Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0461.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/15/14 14:51:22
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Uma tumultuada eleição santista... em 1878

Poder Executivo briga com o Judiciário por causa do Legislativo...

Leva para a página anterior

Um bom panorama do relacionamento entre os Três Poderes no Segundo Império, bem como da péssima situação financeira das Câmaras Municipais e de suas irregularidades administrativas, pode ser inferido na leitura do relatório que o então presidente da Província de São Paulo, João Baptista Pereira, apresentou, em 7 de dezembro de 1878, ao encerrar seu mandato, iniciado em fevereiro daquele ano.

Nele, a eleição de vereadores e juízes de paz na Comarca de Santos em 1877 ganha destaque, por ter sido anulada por uma sentença judicial dada fora de prazo, o que permitiu a reintegração dos eleitos em seus cargos. Nesse ínterim, a população santista ficou ameaçada até de ter de pagar por duas vezes os impostos municipais, por conta dessa briga política.

O assunto foi tratado nas páginas iniciais do relatório que Batista Pereira fez ao seu sucessor no governo provincial, Joaquim Egídio de Sousa Aranha, o barão de Três Rios. Esse relatório foi aliás impresso em Santos, na Tipografia a Vapor do Diário de Santos, e o tema é tratado nas páginas 5 e 6, 12 a 20 e nos anexos 3 e 4.

Tal documento foi divulgado na Internet pelo Hartness Guide to Statistical Information/Center for Research Libraries (acesso: 23/8/2014 - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução da folha de rosto do relatório

Clique >>aqui<< ou na imagem acima para obter o arquivo correspondente em formato PDF (33,6 MB)

Devendo deixar a administração por ter de tomar assento na Câmara dos Srs. Deputados, venho em cumprimento do Aviso de 11 de março de 1848 relatar a v. excia. o estado dos negócios da província, confiados á minha gestão desde o dia 5 de fevereiro deste ano, em que, perante a Assembleia Legislativa Provincial, tomei posse e prestei juramento do cargo de presidente desta Província, para o qual fui nomeado por Carta Imperial de 16 de janeiro.

Aceitando tão melindrosa comissão, não cuidei de corresponder somente a uma alta confiança política: na sinceridade do patriotismo acreditei cumprir um dever cívico não recusando um posto de conhecidos sacrifícios e grande responsabilidade em uma situação difícil e quando o Governo Imperial entendeu que os meus serviços poderiam ser úteis à causa pública.

Se já é difícil, em circunstâncias normais, dirigir os destinos desta ilustrada província, tão ufana de suas gloriosas tradições, que enriquecem os anais da história pátria, e pelo seu admirável adiantamento, em todos os domínios da atividade industrial, avantaja-se a outras províncias do Império, ostentando toda a energia de sua pujante vitalidade, não se pode desconhecer que as dificuldades multiplicam-se em uma época agitada, quando as lutas dos partidos se travam no terreno incandescente das paixões, e os vencidos pela opinião deparam nos instrumentos ativos da ideia triunfante no governo do país um inimigo perigoso, que convém exterminar, e não um adversário que se deve combater com lealdade.

Foi em tão ingratas circunstâncias que assumi a administração da província.

As prevenções com que fui recebido muito cedo degeneraram em franca hostilidade.

No mesmo dia em que tomei posse, uma oposição apaixonada, tão impaciente como injusta na agressão, levantou-se contra mim e assentou os seus arraiais na Assembleia Legislativa Provincial, cuja instalação coincidira com a minha chegada à Capital.

Não preciso recordar a v. excia. a origem e as consequências da luta inesperada que se travou entre os dois supremos poderes da província; membro distinto daquela corporação, v. excia. foi testemunha do empenho sincero com que procurei ressalvar os elevados interesses da administração, gravemente ameaçados.

As medidas que saíram do seio da Assembleia Legislativa, v. excia. o sabe tanto como eu, ressentiram-se do influxo perigoso do ambiente que cercava os legisladores da província, os quais, iludidos por uma falsa miragem de patriotismo, teriam reduzido a administração à impotência ou à imobilidade, se porventura, dentro da órbita constitucional de minhas atribuições, não tivesse encontrado os meios legais para resistir ao princípio dissolvente que ameaçou a organização de todos os serviços públicos.

Exprimo-me com a máxima franqueza, que devo à província; e espero dar a v. excia., no correr deste trabalho, insuspeitas provas de que não sou exagerado nas minhas apreciações, que se baseiam no exame calmo e reflexão dos fatos.

Chegou a ocasião de expô-los; desejo que se faça toda luz sobre os atos de minha administração, cuja responsabilidade assumo inteira perante a província, que me honrou com inequívocos testemunhos de sua benevolência, pelo que lhe devo a mais respeitosa gratidão.

