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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Um manuscrito de Frei Gaspar

Historiador escreveu sobre o início de São Vicente e de Santos

Este texto foi publicado no livro Documentos Interessantes para A Historia e Costumes de S. Paulo - Vol. 44 - Diversos, Archivo do Estado de S. Paulo, Typ. Cardozo Filho & Comp., São Paulo/SP, 1915, páginas 79 a 96 do volume duplo 43/44 (mantida a grafia original do livro):


Folha-de-rosto da obra Documentos Interessantes...
      Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 14/2/2007. Exemplar no Arquivo do Estado de São Paulo

Fundação da Capitania de S. Vicente e acções de Martim Affonso de Souza [1]

..................................................................... o de Salvador do Valle; o de Jeronimo Leitão defronte do Tumbiarú [2]; o de S. Sebastião na Barra Grande; o de Nossa Senhora da Apresentação; o de Bartolomeu Antunes na ilha de Guaybe e o dos Guerras no Cubatão [3].

Nesse tempo uma arroba de assucar, do fino e bom, vendia-se a cruzado e um alqueire de arroz em casca, não pilado, a 50 reis. Assim mesmo fazia-lhes conta plantar canna e arroz, hoje sómente um lavrador, senhor de engenho, faz assucar e poucos são os que moem para aguardente.

Quando eu era menino nunca se vendia a medida da dita aguardente por menos de ......20 e feita aconta pelas medidas que levam as pipas custava cada uma dellas 80$000, e comtudo não passavam de cinco ou seis os lavradores que faziam alguns barris, razão pela qual toda a necessaria vinha de fora, e ainda hoje succede o mesmo por ser dominante a preguiça nas villas de Santos e de S. Vicente.

Devo confessar que os engenhos se foram acabando ao mesmo passo que os carijós da costa [4] se foram extinguindo ou se retirando para os sertões e os moradores destas villas não tiveram onde ir captivar indios que trabalhassem.

Não se contentando os povoadores só com os retalhos da ilha de S. Vicente pediram datas na terra firme e Martim Affonso concedeu varias sesmarias quando cá esteve, e ao depois seus loco-tenentes passaram sesmarias de todo o terreno contiguo ao lagamar e tambem da ilha de Santo Amaro [5].

Dadas por este modo todas as terras da capitania de S. Vicente [6], mais proximas á povoação, resolveram-se os moradores de Santos, alguns annos depois da morte de Pedro Lopes a entrar pelas 10 leguas da capitania de Santo Amaro, situadas entre os rios Bertioga e Corupacé e pediram datas na costa que vae da Bertioga para S. Sebastião [7].

Todos pediram muito em ambas as capitanias; alguns aproveitaram pouco e outros nada, e assim ficou a Marinha toda ocupada, mas não bem povoada. Os moradores de Santos foram os primeiros povoadores das terras de Pedro Lopes e não gente que elle mandasse para esse effeito, e a razão ponderada é terem pedido sesmarias naquellas 10 leguas só depois de estar tudo cheio nas ilhas e sua visinhança; foi este o motivo de se conservar tantos annos sem morador a capitania de Santo Amaro.

Não se contentou Martim Affonso com examinar as terras de beira-mar, quiz ver tambem o sertão e, guiado por João Ramalho, subiu aos campos de Piratininga pelo caminho de Piaçaguera Velha, de Santos. Para isso entrou pelo rio do cubatão geral e foi desembarcar no pouso das Armadias, a que elle deu o nome de "Porto de Santa Cruz".

Este porto fica na data de Francisco Pinto, em terras que ao depois foram dos jesuitas do collegio de Santos. Em chegando ao cume da serra forçosamente havia Martim Affonso de fazer perfeita e completa idéa das aguas a que elle, por engano, appellidava "Rio de S. Vicente", porque de lá se avistava muita parte do mar grosso, a costa, as ilhas de S. Vicente e Santo Amaro, com todos os canaes que as rodeam.

Não ha prospecto mais delicioso do que este para quem sobe ou desce, porem raras vezes é apreciavel por causa das nuvens, numes ordinarios daquellas eminencias, as quaes impedem a vista de tudo quanto fica abaixo dellas. Dalli se conhece que o rio de S. Vicente é uma porção de mar que entra por tres boccas, a que chamamos "Barras da Bertioga de Santos e de S. Vicente", e dentro se reparte em canaes innumeraveis, todos contiguos entre si, mas entresachados de infinitas ilhas, lameirões ou ilhas cobertas de mangues sempre verdes e povoadas de caranguejos e mariscos, differentes em suas especies e sem numero os individuos de cada uma dellas. Este objecto, visto ao longe de cima das serras, representa um jardim amenissimo, no qual as aguas formam as ruas e os mangues os canteiros.

Atravessando estas serras, muito altas e summamente excabrosas, as quaes se vão principiar quando as julgam acabadas, por servirem de base de umas os fastigios de outras, e depois de passar um caminho talvez o peor que ha em todo o mundo, chegou Martim Affonso aos alegres campos de Piratininga, onde foi hospede de Tebyriçá e bem recebido dos guayanazes [8]. Aqui assignou a sesmaria de Pedro de Goes aos 10 de Outubro de 1532.

