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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Emmerich e sua família

Texto condensado da obra Vultos Vicentinos - Subsídios para a História de São Vicente, de Edison Telles de Azevedo, impressa na Empresa Gráfica Revista dos Tribunais S.A. (S. Paulo/SP), e lançada em São Vicente/SP em 1972 - exemplar do acervo da professora Sidnéia Lopes Escobar:


Antônio Emmerich (1844-1916): cidadão com larga folha de serviços prestados
Imagem: bico-de-pena do autor do livro, publicado com o texto

Antonio Emmerich nasceu em 10 de julho de 1844. Sua mãe, D. Filipina Emmerich ("Dona Felipa") doou a cachoeira do Voturuá à Prefeitura local. Era carpinteiro e zelava pela Biquinha de Anchieta. Em seu barracão, com saída para a atual Praça 22 de Janeiro, existia pequena oficina de carpintaria, com algumas máquinas e tornos, para uso interno e atendimento dos amigos, da qual tomava conta Camerino "Emerich".

No último quartel da vida, preocupava-se, dedicadamente, com a conservação da Biquinha de Anchieta. Trajando modestamente, sempre de brim, com o seu inseparável boné e empunhando sua bengala, dirigia-se diariamente à Fonte, como era então chamada a Biquinha. Muitas vezes confeccionava, a canivete, o batoque de madeira, que colocava no orifício por onde saía o precioso líquido. Zelava dia e noite por aquele recanto, numa demonstração viva do seu acendrado amor ao patrimônio público.

"PAI BENTO" - Na vida de Antônio Emmerich, aparece a figura popular de "Pai Bento", seu protegido. "Pai Bento" preto velho, de origem africana e que foi escravo, veio para Santos, a mandado de seu sinhô Manoel Antonio, de Xiririca (hoje Eldorado Paulista), a fim de seguir para a guerra do Paraguai, substituindo um filho do fazendeiro.

Entretanto, chegando a São Vicente, o saudoso Bento Viana (capitalista e vereador vicentino), proprietário do casarão da Rua Martim Afonso, esquina da rua José Bonifácio (onde vemos hoje o Edifício Stela Maris), entusiasmou-se por "Pai Bento", trocando-o por um seu escravo, evitando assim que o seu afeiçoado seguisse para a guerra. Na época, "Pai Bento" tinha 50 anos, trabalhava na casa de Bento Viana, rachando lenha e carregando potes de água da Biquinha.

Com o falecimento do seu primeiro protetor, "Pai Bento" passou a viver a expensas do intendente Antônio Emmerich. O escravo já estava de cabelos brancos, em idade avançada, porém, forte, trabalhador e muito honesto. Com a devida autorização de seu novo patrão, fazia entrega de água da Biquinha, para diversos fregueses, recebendo em troca alguns vinténs.

Uma coisa parecia incrível: "Pai Bento" não fumava nem bebia; pacato, jamais teve uma briga em São Vicente. Tudo isso fazia com que o preto velho gozasse de grande estima na cidade.

Conhecemos esse tipo popular, sempre descalço, em mangas de camisa, trazendo ao pescoço a medalhinha de um santo, segura por um barbante e carregando á cabeça os potes de barro com água. Faleceu com 105 anos, no seu quartinho da casa de Antônio Emmerich, sendo socorrido até os últimos momentos de entregar a sua alma a Deus. Os funerais foram feitos a expensas do nosso biografado, e a sua morte bastante sentida, pois desaparecia o tipo mais popular de São Vicente, naquela época.

Os Emmerich em São Vicente - [...] Um importante contrato [foi] celebrado entre o Governo da Província, de um lado, e, do outro, Jacob Emmerich e Henrique Ablas, para o estabelecimento de uma linha de bondes, por tração animal, sobre trilhos de ferro, entre a cidade de Santos e a Vila de São Vicente. O referido contrato foi firmado no palácio do Governo, a 10 de novembro de 1873, perante o dr. João Teodoro Xavier, presidente da Província, comparecendo como procurador dos concessionários João Antonio de Borba Cujo. Continha o referido documento 35 cláusulas, numa das quais ressalvava os direitos da Empresa Domingos Moutinho, garantidos pela Lei Provincial n. 67, de 10-4-1870, nos termos da lei n. 42, de 3-4-1873. Era secretário da Província, João Carlos da Silva Teles.