Imagem: reprodução parcial da página 13 do relatório

Câmaras Municipais

Embora me restrinja a uma simples exposição de fatos, porquanto a inoportunidade do momento não me permite aventurar largas considerações sobre tão importante instituição, cuja reforma é uma necessidade vencida na opinião de todos, sem distinção de partidos políticos, não devo prescindir de chamar a atenção de v. excia. para certos fatos que denunciam uma tendência funesta, e que longe de encontrarem corretivo, têm sido acoroçoados pelo poder, a quem cabe mais diretamente a fiscalização da ação municipal. E sobretudo desafia a atenção do sistema tributário das Câmaras Municipais.

Observa-se aqui o mesmo que acontece em outras províncias: localidades insignificantes, baldas de recursos, são elevadas à categoria de municípios, e porque não se acham em condições regulares de prosperidade, vegetam na vida enfezada de um inglório expediente, incapazes absolutamente do bem, porque lhes falecem os meios. Ao lado de municípios importantes por sua riqueza, outros se erguem tão empobrecidos que a soma total da sua renda mal chegaria para remunerar condignamente um só dos seus empregados; e assim não admira que renda tão tênue seja absorvida pelo funcionalismo.

Há municípios cuja renda não atinge a dois contos de réis, e no quadro das municipalidades da Província figuram alguns de renda inferior a 500$000 rs.

Urgidas pela imperiosa necessidade de fazer recursos, as Câmaras Municipais não escolhem os meios: tudo é matéria contribuinte; e por isso não há ofício, indústria, profissão que escape às exigências do imposto; as artes mecânicas, as profissões liberais, a medicina, a farmácia, a advocacia, as serventias da justiça, o comércio, a lavoura, a importação e a exportação, tudo contribui para a receita municipal. E como o fim que se tem em mira é acumular meios, não se atende nem à competência legal para criar-se o imposto, nem também à influência que pode exercer sobre as contribuições lançadas pela Província e pelo Estado.

Raro é o código de posturas que não seja uma lei de recursos; desnaturada de sua aplicação legal, a multa converte-se em imposto; faz-se postura para se abrir fonte de receita.

Esta tendência invade ainda os domínios da legislação comum; por meio de multas agrava-se o sistema punitivo geral; e do mesmo modo que a postura reprime como delito especial as violações da ordem penal, já prevenidas pela legislação geral, assim também entra pelos domínios do Direito Civil e dispõe da propriedade.

Sobressaem aos impostos que as municipalidades derramam sobre as povoações, a capitação e o serviço pessoal. Ambos recomendam-se pela sua iniquidade e manifesta desigualdade, e o último, sobretudo, tem tão acentuado caráter de coação, que com justo motivo tem sido considerado um atentado contra a liberdade individual.

É uma espécie de lei de Correia, pois obriga a todos indistintamente a concorrerem, por si ou por outrem, com serviços para as obras do município.

Bem sei que não é ideia nova na Província; já uma lei de 1846 havia lançado esse imposto com caráter provincial; mas o que não se explica é que essa lei, que foi objeto de execração e, segundo consta de documento oficial, causa de vexames e até de desgraças, a tal ponto que o legislador de 1850 a revogou, fosse em mais recente data restaurada pelas posturas municipais.

Sendo do meu dever impedir a execução de leis emanadas da Assembleia Legislativa que, contrariando princípios gerais da Legislação, prejudicam as imposições do Estado e incorrem em censura constitucional, suspendi a publicação de várias resoluções legislativas, que aprovaram os códigos de posturas de Itapetininga, Dois Córregos, Brotas, Porto Feliz, Indaiatuba, Cunha, Monte Mór, Queluz, Taubaté, Campinas, Bethlem do Descalvado, Ribeirão Preto, Caraguatatuba, Santa Bárbara, Rio Claro, São Carlos do Pinhal, Iguape e Paranaíba.

Motivei todos esses atos, e por isso estou dispensado de reproduzir as razões que os ditaram.

Tendo sido igualmente suspensa a publicação da resolução legislativa, que fixou a receita e despesa das Câmaras Municipais para o ano financeiro de 1878 a 1879 - por ato de 16 de maio, mandei por outro de 22 de junho que vigorasse a lei do orçamento anterior, constante da resolução n. 4 de 7 de maio de 1877.

Este ato levantou certa celeuma e isto explica-se por uma causa conhecida; a suspensão da publicação do orçamento municipal é um incidente da questão da reintegração dos vereadores da Câmara de Santos.