Tornou para S. Vicente e foi explorar o resto da costa até o Rio da Prata [9], levantando por toda ella muitos padrões, hoje occultos á nossa memoria e que poderão descobrir-se pelo tempo adeante. O primeiro collocou defronte da ilha a que hoje chamam de Cananéa, em outra que se diz do Cardoso; este foi achado pelo coronel Affonso Botelho de Sampaio e Souza [10] aos 16 de Janeiro de 1767, quando examinava aquelle terreno com o intuito de fortificar a barra. Elle mesmo refere este descobrimento no Diario do muito que se desenvolveu ela costa e sertão de Curytiba no serviço real, dizendo:

"Achou que na ponta chamada Itacuruçá, que fica direito aos Moleques, era o melhor logar de poder fortificar aquella barra, e examinando mais a dita paragem, na ponta que vira para o mar, achou um marco de seixo, de 5 palmos de alto, 2 de largo e 1 de grosso, e mostra ainda que já comido das aguas salgadas, na frente que vira para o mar, as armas antigas de Portugal e por cima uma cruz. Chama-se o sitio, onde está, Itacuruçá, que quer dizer na lingua da terra 'cruz de pedra'."

Na altura de 30.º entrou por um rio que ficou chamando-se de Martim Affonso e é fama constante que levantou outro marco na ilha dos Lobos.

Todos os nossos auctores concordam em que elle descobriu a costa meridional até ao Rio da Prata, mas discrepam entre si a respeito do tempo em que fez a viagem. Vasconcellos diz que Martim Affonso de Souza, vindo do reino, aportára em S. Vicente e dalli fôra logo correndo a costa até ao Rio da Prata e que feita essa diligencia, voltando outra vez para a sua capitania, começára a povoal-a. Pelo contrario, Jaboatão, segundo um manuscripto antigo, põe alguns annos primeiro a fundação de S. Vicente e depois desta a viagem ao Rio da Prata; accrescenta que dando-se El-Rei por mal servido não correr logo a costa como lhe havia ordenado, o mandára voltar á Corte e o despachára para a India com o cargo de capitão-mór dos mares do Oriente (pag. 37, nº 49).

A noticia do manuscripto, quanto ao que diz que fundou a villa antes de ir explorar a costa, me parece mais racionavel, porque não se deve presumir que Martim Affonso quizesse arriscar sem necessidade a gente que não era de guerra e que tinha vindo com o destino de cultivar a terra, expondo-a aos riscos das contingencias de navegação tão perigosa como a do Rio da Prata, a qual ainda hoje mette medo pelos naufragios que nella se experimentam frequentemente.

(Não eram tantas as embarcações da esquadra para o commandante se privar de uma que levasse noticias suas a Portugal, nem cabia no tempo de dous annos incompletos, que elle se demorou no Brazil, chegar aqui, escolher logar para a fundação da villa, dar principio a ella, despachar navios para o reino e voltarem estes) [11].

Martim Affonso sómente se demorou no Brazil dous annos incompletos e não os que suppõe o manuscripto e demais o despacho de capitão-mór dos mares do Oriente dava-se por grande mercê aos vassallos que haviam bem servido e não por castigo aos transgressores das ordens regias.

Constando-lhe, por informações adquiridas quando esteve em Cananéa, que naquella paragem havia ouro, em se recolhendo para S. Vicente logo despachou 80 homens que fossem examinar essas minas. Não foi bem succedida a expedição, porque os indios carijós mataram a todos os enviados. Muito sentiu o donatario esta derrota e se dispunha a ir castigar os aggressores, o que não fez por lhe chegar ordem de El-Rei D. João III que o chamava para a Corte sem perda de tempo pela necessidade que tinha de sua pessoa para a empregar no seu serviço nos mares da Asia.

Aprestou-se com brevidade e voltou ao reino no ano de 1533 e em Março do seguinte de 1534 sahiu de Lisboa para a India, com o cargo de capitão-mór, em que obrou proezas que eternizarão a sua gloria; porem antes de partir de S. Vicente ordenou que se fizesse guerra aos carijós e para capitães della nomeou os fidalgos Ruy Pinto e Pedro de Goes. Esta noticia é certa e consta de um requerimento que os povos de Santos e S. Paulo apresentaram ao capitão-mór Jeronimo Leitão, no ano de 1585, para o effeito de se declarar guerra aos ditos carijós, o qual requerimento se acha no archivo da Camara de S. Paulo, livro de 1585 até 1586, pag. 12 verso. Agora ouçamos uma historia [12] similhante á do hirco-cervo, ente chimerico que os logicos antigos compunham de dous corpos verdadeiros.

Pelos anos de 1532 a 1535 reparou o castelhano Ruy Mouchera a torre do Espirito Santo que Gaboto levantára na bocca do rio a que os hespanhoes chamaram "terceiro", 30 leguas distantes de Buenos Aires [13], a qual os indios antecedentemente haviam arruinado. Ahi se alojou; mas, desesperado finalmente de poder resistir com successo aos ataques dos barbaros comarcãos, embarcou-se com a sua tropa em uma embarcação pequena que ainda conservava e desceu pelo rio abaixo até ao mar.

