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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/08/04 14:34:29

Um bonde passou por aqui

Texto enviado a Novo Milênio/O Bonde pelo autor, prof. dr. José Jorge de Morais Zacharias, em 31/10/2003, lembrando os bondes da capital paulista:


Bonde trafegando no centro de São Paulo, cerca de 1940
Fotograma de filme exibido na novela Esperança, da Rede Globo de Televisão, em 15/2/2003

UM  BONDE  PASSOU  POR  AQUI

No início era um pequeno carro de seis bancos, que movia-se lentamente às custas de uma parelha de animais. A pequena vila ganhava o status de cidade! Ainda acanhada com vielas estreitas, sombreadas pelo casario em arco.
Um bonde passou por aqui...

Outubro de 1872, passou o primeiro bonde vindo do Carmo em direção à Luz. Outros vieram, Bom Retiro, Brás, Vila Mariana! A cidade crescia, e como um polvo estendia seus braços de trilhos por todos os lados.
Um bonde passou por aqui...

Luzes! A cidade acendeu, era a chegada da Light e das lâmpadas cintilantes. Surgiu o novo bonde, maior, mais rápido e elétrico, era o Barra Funda! Em maio de 1900 partiu do Largo de São Bento.
Um bonde passou por aqui...

Correndo pelos trilhos da Light, a cidade avançava ainda mais. Testemunha participante deste desenvolvimento, o bonde acompanhava o ritmo da urbe. Estávamos descobrindo o mundo! Levava o homem ao trabalho, nem sempre reconhecido. Trazia da escola a garotinha triste com sua nota. Embalava os sonhos dos que se amavam. Estribos, balaústres, sineta, tudo vibrava em sintonia com a vida dos que passavam!
Um bonde passou por aqui...

Lugar envolvente, no qual se podia confiar. Das idas para a escola, ou para o centro, era o cotidiano seguro e certo. Viajando de bonde eu pensava na vida, fazia planos de ser motorneiro quando adulto. Queria compreender melhor o bonde, dirigi-lo, apreender sua verdade mais íntima; e além disso, servir as pessoas com dedicação. Lá estava algo inabalável!
Um bonde passou por aqui...

A cidade cresceu demais e perdeu sua identidade. Eu também cresci e me perdi no torvelinho das paixões. Não há mais lugar para o bonde na cidade, alguém disse; nem para a paz em meu coração, eu percebi. Nos idos de 1968, ouve-se em Santo Amaro seu último gemido agonizante!
Hoje, olho para o asfalto gasto e vejo parte do trilho enterrado juntamente com meus sonhos, e com tristeza sei que um bonde passou por aqui...