimieiro fez então Cabeça da Capitania a sua antiga Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém".

"Para governarem esta nova Capitania de Itanhém", acrescenta Pedro Taques, "nomeou sempre a dita condessa capitães-mores-governadores, cada um dos quais governou, com ampla jurisdição, até a cidade de Cabo Frio, desde este ano de 1624 até o de 1645, em nome da dita condessa, como se vê no Cartório da Provedoria da Fazenda e nos Livros das Sesmarias".

"Neste ano, porém, de 1645, entrou na Capitania de Itanhaém d. Sancho de Faro, filho primogênito da donatária condessa de Vimieiro; e, porque então militava nos estados de Flandres, e em Lisboa se achava seu irmão d. Affonso de Faro, este fez a Sua Majestade o requerimento", cujo teor vai adiante transcrito.

O ato da Câmara Municipal de S. Vicente, de 6 de fevereiro de 1624, já transcrito, dando posse ao donatário conde de Monsanto, das vilas de S. Vicente, Santos, S. Paulo etc., e esbulhando assim a condessa de Vimieiro de uma grande parte da Capitania de S. Vicente, marca, incontestavelmente, uma nova época, na nossa história, com a criação de uma nova capitania hereditária.

A Vila de Itanhaém assume, pois, desta data em diante - 7 de fevereiro de 1624 - para sua vida política, aliás muito legal e legítima, como diz o historiador Pedro Taques - o título e categoria de sede da donataria de Martim Afonso, sob o nome de Capitania de Itanhaém, cuja jurisdição abrangia as cem léguas de costa com os respectivos sertões doados ao dito Martim Afonso de Souza no referido Foral de d. João III.

Essa jurisdição, convém que se note (conforme a medição feita pelo próprio provedor Fernão Vieira Tavares), começava na parte meridional da referida Ilha do Mudo (Ilha Porchat), na barra de S. Vicente, e se estendia por toda a costa do Sul até a Ilha do Mel, na barra do lagamar de Paranaguá, onde, como já ficou demonstrado, "estava posto o marco, mandado colocar ali pelo próprio d. João III", conforme afirma Pedro Taques.

Desses dois pontos da costa - da Ilha do Mudo em S. Vicente e da Ilha do Mel, em Paranaguá - partiam as respectivas linhas de divisas, em rumo do sertão, até as conquistas e domínios d'el-rei de Castela. Eram estas as divisas primitivas estabelecidas pelo Foral e confirmadas pelos "marcos de divisa" aos quais Pedro Taques se refere, conforme já ficou demonstrado pelo mapa - de 1790 - que vai no cap. XVIII desta narração.

Por este documento se vê que as divisas meridionais entre as donatarias litigiosas seriam, ao Norte da Ilha do Mel, ponto designado pela letra A, na barra de Paranaguá. É provável que mais tarde - após a colocação do marco -, quando a povoação de Paranaguá teve predicamento de vila - 1653 - ou mesmo depois - quando o marquês de Cascais criou a Capitania Hereditária de Paranaguá, estas divisas fossem alteradas. (Vide Villa de Paranaguá, cap. VI do vol. I - Capitania de Itanhaém - do mesmo autor).

Em 1614 Diogo Unhate, morador da Vila de Santos, requeria e obtinha uma "Sesmaria de terras na parte desta costa do mar que se chama Paranaguá, a saber: começando da barra do rio que se chama Ararapira, cortando a rumo Nordeste pela costa do mar até a barra de Supiraguy, cortando, a rumo de Sudoeste, toda a terra que houver dentro destes dois rios, e duas léguas pelo mato dentro; e se estenderá esta data de terra - desde a ponta de Itaquacutiba, correndo Norte, até dar com o primeiro Rio Grande".

Ora, esta sesmaria de Diogo Unhate foi concedida pelo capitão Pedro Cubas, governador e ouvidor da Capitania de São Vicente, em 1º de junho de 1614, quando essa parte da costa estava ainda sob a sua jurisdição. A parte da donataria de Pedro Lopes, nessa época, denominava-se ainda Capitania de Santo Amaro e não se confundia com a Capitania de São Vicente.

Na parte, ou na seção setentrional, a jurisdição da Capitania de Itanhaém começava na foz do Rio Juqueriquerê (Curupacé), com o mesmo rumo do sertão, e se prolongava pela costa do Norte até a barra de Macaé, em Cabo Frio.

Parte litoral do Rio de Janeiro, Minas Gerais e toda essa imensa zona de sertão ainda despovoada e desconhecida estava então, muito legitimamente, dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém, como se verifica pelas provisões de seus donatários e loco-tenentes dando predicamento às respectivas vilas que, depois, aí se criaram, como Cabo Fio, Angra dos Reis, Parati, Caraguatatuba, Ubatuba e as vilas do planalto - Taubaté, Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Jacareí, S. José dos Campos etc., como consta do 1º volume da memória que se refere às fundações das ditas vilas, bem como da relação completa dos governadores da Capitania de Itanhaém.

