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TRILHOS (58a)
Bonde camarão já circulou na praia (2)

O início da linha turística de bonde na orla da praia foi assim noticiado pelo jornal A Tribuna em 10 de junho de 1984:
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Empilhadeiras levaram o elétrico até a carreta

Treze anos depois, o bonde volta à Praia do Embaré

Texto de Áureo de Carvalho e Antônio Alberto de Aguiar

O bonde que volta hoje à Praia do Embaré tem uma pequena história, que começou com simplicidade e ganhou desdobramentos na vontade do santista em reativar o sistema. Misto de saudosismo e necessidade de transporte barato, o elétrico servirá inicialmente ao turismo meio capenga da Cidade, ansioso de iniciativas paralelas à permanente atração das praias.

Difícil, quase impossível para muitos, era trazer o bonde às ruas, vencendo os 13 anos de abandono do sistema. Como dom quixotes, os que queriam o elétrico investiram contra os moinhos de vento da ignorância, chegando à beira do ridículo. Exatamente como no livro de Miguel de Cervantes, porém com final aberto.

A linha do Embaré ao Canal 5 é pequena, mas poderá crescer na direção do José Menino, na medida dos interesses maiores do Município. É apenas um embrião, conquistado com muito sacrifício e o apoio desinteressado de gente que gosta de Santos.

E quando o camarão fizer a primeira viagem, naturalmente sob fogos e muita festa, as câmaras de televisão mostrarão às outras partes do País que a Cidade das lindas praias - as mais bonitas do Brasil - ganhou mais um atrativo. E pela primeira vez, depois de muitos anos de pichação, as emissoras de tevê não desceram a serra para mostrar no vídeo as praias poluídas, os peixes mortos e os acidentes ecológicos.

O elétrico que servirá ao turismo é o primeiro no gênero no Brasil, e Santos sai na frente com o retorno do sistema. A libertação dos escravos, no tempo do Império, nasceu por aqui, juntamente com o apoio de José Bonifácio a Dom Pedro I, na Independência. Há uma semana, a Cidade elegeu seu prefeito, depois de 15 anos de amarguras e intervenções, e hoje o bonde, que não polui, retorna na Semana do Meio-Ambiente.

Serão necessários mais motivos à comemoração?

Hoje, totalmente reformado, pintado nas cores da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) e ostentando o logotipo da CSTC, o bonde turístico fará sua viagem inaugural, às 10 horas, defronte da Igreja do Embaré, no percurso de 1.800 metros, entre os canais 4 e 5. Ontem, uma carreta para 30 toneladas cedida pela Empresa de Transportes Ma-Pin saiu das oficinas da companhia municipal na Vila Matias, e tomou o rumo da praia.

O elétrico, levado pela Avenida Ana Costa até a orla, e depois assentado sobre os trilhos próximo do Canal 4, exigiu muito esforço dos trabalhadores e técnicos, já que, além de sua montagem e pintura nas oficinas, diversos fios tiveram de ser cuidadosamente erguidos em seu percurso, despertando a curiosidade popular. O bonde do tipo camarão foi submetido a testes para que tudo corra bem na inauguração, já que as linhas foram desativadas há 13 anos.

O bonde turístico teve a colaboração de diversos segmentos da comunidade. Além da Ma-Pin, a empresa Engenac colocou, gratuitamente, a rede aérea; a Camisaria Clíper confeccionou o uniforme do motorneiro, semelhante aos usados anteriormente, o qual será vestido por um velho colaborador da CSTC, Henrique Castilho, como uma homenagem que a empresa lhe presta. Fora isso, a Refrigerantes de Santos, distribuidora da Coca-Cola, oferece no local refrigerantes à população e haverá também a participação das bandas do 6º BPM/I e Frei Gaspar, além da animação de palhaços, distribuição de camisetas e queima de fogos, com o patrocínio das Casas Bahia.

A Secretaria de Turismo do Município nada irá cobrar pelo passeio do bonde turístico, que funcionará diariamente das 8 às 20 horas. É aguardada na cerimônia a presença de autoridades da Cidade, prefeitos da Baixada e representantes dos governos Estadual e Federal, que virão em nome da EBTU e do Ministério dos Transportes. Possivelmente comparecerão ainda alguns ministros de Estado.

A parte interna manteve as características originais

Início descompromissado

- Esse bonde, ainda anda?

- Claro, onde existirem trilhos...

João Monteiro, encarregado do setor de trólebus da CSTC e remanescente do sistema de bondes do extinto SMTC e da Cia. City, não poderia supor, nem em sonho, que um dia o elétrico voltaria a circular na praia. O diálogo que manteve com os jornalistas, nos primeiros dias de março passado, foi tão simplista quanto a idéia inicial de levar o bonde ao Embaré e fazê-lo circular no pequeno balão em frente da igreja, naturalmente puxado por um trator, ou coisa parecida.