Cia. Ferro-Carril Santista - Deve-se em 1902, ao dr. João Eboli, médico italiano, bastante ativo, a iniciativa da exploração, com a Cia. Ferro-Carril Santista, do funcionamento de uma linha de bondes urbana e para São Vicente, contra os protestos da Cia. City. Com o colapso sofrido por Eboli e Cia., a City ficou com o acervo da Cia. Ferro-Carril Santista, instalando, em 1904, nova estação geradora em Vila Matias e inaugurando a primeira linha de bondes elétricos em 28-4-1909.

Outras Concessões - A Domingos Moutinho foi dada concessão para o funcionamento de bondes, pelo prazo de 50 anos, em 27-5-1870, transferida depois para a Cia. Melhoramentos de Santos, e, em 10-5-1887, a favor de Matias Casimiro da Costa e dr. João Éboli, por 35 anos.

A Câmara Municipal de São Vicente concedia a Antônio de Freitas e outros concessão para a instalação de uma linha de bondes a tração animal (Cia. Carril Vicentina), em 29-3-1905, para ligação do Porto Tumiaru, em S. Vicente, ao José Menino.

Em 1890, a Cia. City vendia à Cia. Melhoramentos de S. Paulo a linha que lhe fora transferida pela Cia. de Melhoramentos de Santos.

Em 7-6-1890, era leiloada a linha estabelecida por Matias Costa em direção à praia e comprada pelo abastado conselheiro Francisco de Paula Mayrink, que, em 1890, se tornara proprietário de uma linha explorada por Emmerich & Ablas.

Mayrink, ao que parece, englobou as linhas citadas num consórcio, inclusive a que a City havia vendido à Cia. Melhoramentos de São Paulo, e fê-los explorar sob a denominação de Cia. Viação Paulista. Esta empresa não foi bem sucedida, e, em 6-5-1901, arrematada pelo dr. João Éboli, por 530 contos de réis, incluída na importância de uma hipoteca não paga de 270 contos (a avaliação oficial do acervo fora de 3.373:000$410).

Éboli constitui então a Ferro Carril Santista, fracassando, entretanto, em 1904. A City comprou o acervo, bem assim o da Ferro Carril Vicentina. Em dezembro de 1951, a City (transportes de passageiros) passou para o SMTC (Serviço Municipal de Transportes Coletivos). The City of Improvements Company Limited, fundada em Londres, teve autorização pelo Dec. Imperial de 7-5-1881, para poder funcionar no Brasil. Hoje, sob o nome de Cidade de Santos Serviços de Eletricidade e Gás S.A., explora tão-somente gás, luz e energia elétrica.


Imagem: bico-de-pena do autor do livro, publicado com o texto

O trenzinho dos Emmerich - Graças à iniciativa dos Emmerich, São Vicente teve o seu trenzinho movido a vapor, com oficinas próprias e sua estação que funcionaram onde está hoje a Praça Barão do Rio Branco. Tiago e seus irmãos Henrique, José, Antonio (nosso biografado), João e Adão, se movimentaram, formando uma equipe de trabalho, sob a orientação do primeiro.

Foi Tiago Emmerich, ao que consta, quem encomendou na Alemanha as locomotivas. Depois de aterrada a parte do mangue, o traçado da ferrovia era o seguinte: saía da estação de São Vicente (cujos chefes foram Bento Vieira Neto e Joaquim Vilas Boas), atravessava a Praça Cel. Lopes (não existiam ainda o jardim, o coreto e a ex-Escola do Povo), seguia pela Av. Antonio Emmerich, passava pelo Matadouro, estação Emmerich, demolida há dois anos (em frente à Igreja de N.S. de Fátima era a divisa-secção), seguia rumo a Chico de Paula, Saboó, Rua Visconde de São Leopoldo, Largo do Rosário (hoje praça Rui Barbosa), Rua do Rosário (hoje João Pessoa) e Rua Itororó n. 70, esquina da Rua Amador Bueno (ponto final, estação de cargas), onde está atualmente a "Casa das Máquinas".