Durante o período em que a vila de Itanhaém gozou das prerrogativas de Cabeça da Capitania dos herdeiros de Martim Afonso, foram igualmente criadas, na seção meridional, as vilas seguintes: Sorocaba, Iguape, Cananéia e mesmo a de Paranaguá, embora estivesse uma parte do território desta última povoação fora da dita jurisdição, conforme já ficou demonstrado na parte que trata dessa importante vila do litoral paulista.

Dizem alguns historiadores modernos, como já temos notado, que o título de Capitania dado á vila de Itanhaém foi um ilegalidade, pois estando esta vila dentro da donataria de S. Vicente, isto é, dentro da Capitania de Martim Afonso, não poderia adotar outro título que não fosse Capitania de S. Vicente.

Já demonstramos, em outro capítulo, a razão de ser deste título, com o qual se "condecorou", por mais de um século, a humilde povoação de Itanhaém. Já demonstramos, igualmente, a legalidade política desse título - Capitania de Itanhaém - bem como o título legal e indiscutível com que se denominam, dentro dessa mesma donataria de Martim Afonso, as "capitanias secundárias" de Minas Gerais, Rio de Janeiro e as demais - Mato Grosso e Goiás - que estavam também dentro da jurisdição da antiga Capitania de S. Vicente, então denominada Capitania de Itanhaém.

Nenhum dos historiadores, aos quis nos referimos, se lembrou, entretanto, de contestar o título de Capitania Régia dada ao Rio de Janeiro, a Minas Gerais, S. Paulo e Mato Grosso, como sendo um erro ou falsa interpretação dos antigos cronistas, o darem tal denominação, simplesmente por estarem tais capitanias dentro da donataria hereditária de Martim Afonso de Souza!

Quem seguir pari-passu todas as fases e detalhes deste litígio entre as duas donatarias, há de, forçosamente, notar a malícia, a maneira ardilosa pela qual agiram sempre os donatários da Capitania de Pero Lopes e os seus prepostos, para se apossarem da vila de S. Vicente, com o fim exclusivo de fazerem dessa primitiva povoação a Cabeça de sua acéfala Capitania de Santo Amaro. Hão de notar, igualmente, que, após essa posse, a fictícia Capitania de Santo Amaro deixa de ser oficialmente denominada por esse título, passando a se intitular oficialmente Capitania de S. Vicente.

É que os senhores de Monsanto e, depois, os de Cascais, não contentes em despojar os legítimos donatários da Capitania de S. Vicente, dessa importante zona da sua donataria, com as respectivas vilas, quiseram também usurpar-lhes o título. E o conseguiram de fato: pois, desde que tal posse se efetuou, definitivamente, o conde de Monsanto e os seus sucessores não mais denominaram a sua donataria senão com o título de Capitania de S. Vicente; pois é assim que ficou conhecida, não só a seção entre o Rio de S. Vicente e o Rio Juqueriquerê, como a outra, ao Sul, compreendida entre Paranaguá e Santa Catarina.

Esta ilegalidade jamais foi notada pelos cronistas e historiadores modernos. Foi, entretanto, essa arbitrariedade, assim praticada pelos donatários de Pero Lopes, que originou a confusão das jurisdições e as errôneas interpretações dos diversos historiadores, quando se propunham a estudar e descrever os fatos ocorridos, desta época em diante, entre as duas donatarias.

Daí se originou também a confusão dos ditos historiadores, e a má fé, ou malícia, em não quererem fazer distinção entre os governadores da Capitania de S. Vicente (donataria de Pero Lopes) e os governadores da Capitania de itanhaém (donataria de Martim Afonso), pelo fato de presumirem, ou pretenderem dar a entender que "Capitania de S. Vicente e Capitania de Itanhaém eram uma e a mesma coisa".

A condessa de Vimieiro, dando à antiga vila de Itanhaém o predicamento de Cabeça da Capitania, como diz Pedro Taques, não podia denominá-la com o título de Capitania de S. Vicente, porque nesse caso, como estamos vendo, seriam duas donatarias distintas conhecidas sob o mesmo nome.

Foi pois, por essa razão, isto é, com o fim de distinguir a jurisdição das duas capitanias, para evitar dúvidas futuras, que a condessa de Vimieiro mui sábia e criteriosamente deu à sua antiga vila, cuja fundação de povoado havia sido levada a efeito pelo próprio Martim Afonso, o título, aliás muito legítimo e legal, de Capitania de Itanhaém.