Seguiu a rumo de norte; descobriu um porto commodo na latitude de 32º (note-se esta altura) [14]entrou nelle e erigiu uma pequena fortaleza. Construhiu elle amizade com os naturaes e semeou um terreno que julgou ser fertil. Poucos dias depois de ahi estar veiu unir-se com elle Duarte Peres, cavalheiro portuguez, que naquella visinhança estava degredado e trouxe a sua família.

Não era passado muito tempo e chegou um enviado do capitão general do Brazil com ordem a Duarte Peres para voltar ao seu desterro e recado a Mouchera para que desse juramento de fidedlidade a El-Rei de Portugal, a quem pertencia aquella terra, se nella queria residir. Peres obedeceu e Mouchera se excusou, respondendo sómente que a divisão da America ainda não estava regulada entre Suas Magestades Fidelissima e Catholica e que emquanto se não fizesse a divisão havia de sustentar o posto onde se achava. Logo previu a consequencia desta resposta e estava resolvido a se defender; mas, faltando-lhe para isso as armas necessarias, um accidente favoravel abriu o caminho por onde as conseguisse: Por acaso chegou um navio francez á ilha de Cananéa, fronteira á sua fortaleza; aproveitando occasião tão opportuna embarcou Mouchera a sua tropa e auxiliado por 200 indios navegou de noute para o navio em dous bateis e o rendeu. Desarmada a sua equipagem, conduziu para a sua fortaleza as munições e quatro peças de artilharia.

Cavalgou-as no seu forte, ao qual accrescentou mais alguns entrincheiramentos, e depois de alguns dias avisaram-n'o que um corpo consideravel de portuguezes vinha por mar atacal-o. Poz-se em defensa e parte da sua gente mandou emboscar na matta, junto á praça; os portuguezes eram 80, seguidos de um exercito de indios, mas davam por certa a victoria e augmentou-se a sua esperança quando viram que ninguem se oppunha ao seu desembarque. Caminharam sem susto e atravessaram o bosque, mas em sahindo fora delle e avistando a fortaleza, entrou esta a disparar a artilharia. Ao mesmo tempo assaltou-os pela rectaguarda a gente da emboscada, e como não esperavam ser carregados por essa parte, nem suppunham que o inimigo tinha peças de artilharia, encheram-se de terror os indios e o medo se communicou aos portuguezes. Desparziram-se e os que escaparam do canhão foram passados á espada, excepto alguns que fugiram.

Não satisfeito Mouchera com esta victoria, procurou maior despique: fez embarcar os seus valentes e mais alguns indios nas embarcações em que vieram os portuguezes e navegou para S. Vicente. Deu assalto a esta villa e depois de rendida saqueou-a e os armazens do Rei, tudo com tanta facilidade que os portuguezes ficaram aborrecendo o seu general e se uniram ao castelhano contra elle.

Bem sabia Mouchera que os seus bons successos, muito longe de lhe assegurarem permanente residencia nessa villa, haviam de servir de estimulo para vir sobre elle todo o poder do Brazil e, não se achando com forças bastantes para lhe resistir, embarcou a sua pequena colonia e foi se alojar na ilha de Santa Catharina, onde assentava que não haviam de o hostilizar os portuguezes. Não se demorou muito nesse logar e chegou a Buenos Aires em 1537, com a sua colonia e algumas familias de indios que o acompanharam.

Eis-aqui a chimera do jesuita francez, escripta, segundo eu supponho, por informações dos seus socios residentes na provincia do Paraguay, inimigos declarados da capitania de S. Vicente pelos estragos que nas suas Missões executaram os paulistas, - chimera a meu ver composta de dous casos verdadeiros que o auctor refere como successivos, sendo que entre um e outro medearam alguns annos. Para se conhecer a pouca exacção de Charlevoix e tambem a verdade, é-me necessario fazer algumas advertencias ao leitor.

Diz o padre Charlevoix que Mosquera entrara por um porto que estava na latitude de 32º; logo mais adeante conta que o navio francez surgira em Cananéa defronte da torre de Moschera [15]. Para isto ser verdade era necessario que a ilha voasse do seu logar e fosse esperar os francezes na barra do Rio Grande de S. Pedro porque na latitude de 32º demora o dito Rio Grande e não a ilha de Cananéa, situada na altura de 25º 13'. Quem se expõe a não ser convencido de falso, com demonstração mathematica, tem licença para escrever quanto quizer.

Elle suppõe que a derrota dos 80 portuguezes aconteceu não muito depois do anno de 1530 e os 80 homens que os carijós mataram foram enviados por Martim Affonso em busca de minas no principio de 1533. Que se infere daqui senão que o auctor ou quem lhe deu as informações revestiu o caso de circunstancias falsas e contou-o como lhe parecia mais glorioso ao seu nacional? E pode ser que tambem se urdisse a tramoia com o fim de mostrar que a posse dos castelhanos nas terras controvertidas do Brasil antecedem á nossa, dos portuguezes.