A competência do presidente da Província foi posta em dúvida, embora emane de toda a economia do ato adicional e se conforme com a sua letra e espírito.

Expor a questão é resolvê-la.

A Assembleia Legislativa Provincial enxertou no título das Disposições Permanentes da resolução que orçou a receita e fixou as despesas das Câmaras Municipais, dois artigos, nos quais, desconhecendo positivamente a existência legal da Câmara Municipal de Santos, composta dos vereadores mandados reintegrar, não só declarou nula a eleição de tais vereadores, como determinou que todos os contribuintes que pagassem impostos a essa Câmara não ficariam exonerados por isso, e antes obrigados a novo pagamento.

Salta aos olhos a exorbitância da disposição que é um verdadeiro enxerto inconstitucional.

Na atribuição conferida às Assembleias Provinciais para legislarem sobre polícia e economia municipal não se compreende a de conhecer da validade ou nulidade da eleição de vereadores, e muito menos a de, preferindo esta a aquela, declarar qual a legítima. O exercício de uma tal prerrogativa repugna a natureza e índole das Assembleias Provinciais, e a todo o sistema da constituição, porque violaria a competência de outros poderes constitucionais. Mais agravou a inconstitucionalidade da disposição a causa pela qual a Assembleia Provincial, colocando-se superior aos poderes Executivo e Judiciário, declarou sem efeito jurídico as quitações passadas pela Câmara Municipal de Santos aos contribuintes, obrigando-os a novo pagamento.

Não se concebe maior confusão de princípios, cujas consequências próximas são a perturbação da economia municipal e a subversão da competência administrativa.

Ainda em cumprimento do dever e no exercício do direito de embaraçar a execução de leis manifestamente opostas à constituição, suspendi a publicação do orçamento municipal, salvando assim os princípios constitucionais.

Os contraditores do ato objetam contra a sua legalidade, alegando que o direito que têm os presidentes de província de suspenderem as leis provinciais, que incorrem em censura constitucional, não abrange as resoluções que independem de sanção.

O argumento é um paralogismo.

O direito de suspender as leis inconstitucionais é somente limitado pela natureza da matéria e não pela denominação do ato: a mudança de nome não altera a qualificação legal.

Tornando às resoluções legislativas sobre polícia e economia municipal independentes de sanção, o ato adicional presumiu que a Assembleia não transformaria a resolução, fazendo-a degenerar de natureza para enxertar matéria estranha e sujeita a sanção; mas se essa presunção se ilude, a resolução, embora de caráter municipal, entra na regra comum, e fica sujeita ao mesmo corretivo que os atos legislativos de natureza diversa, que são ofensivos da constituição.

Muito imprevidente teria sido o legislador constituinte se, descurando da hipótese possível do abuso e da fraude, não armasse os presidentes de Província com os meios necessários para evitar o mal e conjurar o perigo.

Ora, se a sanção só é dispensável em vista da matéria da resolução, é claro que se a Assembleia legisla sobre assunto expressa e claramente excluído de sua competência, a resolução ofensiva da ordem constitucional fica por isso mesmo subordinada ao veto provisório do poder executivo provincial.

Não está nas mãos das Assembleias Provinciais apagar os limites que separam as leis sujeitas à sanção das que dela independem; para um caso há o corretivo da não sanção, para outro o da suspensão da publicação, e este, na generalidade do art. 16 do ato adicional, estende-se às resoluções que pela sua natureza intrínseca não dependem de sanção, mas que como aquelas outras incorrem em censura constitucional.

Sendo triviais estas noções de ato adicional, é para estranhar que não sejam ainda bem conhecidas, sobretudo quando a doutrina e a tradição ensinadas pelos mais eminentes estadistas do país, que se chamaram, entre outros, Olinda, Sapucahy e Monte Alegre, a consagraram nos monumentos da jurisprudência do Conselho d'Estado.

O visconde de Uruguai, conceituado publicista e cuja opinião no assunto é insuspeita, discutiu o caso controvertido nos seus Estudos praticos sobre a administração das provincias, e referindo várias consultas do Conselho d'Estado, que firmaram o princípio que - o corretivo que tem os presidentes de Província contra as leis que independem de sanção é a suspensão da publicação - afirma que essa resolução é conforme a letra e espírito do ato adicional, nestes termos:

"À letra, porque o seu art. 24 § 3º dá ao presidente da Província a atribuição de suspender as leis provinciais. Ora tanto são as leis provinciais as sujeitas à sanção, como as que são delas isentas. O ato adicional não distingue, e onde a lei não faz distinção, não devemos nós distinguir arbitrariamente".