Faltava aos jornalistas vender a idéia do bonde-trator aos proprietários. A diretoria da CSTC, em princípio, não gostou muito da idéia, mas acabou concordando, com uma ressalva do diretor-presidente da empresa, Mílton Moraes:

- Nós temos um programa de trólebus em desenvolvimento e o bonde, pelos custos, está fora de qualquer cogitação.

O diretor-administrativo, Haroldo Damato, e o financeiro, Tárcio Jordão de Menezes, queriam conhecer detalhes do bonde puxado com trator, e, enquanto os jornalistas tentavam explicar que se tratava de uma festa-brincadeira para as crianças, o engenheiro Fernando Rodrigues Vasquez, diretor da Engenac, empresa de engenharia que instala a rede de trólebus para a CSTC, entrou na história e na conversa:

- Se vocês levarem o bonde à praia, eu instalo a rede elétrica aérea, como colaboração.

A oferta da Engenac foi aceita na hora, mas isso levou os repórteres a um novo encontro com João Monteiro, nas oficinas da Vila Matias, onde estava o bonde de prefixo 42, tipo camarão, o único que tinha escapado à destruição sistemática e programada de 1971.

Monteiro quase teve um ataque do coração quando tomou conhecimento de que a Engenac faria a rede. E, entre a surpresa e a alegria do retorno provável do elétrico, pediu um tempo para preparar o veículo.

"Acho que dentro de um mês", disse ele, "dá para fazer andar. O bonde está parado desde 1971 e desconfio que o pessoal daqui mesmo andou tirando peças. Vamos primeiro fazer um exame geral".

As semanas seguintes, de muito trabalho na oficina eletromecânica da CSTC, mostraram que, dentre outros problemas, o elétrico tinha um dos motores em curto. Teve que ser desmontado e recebeu um novo núcleo, cuja fiação, pouco comum, custou a ser localizada em São Paulo. Daí até a pintura, muitos galhos tiveram que ser quebrados, misturando-se criatividade com tecnologia, além de muito amor. Uma dedicação igual à que teve o prefeito Paulo Gomes Barbosa, que, quando tomou conhecimento da idéia do elétrico na praia, decidiu apoiá-la incondicionalmente, determinando à CSTC a cobertura de todas as despesas necessárias. Mais ainda: o prefeito sentiu-se co-responsável pelo empreendimento, fazendo visitas diárias à oficina da Vila Matias, sempre com novas determinações de apressamento dos serviços, objetivando instalar a linha do Embaré no mais curto espaço de tempo possível.

Retorno quase de graça

Para implantar o bonde turístico no Embaré, a Prefeitura e a CSTC gastaram menos de Cr$ 10 milhões, incluindo mão-de-obra, material e colaborações espontâneas. A CSTC tem condições de recuperar um segundo veículo, que se encontra em exposição num dos parques infantis da Cidade. E provavelmente um terceiro, ao qual faltam os motores.

Depois, haverá necessidade de um projeto específico de construção para veículos mais modernos sobre trilhos, que a Cobrasma vai oferecer à Cidade, a curto prazo. A construção propriamente dita não tem um custo definido, segundo a própria Cobrasma, que produz em larga escala os carros para o pré-metrô do Rio de Janeiro e para o metrô de São Paulo.

Os carros do pré-metrô carioca, incorporando alta tecnologia e sofisticação, custam cerca de US$ 600 mil. Mas, Santos não precisa tanto. Despindo-se o pré-metrô da sofisticação, também segundo a Cobrasma, o bonde simples pode custar cerca de Cr$ 100 milhões.

A via permanente representa o investimento maior do veículo leve sobre trilhos. cada quilômetro de trilhos, incluindo mão-de-obra e repavimentação, custa em torno de Cr$ 200 milhões, além de Cr$ 10 milhões por quilômetro na instalação de rede elétrica, que exige subestações de força.

O resto só depende da vontade popular, para durar 50 anos, até o ano 34 do século XXI.

Futuro hoje - Levar o bonde do Embaré ao José Menino, aproveitando-se os trilhos existentes, a rede aérea deve custar em torno de Cr$ 30 milhões, mas para outras expansões há necessidade de um planejamento global do sistema viário urbano, adequando-o ao modus vivendi do elétrico sobre trilhos com os ônibus a diesel e os trólebus.

Entre o canal 5 e o Aquário, as obras de reurbanização fizeram desaparecer os trilhos do SMTC, mas do Aquário até o Clube de Regatas Santista, na Avenida Saldanha da Gama, a linha do bonde está intacta, em condições favoráveis de reaproveitamento.