O degredo de Duarte Peres para a terra de barbaros, onde não residiam portuguezes, foi muito mal considerado; se Charlevoix advertira que ninguem manda degredados para dominios extrangeiros, logo havia de conhecer que o enganava quem lhe participou a novidade, e menos havia de acreditar que o governador geral passára ordens a um criminoso morador em logar isento da sua jurisdicção. O mais que daqui se pode suspeitar é que Moschera, tendo dado á costa, ficou morando entre os carijós e que não só os provocou a tirarem a vida aos descobridores do ouro, mas tambem dispoz a emboscada, fazendo nesta occasião o mesmo que depois executou outro castelhano na era de 1554 contra os veneraveis jesuitas Pedro Correa e João de Souza, aos quaes martyrizaram os proprios carijós induzidos por este máo homem [16]. Em 1550 descobre hespanhóes naufragantes na terra dos patos[17]  e tambem na dos tupis de Cananéa; delles faz menção a Chronica da Companhia de Jesus.

O francez, no logar onde conta as façanhas de Moschera (tom. I, ....[18] ..... até 52, annos de 1530 até 1535), não declara o nome do governador geral a quem o castelhano derrotou com tanta facilidade, talvez receoso de que ninguem lhe désse credito se especificasse o nome de Martim Affonso, heróe tão conhecido no mundo por suas gloriosas victorias. Bastaria ouvir falar em Martim Affonso para tremer de medo o pobre Moschera, principalmente em tempo que toda a sua armada estava surta na barra por onde havia de entrar o inimigo.

Que armazens podia ter El-Rei em S. Vicente quando aqui assistiu o seu primeiro donatario, se a povoação ainda não contava dous annos de idade e a fazenda real não havia concorrido para ella com cousa alguma? Porque a rebellião dos moradores para se unirem a Moschera contra o seu governador, e governador tal como Martim Affonso, a quem haviam acompanhado tanto por seu gosto, sem coacção de pessoa alguma?

O auctor ignorava a nobreza dos moradores de S. Vicente, pois se soubera quantos nobres e fidalgos assistiam na povoação não teria a leveza de escrever que gente desta categoria se uniu a um extrangeiro, particular e desconhecido, que estava para fugir; nem lhe era necessario advertir que todos eram portuguezes para se abster de informar com calumnia tão grosseira ao povo de S. Vicente. Eu decifro já o enigma:

Ao famoso indio Tebyriçá, soberano dos guayanazes, deram no baptismo o nome de Martim Affonso por ser esse o proprio do donatario. Pelos anos de 1562 conspiraram contra os portuguezes todos os indios nossos vizinhos [19], e tambem a maior parte dos guayanazes, aggravados das insolencias que os nossos lhes haviam feito, entraram no numero dos conspiradores; só Martim Affonso Tebyriçá e algumas aldêas mais vizinhas, a elle sujeitas immediatamente, se conservaram firmes na amizade aos portuguezes.

Por mais diligencias que fizeram os seus nunca conseguiram separar a este Principe da nossa alliança, razão por que até um seu irmão e sobrinho o desampararam [20], se uniram aos contrarios e o cercaram em S. Paulo; mas, valoroso cacique, teve a gloria de derrotar, com poucos soldados, a uma immensidade de barbaros, que deixaram o campo cheio de corpos mortos e alagado em sangue, retirando um com vida e em vergonhosa fugida só uma limitada porção do seu exercito.

Este caso, porém viciado, chegou á noticia dos jesuitas no sertão do Paraguay, que informaram a Charlevoix, os quaes, por ignorarem que houve dous Martins Affonsos, um portuguez e outro guayanaz, assentaram que a rebellião fôra de portuguezes contra Martim Affonso, o donatario, a quem elles por erro suppunham governador geral do Brasil [21]. Agora a razão que teve o impostor para se lembrar de Moschera e introduzil-o a fazer seu papel na fabula, não a posso eu adivinhar, porque não sei se ficou morando com os indios e solicitou a guerra geral contra os portuguezes.

Este é um juizo; s e penso mal, não importa, pois em tal caso o unico remedio será negar redondamente que Moschera saqueasse S. Vicente. A verdade in concussa é que nem esta villa, nem a de Santos foram em tempo algum assaltadas, nem por indios, nem por europêos, senão uma unica vez em que corsarios inglezes saltaram em S. Vicente sem serem sentidos, estando a gente na igreja, e roubaram acceleradamente tudo quanto puderam.

Os brincos das mulheres arrancaram com parte das orelhas por não quererem gastar tempo em abril-os, e logo por terra marcharam para Santos, onde commetteram insultos da mesma qualidade, por culpa de um mensageiro que de S. Vicente fôra despachado para essa villa com a noticia da entrada daquelles ladrões, o qual, passando pela capella da Graça em tempo que ia um sacerdote para o altar, entrou a ouvir missa por ser dia santo, e a demora que elle teve em assistir ao sacrificio bastou para chegar o inimigo antes de se ter noticia na povoação de que elle vinha. Nesse tempo não passava a villa do convento do Carmo e era matto tudo o que vae da Graça ao dito convento. Foram saqueadas as duas villas pelos anos de [22]...

Entre as noticias falsas communicadas pelos auctores lemos que Martim Affonso, quando aqui esteve, fundou as quatro villas principaes da sua capitania, a saber: S. Vicente, Santos, S. Paulo e Conceição de Itanhaen. Enganaram-se, porque a de S. Vicente é a unica que tem a gloria de ser fundação sua; as outras nasceram depois delle se retirar para a Europa.