"Ao espírito, porque o ato adicional teve em vista fornecer meios pelos quais o Poder Geral, pelo seu agente, pudesse obstar a que fossem postas em execução leis que ofendessem os direitos de outras províncias, os Tratados e a Constituição".

"Ora, tanto podem ser ofendidos estes objetos pelas leis dependentes de sanção, como pelas que não lhe são sujeitas. Se o § 3º do art. 24 apenas se referisse a leis sujeitas à sanção, somente ficariam preenchidas em parte as vistas do ato adicional, e imperfeita a proteção que deu à União".

Em um opúsculo que publicou expondo algumas questões concernentes aos limites e modo de exercicio de varias attribuições conferidas pelo acto addicional às Assembléas Provinciaes, o senador Fausto de Aguiar examinou também esta questão e como o visconde do Uruguai concluiu - que a atribuição de suspender a publicação de leis provinciais não sujeitas a sanção, mas que ofendem a Constituição, compreende-se na disposição do art. 24 § 3º, e fundamenta a sua opinião do seguinte modo:

"E na verdade, se tanto nas leis que são sujeitas à sanção, como nas que não dependem dela, podem as Assembleias cometer do mesmo modo os abusos e excessos, aos quais contrapôs o legislador o direito da suspensão; se este direito é destinado a ser a salvaguarda de princípios fundamentais, e de direitos e interesses d'alta monta, a distinção, com que se pretende eximir de sua ação as leis compreendidas na 2ª daquelas categorias, fazendo incompleta e incoerente a disposição legislativa que o estabelece, repugna claramente ao seu espírito".

"A insubsistência de semelhante distinção ainda mais se patenteia, considerando-se que, se o exercício do direito de que se trata, é necessário para reprimir os excessos das Assembleias nas leis que já encontram o corretivo do veto e a exigência dos dois terços dos votos para serem definitivamente aprovadas, com mais forte razão o é a respeito das que, isentas de tais obstáculos, são livre e plenamente decretadas pelas Assembleias".

Se tantas e tão valiosas autoridades não bastam para recomendar a doutrina, aí estão as Imperiais Resoluções de consultas do Conselho de Estado de 8 de novembro de 1845, 1º de fevereiro de 1851, 7 de novembro de 1857, de conformidade com as quais o Governo Imperial expediu Avisos, abonando a sua ortodoxia, sendo de notar que mais de uma vez o Conselho de Estado foi consultado sobre o caso ocorrente que a alguns pareceu estupendo, isto é, a suspensão da publicação do orçamento municipal.


Tendo sido instaladas em 1º de dezembro de 1877 a Câmara Municipal da nova Vila da Redenção, em 10 de agosto do corrente ano a do Jambeiro, foram autorizadas conforme representaram, a 1ª a cobrar os respectivos impostos pelo código de posturas da de Taubaté e a 2ª a observar provisoriamente o código de posturas da de Caçapava. Atos de 23 de julho e 28 de setembro deste ano.

Deixei de aprovar provisoriamente, apesar de várias instâncias, artigos de posturas de algumas Câmaras Municipais, uns por serem exorbitantes das suas atribuições, outros por pertencer a sua matéria à exclusiva competência da Assembleia Legislativa, na forma do ato adicional.

Interessando à administração conhecer o estado financeiro das municipalidades e verificar, usando do seu direito de fiscalização, a maneira pela qual as respectivas Câmaras executam os seus orçamentos e aplicam as rendas que têm destino especial, dirigi-lhes uma circular em data de 2 de setembro exigindo as seguintes informações:

1º - Quais os impostos que percebem com aplicação especial e a lei que os criou; qual o seu efetivo emprego, desde quando os têm arrecadado e quanto produziram até 30 de junho último;

2º - Qual a sua dívida passiva, quando começou, por que títulos é representada, quais são os credores, os títulos novados, e quais os meios de amortização empregados;

3º - Quais as obras em andamento, por administração ou contrato, com quem contratadas, se houve concurso e precedeu orçamento, por quem foi organizado, qual o seu preço e estado atual das obras.

Câmaras há que, supondo-se superiores a toda a fiscalização, deixam de cingir-se a seus orçamentos e assim não só desviam de sua aplicação legal parte de sua receita, como despendem mais do votado na lei, aumentando assim a dívida em vez de amortizá-la. Este procedimento é irregular, pede um corretivo que, chamando-as à linha do dever, lhes estimule o zelo que afrouxa, quando o abuso entra nos hábitos de sua administração.

Pareceu-me um assunto este digno de ser examinado, e foi por isto que exigi as informações constantes da citada circular.

