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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A batalha da manteiga

Prefeito foi elogiado pelos que o condenaram

Após a Segunda Guerra Mundial, houve um período de carestia generalizada, com muitos produtos faltando ou encarecidos, especialmente gêneros alimentícios, em decorrência de uma certa desorganização nos setores produtivos. Uma das razões é que os imigrantes japoneses, italianos e alemães, que atuavam na produção agrícola, tinham sido deslocados para o interior, em decorrência da guerra dos Aliados versus países do Eixo. E também, na época da guerra, o governo brasileiro - em plena ditadura do Estado Novo - oscilou entre o apoio aos alemães e os interesses estadunidenses, que realizavam então forte política de aproximação com o Brasil, oferecendo vantagens econômicas, notadamente no campo da siderurgia.

No plano nacional, o "tigre da inflação", que Getúlio Vargas prometera montar - com isso reconquistando a presidência em 31 de janeiro de 1951 -, agitava-se muito no final daquele ano, quando mais de 500 mil pessoas participaram de protestos contra a carestia. Mas, para controlar a inflação, seria preciso adotar medidas impopulares, num país que se debatia entre o nacionalismo, o entreguismo e o estatismo. Só em 3 de outubro de 1953 ocorreu uma definição, quando Vargas criou a Petrobrás, começou a se afastar dos Estados Unidos, aprovou lei sobre remessa de lucros e mudou o ministério, pressionado pelos sindicatos. Nessas medidas, entretanto, estavam os germens de sua derrocada e morte, menos de dois anos depois.

Em meio a toda essa turbulência política e econômica, o preço da manteiga, então considerado gênero essencial, disparou em Santos, e o prefeito Joaquim Alcaide Valls (com mandato de 26/3/1951 a 31/3/1952) resolveu enfrentar a situação, comprando uma grande quantidade do produto, a preço menor, para revenda direta à população.

A controversa atitude, de transformar a Prefeitura num empório, causou espécie aos vereadores, que acabaram num mesmo ato condenando e elogiando a revenda de manteiga, em prolongada sessão, assim relatada pelo jornal santista A Tribuna, na edição de sexta-feira, 18 de abril de 1952:

Ilegal a aquisição de manteiga pelo prefeito, para revenda à população

Aprovado pela Câmara Municipal o parecer da Comissão de Justiça que concluiu pela ilegalidade - Reconhecida a boa intenção do dr. Joaquim Alcaide Valls

Com início às 14,25 horas e presidida pelo dr. Antônio Moreira e secretariada pelos srs. Domingos Fuschini e Walter Roux Ribeiro, realizou-se ontem a 13ª sessão ordinária da presente legislatura da Câmara Municipal de Santos.

[...]

A aquisição de manteiga, pelo ex-prefeito, para revenda ao povo - Em continuação, foi submetido à apreciação do plenário o parecer da Comissão de Justiça no requerimento n. 40/52, do sr. Francisco Mendes, pedindo seu pronunciamento quanto à legalidade da operação realizada pelo ex-prefeito Joaquim Alcaide Valls, na compra de manteiga para revenda ao povo. O parecer da comissão, assinado pelos srs. José Cintra Batista e Pedro de Castro Rocha, concluiu pela ilegalidade do ato, muito embora terminasse com estes termos:

"Por mais que se examinasse a Lei Orgânica dos Municípios, não se encontrou qualquer dispositivo conferindo ao Executivo o poder de realizar operação de compra, com as rendas do Município. Reconhece esta Comissão que o sr. prefeito agiu com a melhor das intenções, tanto que o adiantamento foi feito ao gabinete do prefeito sob a responsabilidade pessoal e direta de s. excia., e, uma vez concretizada a revenda da manteiga ao consumidor, a importância foi recolhida à Tesouraria, o que ocorreu em cinco dias. Elogiosa, por outro lado, a intenção de s. excia., pretendendo resolver os problemas da elevação do custo dos gêneros de primeira necessidade, forçando - ninguém poderá negar - a baixa do produto".

Aberta a discussão, o sr. Manoel Paulino, que foi voto vencido naquela comissão, teceu encômios à ação do ex-prefeito, afirmando que esta, embora considerada ilegal, pela interpretação fria da lei, merecia reconhecimento, dados os grandes benefícios que trouxe à população. Por isso, opinou pelo arquivamento puro e simples do processo, vindo a constituir seu parecer essa proposta.

Usou da palavra, depois, o sr. Antônio Bento de Amorim Filho, que se manifestou contrário a esse ponto de vista, insistindo no pronunciamento da Câmara sobre o primeiro parecer, ou seja, pela ilegalidade do ato do ex-prefeito. Admitiu as boas intenções do dr. Joaquim Alcaide Valls, mas disse que o parecer deveria ser aprovado, pois fora exarado à luz das leis. Insistindo na aprovação do parecer, disse que a parte sentimental deveria ser deixada de lado, esclarecendo, porém, que o acolhimento do pronunciamento da Comissão de Justiça nunca poderia implicar num voto de desconfiança ao ex-governador da Cidade. Quanto a isto, reportou-se ao apoio que lhe fora dado pela Câmara durante sua gestão, o qual nunca lhe negou, em nome de sua bancada.

O dr. Sílvio Fortunato, com a palavra, lembrou que não poderiam vingar no plenário friamente os dispositivos legais, uma vez que a Câmara, anteriormente, contra eles se manifestara, aprovando proposições levadas pelos sentimentos de humanidade. Citou pareceres da Comissão de Justiça derrubados por motivos sentimentais, no que foi apoiado pelos srs. Pedro de Castro Rocha e Benedito Neves Góis, mas contraditado constantemente pelo sr. Antônio Bento de Amorim Filho.

Prosseguiram os debates, neles tomando parte ativa, também, o sr. Luiz La Scala, que defendeu intransigentemente a atuação do ex-prefeito. Também pelo arquivamento manifestaram-se depois os srs. Laurindo Chaves e Lúcio da Silva Graça, tendo o primeiro advertido que a Comissão de Justiça não se estendera nos estudos da matéria, uma vez que o ex-prefeito agira apoiado em lei federal que criou a COPAP, que lhe deu direito de intervir no domínio econômico em defesa dos interesses da população.

Os debates se prolongaram bastante animados, tomando todo o tempo restante da sessão e mais cerca de 35 minutos além da hora regimental. A certa altura, o sr. Antônio Alves Figueiras requereu o encerramento da discussão, sendo atendido pela presidência.

Inicialmente foi colocado em votação o parecer do sr. Manoel Paulino, pelo arquivamento puro e simples do processo, verificando-se sua rejeição.

Seguiu-se a votação do parecer da Comissão de Justiça, que concluiu pela ilegalidade da transação, com um adendo do dr. Sílvio Fortunato, opinando pelo arquivamento do processo, após sua aprovação. Nesses termos, o parecer foi colocado em votação, sendo aprovado pelo plenário. Vários líderes de bancada fizeram declaração de votos, muitos deles afirmando que assim agiram para prestigiar o parecer daquele órgão técnico, sem que, com essa atitude, porém, pretendessem desprestigiar o ex-prefeito Joaquim Alcaide Valls.

Os trabalhos foram encerrados às 19 horas, tendo o presidente Antônio Moreira convocado a casa para a sessão ordinária marcada para a próxima quinta-feira, com início à hora regimental.

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