Pedro Taques, que escreveu a Historia da Capitania de S. Vicente, desde a sua fundação até 1710 (fim da terceira fase do litígio do qual nos estamos ocupando), não obstante a sua preocupação dominante, que era a "defesa dos direitos dos condes de Vimieiro", não deixa, entretanto, de claudicar, confundindo, às vezes, a Capitania de S. Vicente com a Capitania de Itanhaém, na terceira fase, embora reconheça - bem verdadeiro - o título desta última.

Fr. Gaspar da Madre de Deus, nas suas Memorias para Historia da Capitania de S. Vicente, depois de descrever a fundação da dita capitania, ocupa-se, na segunda parte do seu livro, da fundação da Capitania de Santo Amaro e das "contendas que houve sobre seus limites até a época em que passou à Coroa".

Não tratou o citado autor, senão acidentalmente, da Capitania de Itanhaém. Prometeu, entretanto, ocupar-se deste assunto no segundo volume de suas Memorias, obra essa, aliás, que (por motivos ignorados) não chegou a ser publicada.

Este ilustrado autor, a quem tanto deve a nossa História Paulista, não deixou também de ter alguns preconceitos contra os fastos da velha e humilde Vila de Itanhaém; pois, como se depreende de sua obra, os arquivos dessa vila, que por mais de um século serviu de sede à Capitania de Martim Afonso de Souza, como é aliás por ele confirmado, não lhe mereceram jamais as honras de uma consulta!

Vejamos, entretanto, o que diz o mesmo cronista vicentino ao referir-se à "usurpação" das terras, das vilas e do título da Capitania de S. Vicente, pelo conde de Monsanto:

"Vendo-se a condessa de Vimieiro esbulhada de S. Vicente, vila que sempre fora capital das cem léguas de Martim Afonso, e que o conde de Monsanto apossara-se não só desta, mas também das duas vilas, Santos e S. Paulo, ordenou que a de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém servisse de cabeça ao resto das terras que lhe davam obediência. Daquela novidade, e desta providência necessária, resultou aumentar-se a confusão e desordem; daí por diante não se deu a pessoa alguma o título de donatário de Santo Amaro, por não usarem dele os senhores da casa de Monsanto. - Os herdeiros de Martim Afonso nunca mais se nomearam donatários da Capitania de S. Vicente, como haviam feito seus antepassados até a morte de Lopo de Souza, e deste título usaram os sucessores de Pero Lopes de Souza, que antes se diziam donatários de Santo Amaro. Enfim, depois disto, chamaram Capitania de S. Vicente a tudo quanto dominava o conde, assim o próprio como o alheio, e Capitania de Itanhaém às terras subordinadas, primeiro à Casa dos Vimieiros e depois à Casa da Ilha do Príncipe, a quem se transferiu a propriedade das cem léguas, pelo casamento do conde Luiz Carneiro com d. Marianna de Faro e Souza, etc.".

O nosso intuito, finalmente, em bem apurar esta velha contenda, como diz fr. Gaspar, é restabelecer a verdade, a fim de que, uma vez por todas, fique estabelecido definitivamente que, de 6 de fevereiro de 1624 em diante, a jurisdição da Capitania de S. Vicente compõe-se apenas das terras doadas a Pero Lopes de Souza, nas duas seções do litoral, conforme ficou descrito; e a jurisdição da Capitania de Itanhaém compreende todas as terras doadas a Martim Afonso de Souza, do Rio Juqueriquerê a Macaé e da Barra de S. Vicente (Ilha Porchat) até a Barra de Paranaguá (Ilha do Mel).

A Capitania de S. Vicente, propriamente dita, a qual fora instituída por Martim Afonso de Souza, dominando as cem léguas de costa, deixou de existir, com esse título, desde os dias 6 e 7 de fevereiro de 1624, em que se deu posse, em S. Vicente, ao conde de Monsanto, o qual, por esse ato, usurpou não só a parte da Capitania de Martim Afonso, como também o seu título, como ficou provado.

Esta "terceira fase do litígio" entre as duas donatarias começa na data em que a condessa de Vimieiro foi esbulhada das suas vilas na Ilha de S. Vicente, e do dia em que ela deu, à Vila de Conceição, o título de Cabeça da Capitania de Itanhaém.

A condessa submeteu-se às injustiças das sentenças que a esbulhavam de uma boa parte de sua donataria e das suas vilas, mas não se deu totalmente por vencida e, não só ela, como os seus sucessores, na Capitania de Itanhaém, continuaram a pleitear a causa, como se verá nos capítulos seguintes.

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Topografia da Vila de São Vicente em 1852 - organizada por Benedicto Calixto em 1922

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Imagem: adorno da página 89 da obra