Muito poucas foram as municipalidades que se mostraram solícitas no cumprimento do dever, prestando as informações: de algumas que se coligiu, verifiquei que, mais ou menos, estão empenhadas as seguintes Câmaras Municipais:

A de Itu com uma dívida de 10:000$000 rs., representada por duas letras a juros de 10% ao ano, acumulados da data do vencimento.

A de Guaratinguetá, com uma dívida de 7:416$660, representada também por letras.

A de Sorocaba, com uma dívida que excede de 7.640$000, por créditos particulares, que vencem juros.

A de Santos, com uma dívida de 11:665$667, resto do empréstimo de 70:000$000 contraído com o Banco do Brasil.

Estão também endividadas, embora por quantias modestas, as Câmaras de Santa Branca, Patrocínio, Caraguatuba, S. Roque, Indaiatuba e Itapeva da Faxina.

A da Capital tem um enorme passivo; o serviço do pagamento de sua dívida, que atualmente eleva-se a 281:131$000, como outras mais, não tem sido feito de conformidade com as leis do orçamento.

Essa dívida é representada por 14 letras do valor de rs. 18:406$250 passadas ao fundo Barão de Itapetininga e por outras 14 na importância total de 27:493$515 a favor de Francisco Antonio Pedrozo.

Tão pesado encargo, que há de gravar por muito tempo o futuro, não é compensado por nenhum melhoramento útil; e admira, por certo, que sendo a renda municipal despendida com a conservação e limpeza das ruas da Capital, elas se achem no estado que todos contemplam com tristeza.

Há contra esta Câmara graves queixas e ainda recentemente a imprensa denunciou abusos de sua gestão. É preciso tirar a limpo este negócio; e teria levado mais longe as minhas investigações, se porventura a Câmara, mais cedo, como era de esperar do seu zelo, tivesse ministrado as informações solicitadas, que só agora me foram remetidas, mesmo assim incompletas, pelo que de novo recomendei-lhe que em prazo breve dê exato cumprimento à portaria de 2 de setembro.

Imagem: reprodução parcial da página 18 do relatório

Reintegração da Câmara Municipal e dos Juízes de Paz da Cidade de Santos

Por ter sido anulada pelo Tribunal da Relação do Distrito a eleição de vereadores e juízes de paz da cidade de Santos, a que se procedeu em outubro de 1876, determinou o meu antecessor, por ato de 22 de novembro do ano passado, que se procedesse à nova eleição, a qual, por ordem do Ministério do Império, foi adiada para 24 de fevereiro do corrente ano.

Estava a eleição por fazer-se quando assumi a Administração, e entendendo que a ordem do Governo Imperial, determinando o adiamento da eleição, que já tinha dia designado, oferecia novo ensejo para que fosse esta questão sujeita a mais detido exame, e competindo-me resolvê-la, deliberei, depois do mais consciencioso estudo, declarar sem efeito o Ato de 22 de novembro de 1877, que mandou proceder a nova eleição de vereadores e juízes de paz, e ordenei que fossem todos reintegrados em seus lugares.

Este Ato, expedido a 19 de fevereiro, levantou calorosa discussão na imprensa e na tribuna da Assembleia Provincial; a paixão política fez disso uma máquina de guerra, e com imenso arruído se procurou agitar a opinião, denunciando esse ato como um atentado contra a independência do Poder Judiciário.

Ainda hoje é o estafado tema das objurgatórias da oposição, variando sempre em tom mais ou menos veemente.

Quanto mais medito nos fundamentos desta decisão, os quais estão consubstanciados no Ato de 19 de fevereiro, mais me convenço de que foi pautada pela exata observância da lei e que respeitando o seu preceito expresso, obedeci também a uma sentença irretratável desse mesmo poder, que dizem ter sido desacatado por mim.

O fundamento da deliberação presidencial, que designou dia para a nova eleição, foi o provimento da Relação do Distrito julgando nula a eleição para vereadores e juízes de paz feita em 1876; mas tendo sido essa decisão proferida fora de tempo, tornou-se inexequível e como consequência forçosa deveria produzir todos os seus efeitos a decisão recorrida, prevalecendo a eleição anulada pelo provimento da Relação.

Declarando, como fiz, sem efeito o ato presidencial que marcou dia para se fazer nova eleição, reconheci, é verdade, que a Relação decidiu fora do prazo, mas nem por isso deixei de obrar dentro da órbita das minhas atribuições como delegado do Poder Executivo, tão independente como o Judiciário. O direito que tem o Governo de mandar executar ou não as decisões da Relação, proferidas em matéria eleitoral, está expressamente consagrado na lei, que não converteu o Governo em instrumento passivo ou executor dócil de tais decisões.

A lei limitou a competência da Relação, fixando o prazo peremptório e improrrogável de trinta dias para o pronto julgamento dos recursos e estatuiu que, se não for ele provido dentro do referido prazo, ter-se-á por firme a decisão recorrida.