A primeira depois de S. Vicente foi a do porto de Santos, que chegou a ser villa por ter sido porto [23]. A villa de Santos gosa de maior antiguidade do que as tres mencionadas [24] e comtudo o seu terreno era matto virgem nesse tempo da ausencia do primeiro donatario. Ella teve principio na data de Paschoal Fernandes e Domingos Pires, dous socios que pediram terras em Engaguaçú, principiando na quebrada que fazem os outeiros de Monteserrate e S. Jeronimo, pelo ribeiro que ahi nasce e deste ribeiro para a banda de nascente até á ilha de Santo Amaro. Hoje occupa a villa tambem parte da data de Antão Nunes, a qual começava na mesma quebrada e villa de S. Vicente e corria para a banda de Nossa Senhora da Graça.

Esta segunda data de Antão Nunes passou ao mestre Bartholomeu, um ferreiro que Martim Affonso trouxe assalariado por dous annos para fazer as obras necessarias, e do mestre Bartholomeu a varios donos. Nella comprehende as ruas do Porto das Canoas, da Graça, de S. Francisco, dos Cortumes, do Vallongo e tudo quanto fica entre o mencionado ribeiro de S. Jeronimo e o outeiro da Penha, onde hoje está a casa da Polvora.

A carta de data dos dous socios foi passada por Antonio de Oliveira no 1º de Setembro de 1539. Antes disso elles tinham roças e moravam juntos em uma casa perto da ponte de S. Jeronimo, da outra banda do riacho, no principio das terras que pediram. Depois de concedidas as sesmarias dividiram entre si as terras e apartaram-se, ficando Domingos Pires na casa que já tinham e indo Paschoal Fernandes situar-se entre o Rio Salgado e o morrinho de Santa Catharina, onde fez porto para seu uso e tambem abriu um caminho que vinha do seu porto até chegar ao outro, por onde elle, seu amigo Paschoal Fernandes e Antão Nunes iam para S. Vicente.

Este caminho atravessava o ribeiro de S. Jeronimo e ia pela quebrada de Monteserrate sahir da outra banda dos morros e é o mesmo por onde se vae para Jabaquara. O outro caminho de S. Vicente, por onde agora andam todos, ainda não havia nesse tempo e foi aberto por Pedro Rose [25], administrador do engenho de S. Jorge, muitos annos depois de ser villa o porto de Santos. Tudo isto consta de documentos antigos.

Depois que Domingos Pires fez porto no logar sobredito e houve caminho desse porto para S. Vicente entraram a servir-se delle todos os moradores que tinham fazendas defronte de Engaguaçú. Os navios até esse tempo ancoravam na barra grande, abaixo do rio de Santo Amaro, defronte do logar onde se levantou a estacada da praia do Castro. Deste logar sahia para S. Vicente uma estrada que passava primeiro pela praia do Baré e depois pela de Tararé. As fazendas mais leves conduziam-se por este caminho, unico que então havia, e as mais pesadas iam embarcadas. Por mar podiam ir pela barra grande fora a entrar pela de São Vicente; mas, como as embarcações eram canoas a para ellas era perigoso o transito da barra, ordinariamente rodeavam a ilha de S. Vicente e iam alijar a carga no porto de Tumbiarú.

Paschoal Fernandes e seu companheiro Domingos PIres, no anno de 1539, pediram as terras de Engaguaçú que vão correndo, pela quebrada dos dous outeiros de S. Jeronimo e Monteserrate, para a banda de ilha de Santo Amaro ou nascente. Um dos socios fez a sua casa junto ao outeiro de Santa Catharina, perto do rio, e ambos abriram para sua serventia um caminho que principiava junto a Santa Catharina e ia pela dita quebrada para a villa [26]; da outra banda do rio, defronte de Engaguaçú, estavam fazendas grandes de alguns fidalgos.

A primeira, defronte de Santa Catharina, era a de Braz Cubas e na sua data se incluia a ilha fronteira á villa de Santos, a que chamam dos "Padres" por ter sido dos jesuitas. Seguia-se o engenho de Pedro de Goes, que partia com Braz Cubas pelo rio Jarubatiba e logo adeante estavam as fazendas de Ruy Pinto, Francisco Pinto e Antonio Rodrigues de Almeida. Todos estes entraram a servir-se do caminho dos dois socios por lhe ser mais commodo e o mesmo faziam todos os moradores de Santo Amaro, onde assistia Jorge Ferreira, tambem fidalgo [27], José Adorno [28] e outros moradores dos principaes.

Por este modo em breve tempo ficou muito frequentada a estrada de Engaguaçú para a villa. Tambem os navios mudaram de porto e não ancoravam mais na bocca da barra, como faziam no principio, e vieram lançar ferro mais acima, defronte de Santa Catharina, por ser dalli mais breve a navegação das cargas para Tumbiarú. Desse tempo por deante deram o nome de "Porto" ao dito logar contiguo ao outeiro de Santa Catharina. O commercio foi conduzindo moradores para esse sitio e brevemente se formou nelle uma povoação consideravel que ainda conservava o nome de "Porto".