Desse ponto até o ferry-boat faltam 800 metros de trilhos, ou 4.800 metros para o elétrico chegar ao Valongo, numa linha que pode servir às 50 mil pessoas que trabalham no porto. E entre os armazéns da Codesp, a via permanente foi retirada, mas o espaço ainda permanece, o mesmo que servia à Linha 19, que também pode ingressar na Senador Dantas e Pedro Lessa, onde os trilhos estão à sua espera, sob o asfalto aplicado pela Prodesan. Entre o final dos trilhos na Pedro Lessa e o ferry-boat, a distância é de menos de um quilômetro, e a CSTC nem precisa comprar material: basta retirá-lo de outros locais, onde os motoristas dos carros não aceitam o bonde.

Depois de 13 anos, o bonde deixou as oficinas da CSTC

Compromisso de candidato

Sobre a volta do sistema de bondes à Cidade, o então candidato Osvaldo Justo, hoje prefeito eleito, disse o seguinte: "Há 20 anos, como vereador, convoquei o então superintendente do Serviço Municipal de Transportes Coletivos (SMTC), general Aldévio Barbosa de Lemos, para depor na Câmara sobre a extinção das linhas de bonde. Na época, o petróleo era barato, 2 dólares o barril, e o problema da poluição ainda não se mostrava tão grave. Hoje, com essa poluição toda e o barril do petróleo a 30 dólares, os motivos para a permanência desses elétricos seriam muito mais fortes.

"É evidente que o confronto puro e simples entre um sistema de transportes coletivos à base de bondes e outro calcado em ônibus a diesel ou a gasolina favorece amplamente os elétricos. Eles não poluem a atmosfera e são movidos por eletricidade, que é barata e produzida em abundância no Brasil, enquanto os ônibus são altamente poluentes, com suas descargas de dióxido de carbono e monóxido de enxofre, além de consumirem combustíveis derivados do petróleo, que ainda precisa ser importado pelo País.

"Acontece que a questão não pode ser situada nesse âmbito de confronto puro e simples, pois a realidade é que, bem ou mal, Santos possui um sistema de ônibus implantado, enquanto a rede de bondes teria que ser reimplantada. Um bonde, hoje, tem a sua fabricação orçada em cerca de Cr$ 70 a Cr$ 100 milhões; a implantação de um quilômetro de linhas custa mais ou menos Cr$ 200 milhões. A reimplantação do sistema desses elétricos ficaria mais de CR$ 30 bilhões, pensando-se em 100 quilômetros de linhas e 100 unidades rodando. Os custos talvez inviabilizem a iniciativa.

"Mas há uma possibilidade: na orla da praia, do Canal 1 até a Avenida Portuária, ainda existe grande extensão de trilhos: da Avenida Portuária até a garagem da Vila Matias há linha concedida à Cia. Docas, hoje, Codesp, e falta apenas um pequeno trecho. A implantação de uma linha que percorresse a orla e fosse até a garagem, servindo aos bairros no caminho, não é tão cara e poderia ser até usada para o autofinanciamento da expansão do sistema.

"A opção é altamente favorável nos aspectos turísticos de transporte de mais pessoas com tarifas mais baixas, e poderia ser executada na futura administração municipal, desde que a população se mostrasse favorável à idéia, nesse pesquisa que a Prefeitura encomendou à Faculdade de Comunicação. Existem aspectos que precisam ser encarados com interesse, como o carinho que os funcionários do Bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, têm pelos seus bondes e o fato de cidades norte-americanas e européias, de portes médio e grande, estarem ampliando o seu sistema de bondes.

"A verdade é que essa discussão não teria nem que ser levantada se os trilhos e os bondes não houvessem sido destruídos pelas administrações autoritárias que passaram por Santos nos últimos 20 anos".

E a Cidade espera que o prefeito Osvaldo Justo transforme em realidade o que disse como candidato.

Os (muitos) motivos da volta ao sistema

O alto custo das tarifas do transporte coletivo; o valor oscilante do petróleo no mercado mundial - devido à crise gerada pelas guerras nas proximidades de uma das regiões mais produtoras do combustível no mundo -, além do fato de o antigo sistema dos elétricos haver prestado bons serviços à Cidade, foram o ponto de partida para o movimento que trouxe hoje à praia o bonde turístico, em uma linha-embrião, de 1.800 metros.

Para apoiar o retorno do veículo, foram percorridas diversas cidades onde os elétricos ainda circulam, inclusive uma localidade dentro do Município de Santos, em sua parte continental. O primeiro lugar visitado foi o Morro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, local em que, a duras penas, são mantidos 20 bondes em circulação, em duas linhas que partem do Largo da Carioca e chegam a pontos diferentes no alto do morro.