As locomotivas, passagens, maquinistas e cobradores - A Empresa Carril de Ferro de São Vicente, concretizada em 25-10-1886, compunha-se de 6 locomotivas (3 retangulares cobertas, com 4 rodas e 3 mais modernas, com chaminés e caldeiras à mostra). Seus nomes: 1 - "Santos"; 2 - "Democrata", 3 - "São Vicente", 4 - "1º de Outubro", 5 - "Santa Maria", 6 - "Janacopolus", todas impulsionadas por meio de carvão de pedra.

A passagem direta (S. Vicente-Santos) custava 400 réis, depois 500 réis, e até a estação Emmerich (seção), a metade do preço. Cada volume pagava 100 réis. Eram maquinistas: Rafael Frezelone, Joaquim Machado, João Proost, Jordão de tal, Mário de Oliveira, Antonio Silva, Antonio Torquato, Alexandre Sendin (que dirigia o "trem da carne", puxado pela máquina "Santa Maria") e Barnabé de tal. Foguistas: José Tomás Pereira, Noé Constâncio Ferreira, Eloi dos Passos e outros de cujos nomes não nos recordamos. Cobradores: Isaac Xavier dos Passos, João Wenceslau Emmerich, Noronha de tal e José Santos Amorim (este, com 87 anos, residindo em São Vicente, é o único sobrevivente). A locomotiva puxava duas gôndolas (para passageiros) e um vagão "caradura", no qual podiam ser transportados galinhas, cabritos e leitões.

José Gustavo Bruncken era o chefe da oficina; nesta eram feitos os reparos e consertos nas locomotivas, carros de passageiros (gôndolas) e vagões de carga. Nicola Antonietti, contramestre da oficina, residiu muitos anos em São Vicente. Com a instalação dos bondes elétricos, foi Bruncken para o Guarujá, onde ambos exerceram as mesmas funções na Estrada de Ferro Guarujá-Itapema, tratando da locomotiva "Maria Fumaça", hoje conservada em exposição no vizinho município.

Viagens, mercadorias e o "apito comprido" - A primeira condução de passageiros saía às 5 horas, acostumando-se todos os habitantes de São Vicente com o "apito comprido", às 4,30 horas, sinal característico do apronto para a saída do trem. Entretanto, em toda a partida do trenzinho, de hora em hora, a locomotiva apitava cinco minutos antes. Antônio Mariano era quem tocava a sineta na estação. A última viagem, de S. Vicente a Santos, às 21,30 horas, nos dias úteis, e domingos e feriados, às 22. Qualquer mercadoria comprada em Santos e despachada na estação do Itororó ou durante o percurso, chegava no mesmo dia ao seu destino, até gelo.

Essa estrada de ferro, regida por decreto do Imperador Dom Pedro II, do ano de 1857, tinha Antônio Emmerich como seu incansável gerente. A única pessoa que podia viajar de graça era d. Filipina, esposa de Jacob Emmerich (mesmo sem senha, pois era bastante conhecida e respeitada). Os soldados da Força Pública viajavam de pé, na plataforma das gôndolas. O fardamento dos condutores e fiscais era azul marinho, com botões amarelos na túnica. Usavam bonés.

José Santos Amorim ingressou com 24 anos, como limpador de máquinas, na empresa, depois sendo promovido a condutor e fiscal, chegando a ocupar o cargo de ajudante de chefe da estação. Cessadas as atividades da empresa, algumas locomotivas foram desmontadas e transportadas para Itatinga, pela Cia. Docas de Santos.

Conservação da Estrada por Emmerich e Ablas - Na sessão realizada em 26-3-1883, a Câmara Municipal da Vila de São Vicente tomou conhecimento das reclamações de vários interessados que se utilizavam da estrada pública da Vila de São Vicente à cidade de Santos, sobre o seu mau estado de conservação.

A Câmara se dirigiu à firma Emmerich & Ablas, empresários da Ferro Carril da Vila de São Vicente, para reparação da estrada. De acordo com o contrato com o governo da Província, essa empresa era obrigada a cumprir tal serviço, e o fez.

Com os bondes elétricos inaugurados, Emmerich & Ablas passaram o acervo para a Viação Paulista, que continuou o mesmo serviço de passageiros e carga, de São Vicente até a estação do Itororó, e, até há pouco tempo, a City ainda ocupava a estação de Emmerich, para cargas, sendo que os vagões de gado e carga eram puxados pelo trem elétrico "Progresso n. 1".