Braz Cubas comprou a data dos dous socios e fomentou a povoação. Muito padeciam os mareantes nas suas enfermidades pela razão de que, ficando longe a villa e os capitães obrigados a morar no porto para terem á vista os navios, não eram bem assistidos os enfermos. Para soccorrer a esses miseraveis resolveram-se os moradores mais caritativos a crear a irmandade da Misericordia e a edificar um hospital onde se curasse a gente do mar e junto a elle uma egreja, com irmandade de Nossa Senhora da Misericordia. O dito Braz Cubas foi o auctor principal desta obra de caridade e fez-se o hospital, a que deram o titulo de "Santos", como tem o de Lisboa. Depois de ter existencia o hospital entraram a dar á povoação o nome de "Porto de Santos", porto pela razão já dita de se desembarcar nessa paragem tudo o que vinha de fora para S. Vicente e de Santos por ser este o titulo do referido hospital.

Como esta povoação ficava mais proxima ás fazendas de tantos homens nobres, que as tinham da outra banda do rio e na ilha de Santo Amaro, vendo elles feita a egreja da Misericordia, solicitaram e conseguiram que a freguezia de S. Vicente se repartisse em duas, e á nova de Santos ficou servindo de Matriz a egreja da Misericordia. Elles mesmos procuravam tambem que a povoação gosasse dos privilegios de villa e tivesse Senado da Camara.

Emquanto não foi villa os camaristas de S. Vicente nomeavam juizes espadaneos que aqui assistissem; e porque o ultimo que se descobriu nos livros de S. Vicente é .... [29] .... creado em 1...., assenta-se com solido fundamento que nesse anno subiu a povoação ao predicamento de villa, com o mesmo titulo que sempre teve e ainda hoje conserva de "Porto de Santos". Não posso assignar o dia certo em que principiou a gosar desse foro, parece ser indubitavel que entre os dias .... [30].....

No archivo da Camara de Santos não se acham noticias antigas por culpa e negligencia dos juizes e officiaes, que deixavam perder muitos livros e por isso não consta a época da sua fundação [31]. O pelourinho da villa engana a quem o vê e a sepultura de Braz Cubas confunde aos leitores [32]. No pelourinho abriram com pouca advertencia um lettreiro que diz [33]...................................................

Cuidam os ignorantes que a villa de Santos teve principio no referido anno de ..... [34].... por verem que o pelourinho se levantou nesse tempo; mas não é esse o verdadeiro sentido das lettras, as quaes querem dizer que o pelourinho actual não está no logar onde outrora estava. Antes deste houve outro mais antigo e seu logar foi na casa do Trem, entre o mar e o outeirinho de Santa Catharina. Cahiu depois que a villa se foi estendendo para a banda da serra de S. Paulo, e ficou deserto onde ella havia principiado com melhor eleição do que a dos modernos, que, devendo caminhar para a nascente, onde as casas ficariam mais desafogadas, vieram se metter entre morros que assombram a povoação e embargam os ventos frescos.

O epitaphio de Braz Cubas não tem os pontos e virgulas, donde resulta não se saber se a conta dos annos pertence á dicção antecedente ou á subsequente. Elle é deste teôr:

"S.ª de Braz Cubas, Cavalleiro Fidalgo da Casa de S. Mag. Fundou, e fez esta villa, sendo Capitão, e caza de Misericordia ano de 1543 descobrio ouro, e metaes ano de 60 fez Fortaleza por mandado d El Rey D. João 3. Falecceo no anno de 1592 a".

(N.E.: há grande controvérsia sobre o ano do citado falecimento, cujo último dígito aparece em documento da época como sendo [159z a.]. O "a." significa ano, e o "z", grafado de forma bem diferente dos demais algarismos dessa data, aparentemente substitui o último dígito, que estaria ilegível já na época dessa cópia).

Assento que a era de 1543 somente indica o anno da fundação da egreja e não o da villa, pois de outra sorte seria implicatoria a noticia do epitaphio. Este assegura que Braz Cubas fundou a villa sendo capitão; logo não a fundou em 1543, porquanto Braz Cubas tomou posse aos 8 de Junho de 1545 e se Antonio de Oliveira, que lhe succedeu, apresentou a sua patente na Camara de S. Vicente aos 27 de Maio de 1749, segue-se pois que Braz Cubas fundou a villa no tempo do seu governo, que não podia ser senão depois de 8 de Junho de 1545 e antes de 27 de Maio de 1547, e não conforme ao epitaphio [35].
 

Consta por outros documentos mais certos que Santos ainda era villa aos 23 de Abril de 1546, porque nesse dia fez Domingos Pires escriptura de quitação a Antonio da Perna e o tabellião declarou que a escrevia na povoação do Porto de Santos, termo da villa de S. Vicente; porem no cartorio da Provedoria, entre os registos das sesmarias, acha-se copiada uma escriptura lavrada no Porto da Villa de Santos aos 3 de Janeiro de 1547 pelo tabellião Luiz da Costa [36]...............


Notas (N.E.: a numeração, originalmente por página, foi aqui unificada):
 

[1] Falta o começo deste manuscripto, que é da penna de Frei Gaspar da Madre de Deos e forma o esqueleto das suas Memorias para a historia da Capitania de S. Vicente. O primeiro titulo daquellas Memorias era "Fundação da Capitania de S. Vicente e acções de Martim Affonso de Souza"; porem foi mudado para o actual titulo por ordem da Academia Real das Sciencias, de Lisboa, como uma das condições para ser publicada na imprensa regia.
 