Quem julga se o prazo foi ou não excedido?

Para que fim a lei obriga o presidente da Relação, no caso de não ter sido o recurso provido no prazo estabelecido, a enviar cópia do respectivo Acórdão ao presidente da Província, a fim de que este providencie conveniente?

Esse juiz não é outro senão o Governo ou o seu delegado nas províncias. O excesso do prazo é um fato, cuja verificação pertence à competência administrativa, e se não se lhe pode, em boa fé, disputar o direito de declarar excedido o prazo, com que fundamento se limita esse direito quando se entendeu que o prazo foi interrompido por férias supervenientes?

O direito é um só e se exercita sem atenção aos motivos que podem explicar a prorrogação do prazo.

Houve ou não excesso de prazo: é o único fato que o poder administrativo indaga; o Governo nada tem que ver com os motivos subjetivos do julgador e nem com as suas razões de decidir: ele não aprecia a parte dispositiva do julgado nos seus elementos constitutivos, em sua subsistência; apenas o encara em uma relação extrínseca à sentença. E para que efeito de direito o Governo declara que o prazo foi excedido? Para manter firme e valiosa a decisão do juiz de Direito, isto é, uma sentença do Poder Judiciário. Como pois pode haver atentado contra a independência desse poder, se declarando excedido o prazo o Governo não fez mais do que se conformar com uma decisão que ficou firme e irrevogável?

A lei eleitoral pertence à ordem política; um único poder é competente para aplicá-la - o Executivo; e pois quando declara excedido o prazo de recurso está dentro da órbita de suas atribuições, e nela se conserva, mandando ou deixando de mandar fazer a eleição.

A reintegração dos vereadores da Câmara Municipal de Santos não deve ser examinada exclusivamente sob o ponto de vista do excesso de prazo; ela se filia a uma outra ordem de relações de que não se pode abstrair.

Os vereadores e juízes de paz eleitos em 1876 e reintegrados pelo Ato de 19 de fevereiro, entraram no exercício de seus cargos e os conservaram até que uma sentença de pronúncia os obrigou a deixar; mas nesse processo a que foram submetidos, saíram isentos de culpa e pena, declarando a sentença do juiz de Direito, passada em julgado, que os vereadores e juízes de paz muito legitimamente exerciam as suas funções.

Ora, se a Presidência da Província, declarando inexequível a decisão da Relação, por ter sido proferida fora do prazo legal, violou a independência do Poder Judiciário, respeitá-la-ia se, desconhecendo direta e imediatamente a sentença do juiz criminal, impedisse o exercício legítimo dos cargos? E como poderia o presidente impedir, sem provocar novo conflito, que esses vereadores e juízes de paz, escudados em uma sentença do Poder Judiciário, reassumissem o exercício dos cargos, que foi declarado legítimo?

E se o Acórdão proferido fora do prazo era um impedimento à reintegração dos vereadores e juízes de paz, a sentença absolutória não constituía também um obstáculo legal à nova eleição?

Cada um dos poderes obrou dentro de sua esfera de atribuições: deixando de mandar proceder a nova eleição, por ter sido o Acórdão da Relação proferido fora do prazo, não provoquei um conflito e nem desacatei a independência do Poder Judiciário. Assim o entendeu o Governo Imperial, sendo por Aviso do Ministério do Império de 12 de março aprovado o ato.

A execução deste ato encontrou acintosa oposição da parte do promotor público da Comarca e do juiz municipal, que se tinham concertado para resistir à ordem legal emanada da Presidência. Contra os vereadores reintegrados deu denúncia o promotor público por terem reassumido o exercício ex-vi da reintegração; por outro lado, o juiz municipal, desconhecendo a existência legal da Câmara e dos juízes de paz, lançava a perturbação no foro, já impedindo o depósito das fianças criminais em mão do procurador da Câmara, já embaraçando o ingresso das ações cíveis, pela rejeição in limine das certidões de conciliações feita perante os juízes de paz reintegrados.

Não hesitei nas providências a tomar para restaurar o regime da lei: demiti incontinente o promotor público e tendo suspendido o juiz municipal, mandei-o submeter a processo de responsabilidade pelos motivos constantes do Ato de 12 de março.

O juiz de Direito, 3º suplente, não aceitou a denúncia contra os vereadores pelo jurídico fundamento de que não podiam ser novamente processados pelo mesmo crime do qual foram absolvidos; e embora o Tribunal da Relação, confirmando a decisão do 1º suplente do juiz de Direito, julgasse improcedente o procedimento criminal contra o juiz municipal, as coisas entraram em seus eixos e se restabeleceu a calma nos espíritos da população da Comarca de Santos, que andavam irritados e desassossegados havia mais de um ano.