A Cia. Emmerich & Ablas enviou à Câmara Municipal da Vila de São Vicente, em 15-10-1887, a razoável importância de 243$600 em moeda corrente, produto das passagens de bondes no dia 24/6/1887, em favor de melhoramentos no cemitério público. Em ofício assinado pelo então presidente, cap. Gregório Inocêncio de Freitas, a Câmara agradecia "tão elevado ato de nobreza".

Grassa a varíola - preservação aos estudantes - Em 17/7/1888 a gerência da firma Emmerich & Ablas recebia um ofício da Câmara Municipal da Vila de São Vicente, assinado pelo presidente e pelo secretário, respectivamente, dep. Gregório Inocêncio de Freitas e José Inácio da Glória, pedindo, a bem da saúde pública, suspender, durante a quadra epidêmica da varíola, o gozo de passe livre aos meninos que freqüentavam as escolas em Santos. Essa moléstia se desenvolvia de maneira assustadora em Santos, fazendo inúmeras vítimas, e com a medida se procurava impedir a ida dos escolares vicentinos à vizinha cidade.

O trenzinho trazia de Santos a banda de música - No 1º sábado de cada mês, o trenzinho dos Emmerich trazia a Banda Municipal (depois Corpo de Bombeiros), de Santos, sob a regência do maestro Aurélio Prado, a fim de realizar retretas na Praça Cel. Lopes (não existia jardim, apenas o coreto tosco e a ex-Escola do Povo). Essa determinação era de Francisco Martins, conhecido por "Chico Paquetá", recebida com geral agrado pela população pacata da terra vicentina. Naquela época, São Vicente já possuía a sua banda de música, tendo como mestre Indalécio Constâncio Ferreira, vindo de Prainha (hoje Miracatu).


Antonio Emmerich foi ardoroso abolicionista, fazendo parte da grande comissão nomeada pela Câmara de Santos. Em 1871, era proprietário de um bar e restaurante em Santos, meio esse que o ajudou muito no começo de sua vida.

Exerceu em 1885/6 a gerência da firma Empresa Carris de Ferro para a Vila de S. Vicente, com escritório à Rua Itororó, 36, em Santos. Essa empresa alugava animais para a subida da serra, rumo a São Paulo, carros fúnebres e veículos para casamentos.

Em 1886, era dono de uma casa à Rua Amador Bueno, em Santos, tendo herdado de seu pai várias residências na Rua Itororó. Em 1887 já fazia parte do Corpo de Jurados, na Comarca santista, e o edital publicado em 12-6-1881 dava o seu nome como eleitor. Em 25-7-1890 continuava alistado, sendo que em 20-5-1893 era feita a revisão do alistamento, cuja lista de eleitores continha o seu nome.

Em 1900 fez parte da Comissão pró-Ereção do Monumento Comemorativo do IV Centenário da Descoberta do Brasil. Tomou parte na comissão de reforma da Matriz, sendo fabriqueiro, quando Antonio Militão de Azevedo (pai do autor do livro) exercia o cargo e provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Em 1902/3 era componente do Conselho da Sociedade União Operária, de Santos. Exerceu, graciosamente, os cargos de Intendente Municipal e de vereador à Câmara de São Vicente.

Católico fervoroso, foi a Iguape, em 5/8/1916 (primeira e única vez) cumprir promessa, por ter curado um lábio queimado de cigarro. Sentia-se feliz quando Ariovaldo Emmerich (Dodô) e Armando Plácido Trigo envergavam a camisa verde e branca do São Vicente A. Clube, para o qual torcia, no campo da Biquinha. Foi festeiro do Divino Espírito Santo, armando em sua residência (Rua Padre Manoel, pegado à casa do sr. Rodolfo Wagner, esquina da Praça 22 de Janeiro) o "Império".


Entrando na Estação Emmerich, a máquina elétrica Progresso nº 1
que puxava os vagões de gado e de carga, desde o Saboó ao Matadouro, em Santos, já em época posterior ao "trenzinho Emmerich"
Foto publicada com o texto

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