[2] Foi capitão-môr de S. Vicente por muitos annos e serviu por nomeação de Pedro Lopes de Souza, filho de Martim Affonso e 2º donatario de S. Vicente; o seu governo durou de 1579 a 1592.
 

[3] Os Guerras eram uma família importante de Santos. O sertanejo Domingos de Brito Peixoto foi genro de Francisco Rodrigues da Guerra.
 

[4] Carijós aqui é um nome generico, synonymo de indio. Os verdadeiros carijós residiam de Iguape para o sul, ao longo da costa e em Santos e S. Vicente havia os tupinikins.
 

[5] A divisa entre as donatarias de S. Vicente e de Santo Amaro era pela barra grande de Santos, pelo que se infere deste trecho, ficando a ilha de Santo Amaro para a segunda destas donatarias.
 

[6] Entenda-se "donataria de S. Vicente", denominação que exprime melhor o facto historico e a circumscripção geographica.
 

[7] Pedro Lopes, donatario de Santo Amaro e irmão de Martim Affonso, falleceu em 1542. Sua viuva, D. Isabel de Gamboa, nomeou seu procurador para governar a donataria de Santo Amaro a Christovam de Aguiar que já era governador da donataria de S. Vicente. Podia este, portanto, conceder terras em ambas as donatarias e nada ha a extranhar que o povo de Santos fosse povoar a donataria de Santo Amaro. Mais tarde, em 1557, a mesma D. Isabel de Gamboa constituiu seu loco-tenente ao illustre Antonio Rodrigues de Almeida para reger a donataria de Santo Amaro; este cá veiu, mas não achando onde residir por ser a donataria ainda um sertão, estabeleceu-se em S. Vicente e dalli dava sesmarias nas terras sobre as quaes tinha jurisdicção.
 

[8] A theoria de que os indios guayanazes eram tupis está hoje muito abalada, dando-se elles como tapuyas. Teberiçá era tupi e não podia ser guayanas.
 

[9] Os historiadores em geral dizem que Martim Affonso esteve em S. Vicente de volta do Rio da Prata e aqui se diz o contrario, que depois da fundação de S. Vicente foi que Martim Affonso desceu ao Rio da Prata.
 

[10] Era parente do capitão general D. Luiz Antonio de Souza Botelho e delegado deste no governo militar de Paranaguá e Curytiba, depois muito perseguido por Martim Lopes.
 

[11] Este parenthesis está inutilisado no original, mas vae aqui reproduzido para completar e esclarecer o pensamento de Fr. Gaspar.
 

[12] O manuscripto aqui traz em entre-linhas a palavra "Charlevoix", dando a entender que esta historia, similhante á do hirco-cervo, foi inventada e propalada pelo frade jesuita Charlevoix.
 

[13] A distancia "30 leguas" está escripta de modo que tanto pode ser 30 como 300.
 

[14] Esta latitude é approximadamente a da Barra do Rio Grande do Sul, quando a barra de Cananéa está a 25º de latitude mais ou menos.
 

[15] Primeiro se escreveu "Mouchera", depois "Mosquera" e agora "Moschera", sendo estas ultimas variações do proprio Frei Gaspar.
 

[16] Pedro Correa, João de Souza e outro companheiro foram mortos pelos carijós. Diz Vasconcellos, na sua Chronica, que os carijós foram açulados por hespanhóes residentes entre elles, sem dizer os seus nomes.
 

[17] Aqui o pensamento está mal expresso e obscuro; parece que é Charlevoix quem descobre hespanhóes naufragantes entre os carijós dos patos, em Santa Catharina.
 

[18] Aqui devia estar o numero do paragrapho, porem está mal escripto e illegivel. O francez mencionado é ainda Charlevoix.
 

[19] A expressão está generalizada demais: a conspiração foi contra os portuguezes de S. Paulo sómente e não contra os de Santos e S. Vicente.
 

[20] Pretendem alguns chronistas que o irmão era Araray e o sobrinho Cayubi. Azevedo Marques confunde Cayubi com i>Piquiroby, dizendo que o primeiro foi o sogro de Antonio Rodrigues, e outros suppõem que são dois appelidos da mesma pessoa.
 

[21] O padre Charlevoix nasceu em 1682, isto é, 120 annos depois do assalto dado á villa de S. Paulo pelos indios confederados, e falleceu em 1761, quasi dois seculos depois desse assalto; teve, portanto, muito tempo para ser bem informado sobre o que aqui se passou, tanto mais que era jesuita e devia conhecer melhor Anchieta e os frades do collegio de S. Paulo, amigos de Tebyriçá e seus sustentaculos naquella lucta contra os indios.
 

[22] O algarismo do anno não foi escripto, estando o seu logar em branco, mas deve ser 1583 segundo dizem Machado de Oliveira e outros.
 

[23] Esta expressão está obscura; parece que o auctor quiz dizer que, apenas fundada, a povoação de Santos se tornou logo villa por ser porto melhor e mais concorrido do que S. Vicente.
 