Imagem: reprodução parcial da página 99 do relatório

Anexo nº 3

2ª Seção - O presidente da província, considerando que foi adiada para o dia 24 de fevereiro corrente a nova eleição de vereadores e juízes de paz na cidade de Santos, eleição que se mandou proceder por ato de 22 de novembro do ano passado, sendo o fundamento desse ato a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Distrito de 26 de fevereiro do ano passado, que, em grau de recurso voluntário, julgou nula a eleição a que se procedeu em outubro de 1876, por ter sido feita por uma qualificação anulada;

Considerando que o recurso interposto da decisão do juiz de direito da comarca, que julgou válida a eleição, tendo efeito devolutivo, não impedia que os vereadores eleitos prestassem juramento e entrassem em exercício no tempo legal;

Considerando que, provido o recurso que anulou a eleição e intimados os vereadores, por ordem da presidência da província, para deixarem os seus lugares aos do quatriênio findo, até que se procedesse à nova eleição, recusaram-se eles a cumprir essa ordem por ilegal, alegando que tendo sido a decisão do Tribunal da relação proferida fora do prazo legal, não podia invalidar os efeitos da decisão do juiz de direito, pelo que foram os vereadores desobedientes metidos em processo, pronunciados pelo Tribunal da Relação como incursos no art. 110 do Cód. Crim., e afinal absolvidos no plenário por sentença do juiz de Direito da comarca, a qual passou em julgado;

Considerando que, segundo a doutrina geral de Direito, todo o ato jurídico deve se conformar com a sua norma legal e que, se o recurso é uma garantia do direito político, essa garantia seria ineficaz, se o poder constituído pela lei o árbitro das contestações eleitorais pudesse assumir faculdades discricionárias, quanto ao tempo e modo de julgar;

Considerando que no intuito de prevenir esses inconvenientes a lei não só atribuiu ao recurso efeitos imediatos, como ainda marcou o prazo dentro do qual deve ser julgado;

Considerando que a fixação do prazo limita a competência, e que, determinando a lei que o Tribunal da Relação decida o recurso no prazo improrrogável de 30 dias, contados da data em que os papéis tiverem entrada na secretaria, não pode esse prazo ser excedido, e que se o recurso dentro dele não for provido ter-se-á por firme a decisão do juiz de Direito. - Lei de 20 de outubro de 1875, art. 1 § 18, art. 2 § 31. Decreto n. 2.097 de 12 de janeiro de 1876 art.85;

Considerando que o recurso para a Relação, tendo tido entrada na respectiva secretaria em 26 de dezembro de 1876, foi julgado em 20 de fevereiro de 1877 e conseguintemente que, não tendo sido julgado em tempo hábil, isto é, dentro de 30 dias, ficou firme e irrevogável a decisão do juiz de Direito - lei e regulamento citados;

Considerando que, determinando a lei que o recurso seja decidido em um prazo improrrogável, não pode a decisão do mesmo ser embaraçada por férias supervenientes; já por que, segundo o princípio geral consagrado no decreto 2.235 de 30 de novembro de 1853, pelo qual se rege o foro, as férias não suspendem o curso dos negócios urgentes e que instam por pronta solução; já porque a lei preceitua que seja julgado prontamente na conformidade do art. 38 da lei de 19 de agosto de 1846, e seria iludido o preceito legal se fosse interrompido um prazo que não pode ser prorrogado, ou se fosse adiada uma decisão que deve ser pronta;

Considerando que a decisão do Poder Judiciário, proferida fora de tempo, deixou de produzir efeito por força da disposição da lei, que imprime toda a firmeza e validade à decisão recorrida, se o provimento ao recurso não é dado em tempo hábil e que o ato administrativo, que manda respeitar esse estado de Direito, não ofende a competência do Poder Judiciário, e nem importa apreciação dos motivos de sua decisão;

Considerando que os vereadores desobedientes, pronunciados pela Relação como incursos no art. 140 do Cód. Criminal, foram absolvidos pelo juiz de Direito da comarca, que declarou legítimo o seu procedimento; e que assim, e não sendo juridicamente possível que pelo mesmo fato fossem novamente processados, podiam reassumir o exercício, embora surgisse um conflito se houvesse nova eleição;

Considerando que, se o conflito houvesse entre os vereadores e o Poder Judiciário, outro juiz não há para resolvê-lo senão o juiz criminal, que pela lei é competente para qualificar o fato increpado; e assim que, se a decisão da Relação pudesse ser um obstáculo à reintegração dos vereadores e juízes de paz, a decisão do juiz criminal que absolveu aqueles seria um obstáculo ao ato administrativo que mandasse proceder à nova eleição;

Por estas razões, e bem apreciados todos os elementos da questão nas suas relações de fato e de direito, declaro sem efeito o ato de 22 de novembro de 1877, que mandou proceder à nova eleição de vereadores e juízes de paz, em Santos, e determino que sejam todos reintegrados em seus lugares, expedindo-se nesse sentido as necessárias comunicações.