Nessa primeira experiência sobre a conservação do sistema, constatou-se o amor que o diretor da empresa, Manoel de Almeida Filho, e os empregados, dedicam aos elétricos, os únicos que restaram da destruição ocorrida no Governo Carlos Lacerda e feita por seu secretário de Transportes, coronel Fontenele. Contam os historiadores locais que foram queimados cerca de 800 bondes e os resíduos, vendidos como sucata, como forma de favorecer a implantação de trólebus e ônibus a diesel, na cidade.

Aliás, 10 anos antes, final da década de 40 para a de 50, o mesmo fenômeno ocorreu na Cidade de São Paulo. Naquela época, o governador do Estado, Adhemar de Barros, pressionado pelos importadores de ônibus ingleses, começou a desativar os elétricos, destruindo ou vendendo alguns para outras localidades, inclusive exterior. Pelas estatísticas de colaboradores, e historiadores, a Capital contava com cerca de 700 unidades em circulação.

Mantiqueira - Campos do Jordão, no Interior do Estado, localizada no Alto da Serra da Mantiqueira, é ligada, 40 quilômetros planalto abaixo, à cidade de Pindamonhagaba. O percurso é conhecido como Estrada de Ferro Campos do Jordão e até há alguns meses rodavam por suas linhas quatro unidades elétricas, conhecidas como litorinas, que foram montadas sobre rodeiros de bondes ingleses. O trajeto das litorinas só foi interrompido temporariamente devido a problemas no sistema de freio.

Disse o diretor da empresa, engenheiro Durival de Carvalho, que está sendo desenvolvido um sistema de breque eletromagnético para as unidades, as quais, final deste ano, voltarão a subir e descer a serra. Porém, no planalto, em oito quilômetros riscando Campos do Jordão, trafegam normalmente três bondes da Siemens alemã, trazidos de lá em 1956, por Jânio Quadros, devido à desativação da linha Guarujá-Itapema (Hoje, Vicente de Carvalho). Junto com esses bondes, veio também uma locomotiva elétrica alemã, que atuou alguns anos no transporte de vagões de passageiros e carga e agora serve de cabina de comando do funicular no Morro do Elefante, em Campos do Jordão.

Outras duas cidades ligadas por bondes durante muito tempo foram Sorocaba e Votorantim, onde se localizam algumas das empresas do Grupo Ermírio de Moraes. Atualmente, restam três unidades de elétricos de fabricação inglesa, mas somente uma delas está sendo reformada para trabalhar na fábrica de cimento do grupo, a Votoran. Os elétricos, durante mais de 30 anos, transportaram, em uma via expressa, funcionários, moradores e cargas, entre as duas cidades, e nada se pagava de tarifa, já que as unidades pertencem ao conglomerado empresarial.

Itatinga - No próprio Município de Santos, parte continental, uma localidade, Itatinga, ainda se utiliza de bondes como meio de transporte. São 7.300 metros de linhas que unem a beira do rio à usina hidrelétrica, servindo cerca de 300 pessoas, que saem de Itatinga para estudar, fazer compras ou passear. Dois bondes e três reboques, inteiramente fabricados ou adaptados na antiga Cia. Docas de Santos, hoje Codesp, são conservados periodicamente. Somente na parte insular do Município, ou seja, em Santos, o sistema foi extinto há 13 anos, mas agora está voltando.

Diversas pessoas colaboraram para a concretização do bonde turístico de hoje: J.C. Vieira da Cunha, que é um perfeito conhecedor dos elétricos e de todos os demais sistemas de veículos que rodam sobre trilhos, inclusive realizou diversas viagens pela Europa e Estados Unidos, onde constatou que os elétricos são respeitados como meio de transporte e recebem o zelo das comunidades. Antônio Pereira da Cunha, presidente da Associação Comunitária de Santos, incentivou muito o movimento; José Pascon Rocha, outro grande conhecedor dos meios de locomoção sobre trilhos, tal como Vieira da Cunha, muito contribuiu para o sucesso do retorno do bonde.

Fora esses, o administrador de empresas Danilo Sérgio Cerf, representando um grupo de engenheiros e economistas, ofereceu até novo projeto viário para a Cidade, com o objetivo de o trânsito dos elétricos não conflitar com o dos demais veículos. E Waldemar Correa Steel, autor de livros sobre bondes, trouxe informações valiosas para fortalecer o retorno do elétrico à avenida da praia.

Na próxima parada, reveja os detalhes da inauguração dessa linha turística...

Carlos Pimentel Mendes