[24] As tres villas mencionadas são Santos, S. Paulo e Itanhaen. A categoria de villa foi dada a S. Vicente desde a sua fundação em 1532; Santos foi elevada á villa em 1545, S. Paulo em 1560 e Itanhaen em 1561. Santo André da Borda do Campo foi feita villa em 1553, mas desappareceu logo depois da elevação de S. Paulo á villa.
 

[25] Este nome está mal escripto e pode ser "Pedro Roser"; o engenho de S. Jorge, segundo o mesmo Frei Gaspar, foi construído por Martim Affonso, de sociedade com alguns dos seus companheiros e tomou o nome de "S. Jorge dos Erasmos" porque um dos socios era Jorge Erasmo Scheter, extrangeiro; o administrador Pedro Rose tambem era extrangeiro, allemão ou hollandez.
 

[26] Aqui ha repetição do que já foi dito de outro modo mais acima, mas reproduzimos tudo para não truncar o documento e mesmo porque quod abundat non nocet. (N.E.: latim - o que abunda não prejudica)
 

[27] Era genro de João Ramalho e governou a donataria por duas vezes, de 1556 a 1558 e de 1567 a 1571, sendo a primeira com poderes do governador geral Duarte da Costa e a segunda com poderes delegados pelo donatario.
 

[28] Povoador vindo na companhia de Martim Affonso, que lhe fez doação de terras em que se estabeleceu e deixou descendencia.
 

[29] O nome do ultimo juiz e a data da sua nomeação não foram escriptos, estando em branco o papel nestes logares.
 

[30] Está em branco o papel, mas deve ser "entre os dias 14 de Agosto de 1546 e 8 de Janeiro de 1547".
 

[31] É conhecida a época da fundação de Santos, pois que teve principio em 1543, foi elevada á villa em 1545 e confirmada pelo rei João III em 1546; o que não é conhecido é o dia da installação da villa, mas o proprio Frei Gaspar, nas suas Memorias para a historia da capitania de S. Vicente, disse que ha documentos que mostram que a 14 de Agosto de 1546 Santos ainda era uma povoação e que a 8 de Janeiro de 1547 era já villa. Entre estas duas datas está necessariamente o dia da installação da villa.
 

[32] Nos Apontamentos Historicos, de Azevedo Marques, vem publicado o epitaphio de Braz Cubas, porem com alterações, não sómente da orthographia e pontuação como do proprio texto. Abaixo Frei Gaspar dá o distico como elle o viu, de modo que se deve suppor verdadeiro.
 

[33] O lettreiro não foi copiado pelo auctor, estando o espaço em branco.
 

[34] A data aqui devia ser a que constava do lettreiro do pelourinho e, como esta não foi dada, ficou aqui tambem o espaço em branco. As palavras que abaixo vão griphadas são interpolações, estando o manuscripto devorado por traças nesses logares.


[35] O epitaphio está realmente mal redigido e um tanto obscuro, porem Frei Gaspar considerou a materia debaixo do seu verdadeiro aspecto. Ha aqui tres factos a considerar: - 1º, a fundação da villa e da casa de Misericordia, em 1543, por Braz Cubas quando ainda simples particular, agricultor na vizinhança; para isso elle não precisava de licença, mas sómente de boa vontade, energia e recursos; - 2º, a elevação á categoria de villa, por decreto ou provisão de auctoridade competente, como Braz Cubas se tornou quando foi nomeado capitão loco-tenente do donatario e tomou posse a 8 de Junho de 1545; - 3º, a installação da villa, com a demcarcação do seu rocio e districto, com o levantamento do pelourinho, que era o symbolo da jurisdicção independente, e com a eleição e posse dos juizes e vereadores, que podiam ter-se dado muito tempo depois da elevação á villa, por causa da demora da confirmação regia ou do donatario, sendo necessario o tempo de um anno para a provisão ou decreto ir a Lisboa e voltar confirmado.

Tomamos para exemplo a cidade de Campinas, que foi fundada pelo capitão Barreto Leme em 1769, elevada á categoria de villa a 16 de Novembro de 1797, por provisão do capitão general Mello Castro, e installada a 16 de Dezembro desse mesmo anno. Aqui a installação não se demorou porque não houve necessidade de mandar a provisão a Lisboa para ser approvada, visto que o capitão general tinha ampla delegação regia para fundar villas.

O epitaphio diz que Braz Cubas "fundou, e fez esta villa, sendo capitão"; a expressão "sendo capitão" evidentemente se refere a "fez esta villa" e não a "fundou". A povoação e o hospital foram iniciados em 1543, quando Braz Cubas ainda era um simples cidadão, mas a villa foi feita por elle em 1545 quando já era capitão-mór de S. Vicente. O epitaphio não podia ser obscuro para Frei Gaspar, que conhecia melhor do que ninguem a historia da fundação de S. Vicente e de Santos, porem o illustre frade benedictino era um pouco demais amante da rabulice e frequentemente consentia que na sua pessoa o historiador fosse absorvido pelo polemista. Neste fragmento de manuscripto temos ainda outro exemplo do seu espirito aggressivo na questão "Moschera em Cananéa", em que elle trata com excessiva severidade ao chronista Charlevoix e aos membros da Companhia de Jesus.

[36] Falta o resto do manuscripto. (N. da R.)

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