Palácio do Governo da Província de São Paulo, 19 de fevereiro de 1878. - João Baptista Pereira.

Imagem: reprodução parcial da página Anexos/9 do relatório

Anexo nº 4

5ª Seção j- O presidente da Província, tendo em vista as representações da Câmara Municipal e juízes de paz da Cidade de Santos dirigidas contra o juiz municipal, bacharel Alberto Bezamai, que, por todos os meios ao seu alcance, obsta os efeitos do ato deste Governo, de 19 de fevereiro passado, expedido no exercício de funções administrativas para justa execução de uma lei de ordem pública, como delegado do Poder Executivo, e por virtude do qual foram reintegrados os vereadores da Câmara Municipal e os juízes de paz; e considerando, sem tomar em atenção outros fatos criminosos increpados, que aquele juiz municipal, com manifesto fim de burlar as determinações presidenciais, desconheceu a existência legal da Câmara Municipal reintegrada, já mandando, em processo crime, depositar o valor das fianças em mão particular, e não no cofre da respectiva Câmara, com infração da lei, e perturbação da regularidade dos processos; já impedindo aos litigantes o ingresso nas causas cíveis, pela recusa de citação requerida aos que instruem as suas petições com documento da tentativa conciliatória efetuada perante os juízes de paz também reintegrados, por ordem da autoridade superior administrativa, sem oposição alguma; - Considerando que, por estes atos, o referido juiz, além de obstar o efeito das determinações do Poder Executivo, expedidas de conformidade com as leis, incita assim a desordem, embaraça o começo e andamento de todos os pleitos cíveis e até prejulga de sua nulidade, sem figura nem forma de juízo, com ofensa manifesta das atribuições conferidas ao juiz de Direito da Comarca, em julgamento final, o que produz a anarquia e o tumulto no foro; - Considerando que tanto mais censurável é o procedimento do referido juiz municipal, quanto não há outros juízes de paz, e em exercício só está a Câmara reintegrada por esta Presidência, com assentimento dos vereadores do quatriênio findo, que entregaram os cargos sem reclamação alguma; - Considerando que o mesmo juiz, que assim procede, já anteriormente, em audiência pública, manifestou-se contra a legalidade do exercício dos vereadores e juízes de paz, e tornando conhecida a sua opinião, como juiz, não podia transformar-se hoje em julgador dos mesmos vereadores, pela suspeição jurada do juiz de Direito, dando-se a coincidência notável que, tendo este juiz, em data de 26 de fevereiro passado, comunicado à Presidência que, por doente, passava a jurisdição, a reassumiu dois dias depois, quando era apresentada a denúncia pelo promotor público, o qual, para esse fim, apesar de licenciado, sem ter sido esgotada a sua licença, e quando uma nova, em continuação, lhe foi concedida pelo presidente da Relação, entrou repentinamente em exercício, resultando deste fato funcionarem na Comarca, ao mesmo tempo, dois promotores; - Considerando que todos estes fatos têm qualificação penal definida, e sujeitam o referido juiz à responsabilidade, o presidente da Província, usando da atribuição que lhe confere o art. 5º § 8 da lei de 3 de outubro de 1834, e de conformidade com o Aviso n. 11 de 12 de janeiro de 1854, resolve suspender e efetivamente suspende o mesmo bacharel, Alberto Bezamai, do cargo de juiz municipal e de órfãos do Termo de Santos, e determina que, extraídas cópias das representações e de todos os documentos que instruem o presente ato, seja tudo oportunamente remetido ao juiz competente para instaurar-lhe processo pelos fatos com que tem procurado obstar os efeitos do ato deste Governo de 19 de fevereiro próximo passado, que mandou reintegrar os vereadores e juízes de paz de Santos. - Palácio do Governo de São Paulo, 12 de março de 1878. - João Baptista Pereira.

Imagem: reprodução parcial da página 100 (final) do relatório

João Baptista Pereira  (1835-1899 - presidente da província de São Paulo) retrato não datado e de autor desconhecido, no acervo da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Imagem: Wikipédia (acesso: 23/8/2014)

Veja também:

Santos em 1878 - pelo governador João Baptista Pereira

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais