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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (J)
1990: cidade informal (habitação em crise)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. É desse período este material, publicado pela Prefeitura Municipal num encarte especial do Diário Oficial de Santos, o D.O. Urgente, em 30 de maio de 1990 (fotos publicadas originalmente com a matéria):
 
Cidade informal, tema para debate do Plano Diretor

O surgimento da cidade considerada informal - precária, clandestina - está diretamente ligado à formação da cidade como um todo. Desde meados do século passado (N.E.: século XIX) a cidade sente os conflitos existentes entre áreas habitadas por pessoas de maior poder aquisitivo e mais equipadas e locais ocupados por pessoas carentes. Na dialética do urbano, a cidade formal e a cidade informal se complementam e se contrapõem.

A importância do café no mercado mundial, a transformação de Santos no principal porto do País, a ligação ferroviária entre as regiões produtoras e a Baixada atrai grande número de pessoas ao município. A ocupação da cidade, que antes se restringia às áreas centrais, vai aos poucos abrangendo novas áreas da ilha. Portugueses e espanhóis começam a ocupar os morros, a classe operária vai ocupando a planície, formando bairros como o Marapé, Jabaquara, Vila Belmiro, Campo Grande e Vila Santista.

Segundo a Secretaria de Planejamento (Seplan), na década de 1940, com a abertura da via Anchieta, há um forte incremento demográfico para a cidade, ocasionando grandes transformações na ocupação do espaço urbano. Alguns casarões da praia dão lugar a prédios de apartamentos construídos para atender ao mercado imobiliário, que serve principalmente moradores da Grande São Paulo e Interior. São famílias que passam fins de semana e férias no litoral. As mais abastadas criam novos bairros. A classe média vai ocupar áreas centrais, anteriormente ocupadas pela classe operária. As famílias de baixa renda começam, então, a se transferir para pontos menos valorizados na Zona Noroeste e nos morros, além das margens dos rios e canais naturais, onde surgem as favelas de palafitas.

Os assentamentos precários, informais, passam a ocupar grandes extensões territoriais do espaço urbano, como conseqüência do movimento migratório, da verticalização, do encarecimento do custo da terra e do incentivo à especulação imobiliária. Estudos realizados pela Seplan mostram que esse processo começou a se intensificar a partir dos anos 60. Ganhou maior impulso, ainda, a partir dos anos 70/80, com a construção da Rodovia dos Imigrantes, que facilitou o acesso à região.

Mais de dez mil pessoas vivem em favelas

A precariedade e a ilegalidade de vasta porção do território urbano não são privilégios das grandes metrópoles. Santos tem hoje cerca de 10 mil pessoas vivendo em áreas de favelas. Dados da Secretaria de Planejamento do Estado indicam que os cortiços abrigam 10 vezes mais pessoas nas áreas centrais. Os morros estão cobertos de loteamentos clandestinos e irregulares. Em Bertioga, quase 50% dos projetos de loteamento são considerados irregulares. Estão fora do mercado imobiliário formal e não se enquadram nas leis que regulam o uso do solo urbano.

Para a Secretaria de Planejamento (Seplan), discutir a cidade informal é considerá-la não como um desvio a ser administrado pelo poder público, mas como uma contradição à ordem urbana estabelecida, que depende de uma política redistributiva na geração e aplicação dos recursos públicos.

Legislação urbanística - As legislações urbanísticas regulam e normatizam o uso do solo urbano. Tudo que foge a esses regulamentos é informal, ilegal, irregular, clandestino e está fora do mercado imobiliário formal.

A lei de zoneamento, código de obras e código de posturas, elaborados em 1968, foram atropelados pela rápida dinâmica da produção do espaço urbano, que transformou grandes extensões territoriais da Cidade em espaços clandestinos e ilegais. São favelas ocupando espaços públicos e privados, são cortiços ocupando áreas centrais, são estabelecimentos comerciais instalados em vias onde não se prevê tal utilização. A realidade mudou, mas a lei continua a mesma.

A partir da lei nº 6.766 (que trata de parcelamento do solo urbano), elaborada em 1979, aumentou, e muito, a quantidade de loteamentos irregulares. As administrações públicas têm historicamente ignorado questões relativas à cidade informal, mantendo a ilegalidade das situações e não reconhecendo as formas múltiplas, diversificadas e dinâmicas de apropriação da cidade.

Segundo a Seplan, no momento em que se debate a elaboração do novo Plano Diretor é objetivo da administração abrir a discussão aos diferentes setores da sociedade a respeito de padrões e normas de apropriação do espaço no sentido de atualizar e simplificar a legislação existente, captando a heterogeneidade e contradição da cidade informal. Isso sem querer dar a essa cidade uma aparência homogênea e distante do controle local.

Situação geográfica não permite expansão

A situação geográfica de Santos não permite que a expansão de sua área urbana ocorra de forma horizontal na periferia. Os pontos ainda desocupados possuem alto valor imobiliário ou fazem parte de mangues e áreas de preservação ecológica.

Para a Secretaria de Planejamento (Seplan), a tendência de ocupação é a do adensamento pela verticalização das áreas já ocupadas e mais valorizadas e o aumento do número de moradores de baixa renda, por metro quadrado, na região central. O crescimento da população nessa área não tem sido acompanhado de uma maior oferta no número de imóveis, o que resulta em aumento na quantidade de cortiços em bairros como Valongo, Paquetá, Vila Nova, Vila Mathias e no centro da cidade. Dados da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado indicam que esses bairros concentram 105.660 habitantes, ou 20% da população de Santos.

Com base nos dados da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado, a Seplan constata que houve, nesses bairros, de 1990 até agora, um aumento populacional da ordem de 285%. Tais bairros, que se caracterizavam pela concentração de comércios e serviços voltados às atividades portuárias, possuem hoje características de áreas degradadas.

Essas áreas deterioradas configuram-se, contraditoriamente, como um espaço privilegiado ou de alto valor histórico e arquitetônico, apresentando elevado potencial para atividades de comércio e serviços, além de ser uma alternativa para a construção de edifícios de uso residencial.

Na perspectiva de renovar esses espaços urbanos, a Prefeitura tem adotado uma política de incentivo à restauração dos edifícios de valor histórico, e se esforçado no sentido de revitalizar a função residencial (destinada a pessoas de baixa renda) através da participação da iniciativa privada, além de programar a abertura de novos espaços para as atividades econômicas.

Lenimar Rios

Administração quer resgatar direitos dos cidadãos

A secretária de Planejamento, Lenimar Rios, diz que é fundamental deixar de tratar a cidade informal "da forma que ela sempre foi tratada pelas administrações e dar a elas o mesmo tratamento urbano, os mesmos benefícios que ela precisa e que o restante da cidade tem".

Segundo Lenimar, a atual administração tem planos setoriais, de intervenções imediatas nas áreas de favelas, cortiços e encostas de riscos nos morros. "O que nós pretendemos com o Plano Diretor é ampliar o poder de ação da prefeitura, resgatando direitos dos cidadãos que habitam essa cidade informal, possibilitando a eles o mesmo status a nível de tratamento dos demais habitantes da cidade", diz Lenimar.

A secretária de Planejamento, que é também secretária-executiva do Conselho Consultivo do Plano Diretor (Coplan), entende que com o Plano Diretor será possível garantir leis que assegurem a aplicação de recursos em áreas carentes e a regularização de imóveis localizados nessas regiões.

Lenimar Rios adverte que o Plano Collor, à medida em que provoca uma forte recessão, atinge de maneira mais dramática os moradores do que se convenciona chamar cidade informal. São trabalhadores que foram sumariamente demitidos ou tiveram seus salários arbitrária e ilegalmente reduzidos, além de ambulantes e pessoas que vivem sem registro em carteira - igualmente atingidos pelos efeitos maléficos da recessão.

"A nossa ação tem sido no sentido de nos prepararmos para dar maior retaguarda a essa população através do reforço da merenda escolar, no atendimento á saúde, na criação de maiores facilidades para o abastecimento de gêneros alimentícios e na criação do passe desemprego, entre outras medidas que o governo municipal já vem adotando", afirma Lenimar Rios.

Legislação atual precisa ser revista

O secretário de Obras e Serviços Públicos, Cláudio Abdala, explica que a atual legislação sobre o planejamento urbano do município pune a questão da cidade informal, ao mesmo tempo que induz a manutenção dessa informalidade. Segundo ele, na medida que não se gerencia a situação não há condições de se prestar serviços.

No que se relaciona aos morros, a questão da informalidade já se evidencia no abairramento. A divisão e denominação dos 17 morros de Santos obedecem regras do uso e do costume, já que a maioria das ruas foi aberta e denominada pelos próprios moradores da área.

A situação fundiária também é informal. Há poucos donos das áreas dos morros. Muitos deles lotearam a terra por conta própria a centenas de famílias que vivem irregular ou clandestinamente no local, inclusive em próprios do município. Tudo isso representa uma forma de ocupação que é de difícil gerenciamento pela administração e que traz transtornos aos moradores dos morros.

Em função dessa situação, a prefeitura traçou dois objetivos principais. Em primeiro plano, está sendo feito um diagnóstico de toda a área a partir de dados já cadastrados pela administração e outros levantados pelo Grupo Executivo de Morros (GEM). Agora, aciona-se o segundo momento, aquele em que a administração passa a exercer mecanismos de pressão visando a regularização dessas áreas.

O tratamento dessas áreas informais não se resume à regularização dos terrenos junto à prefeitura. Outro ponto importante são as obras de drenagem, contenção e pavimentação, recomendadas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), além de pequenas obras de drenagem, arrimos e melhorias de acesso determinadas pelo pessoal do Grupo Executivo de Morros (GEM). Algumas dessas obras já estão em andamento.

A administração tem atacado também as áreas de risco. O GEM detectou, através de diagnóstico, 20 manchas de risco em 13 morros, levantando números de 1.200 famílias em áreas de risco de escorregamento. O GEM tem feito ainda um trabalho que visa impedir novas ocupações nessas áreas.

Um dos objetivos da administração é discutir uma legislação específica para o uso e ocupação do solo nos morros. Atualmente, aquelas áreas seguem a legislação geral do município. O GEM está juntando material sobre a questão, anexando todos os trabalhos sobre o tema feitos anteriormente, a fim de encaminhar a discussão com a comunidade.

Também a questão do lixo nos morros tem sido objeto de discussão e deliberação na administração. Busca-se a otimização da coleta já existente, além da implantação de novas formas de coleta, principalmente em áreas onde hoje não existe tal serviço. A prefeitura está ainda estudando algumas formas de estimular a população na limpeza das encostas e vai iniciar o trabalho de educação ambiental dos moradores daquelas áreas e dos coletores de lixo.

Outro objetivo da administração em relação aos morros santistas é a decretação de mecanismo legal que garanta a preservação da mancha remanescente da mata atlântica naquelas áreas. A meta é também serem criados um viveiro de mudas e um viveiro didático na região. O GEM pretende também incentivar o desenvolvimento de programas de educação ambiental junto a escolas e universidades, além de reservar parte das áreas dos morros para o lazer e o turismo. Uma das idéias é a criação de um bosque naqueles locais.

Todos esses trabalhos visam basicamente respeitar a cidadania da população, estimada em quase 45 mil pessoas, que habita os 17 morros da cidade. Os Núcleos de Defesa Civil (Nudecs) em cada uma dessas áreas são uma das formas de contemplar os moradores dos morros. As reclamações, denúncias e reivindicações daquela população podem ser feitas através dos telemorros ou pessoalmente no paço municipal. Dentro dessa política de respeito à cidadania, a administração vem mantendo freqüentes assembléias e reuniões com a população, visando discutir as melhores formas de encaminhar os problemas da região.

Depac tem atuação decisiva em áreas carentes

O Departamento de Projetos e Ação Comunitária (Depac) atua com situações que têm a ver com as habitações informais. Segundo a coordenadora do departamento, Maria do Rosário Corrêa de Salles Gomes, de uma forma geral os projetos do Depac são voltados à população de baixa renda, definidos a partir das necessidades dessas pessoas.

O Depac atua junto aos menores de rua, organiza os centros de convivência, desenvolve cursos de profissionalização destinados a esse público, entre outros trabalhos. Também na questão do lixo reciclável o Depac tem participação, principalmente no enfoque do aspecto social do lixo.

Uma das atividades nessa área vem sendo desenvolvida junto aos moradores do Dique, na Vila Gilda, Zona Noroeste. O trabalho básico do Depac é o de mobilizar a população local para o correto processamento do lixo. Nesse trabalho de conscientização estão ainda envolvidas as secretarias de Educação e de Saúde e Higiene Pública.

Outro trabalho importante que vem sendo realizado pelo Depac é a atividade desenvolvida nos bairros Vila Nova e Vila Mathias. Ali, os técnicos do departamento detectaram elevado número de mortalidade infantil, numa região em que também é grande o número de porões.

Em conseqüência, foi desencadeado um mutirão de saúde, que incluiu as participações do Depac, da Sehig, através do Centro Martins Fontes, e do Movimento dos sem casa. O trabalho resultou na vacinação da população local, na análise de suas condições de nutrição e incluiu também uma pesquisa que teve como finalidade caracterizar a situação dessas famílias. A coordenadora do Depac pondera que essas intervenções do departamento estão inseridas num programa de médio e longo prazos.

Não há fórmula mágica para crise da habitação

Célio Calestine (*)

Não pretendemos com este pequeno texto encaminhar, ou resolver, através de uma fórmula mágica, a crise de habitação, seja a nível local, regional ou nacional.

Na realidade, em se mantendo o processo de ocupação das cidades brasileiras, não existe solução, a curto prazo, para tal crise. O problema consiste no fato de que a classe trabalhadora vive em habitações sem o mínimo de condições, superpovoadas, insalubres, inseguras. Também não é um problema que se resolva sem apontar as causas que fizeram com que as famílias de baixa renda passassem a ocupar espaços de periferia urbana, superpovoassem domicílios dos centros urbanos onde originalmente morava apenas uma família.

Não é possível mais aceitar, também, que a falta de habitações para essas famílias é somente conseqüência da afluência massiva do homem do campo para a cidade e que a solução seria promover o seu retorno. Agindo assim, estaremos somente transferindo o problema de lugar. Atualmente a condição do homem do campo (pequeno agricultor, bóia-fria, meieiro, parceleiro, trabalhador rural) é muitas vezes pior que a condição do trabalhador urbano.

Essa proposta não passa de um engodo.

Não é possível desvincular a questão da Reforma Urbana da questão da Reforma Agrária. Estas duas questões estão direta e igualmente ligadas à propriedade do solo, seja ele urbano ou rural.

No caso urbano apropriado pelo capital imobiliário e no campo pelos grandes produtores rurais.

Mas não podemos ficar em discussões eternas para mudança desse quadro, e então, quais serão os caminhos para uma apropriação adequada das cidades? Em primeiro lugar, uma reordenação do espaço urbano, definição de políticas de desenvolvimento regional equilibrado que limite a concentração urbana, um redirecionamento dos investimentos públicos para as áreas mais carentes de equipamentos coletivos.

As cidades terão que ser transformadas para atender seus habitantes, através do controle público da ocupação das terras urbanas, de uma política habitacional que torne a moradia um direito social com equipamentos coletivos suficientes, financiados pelo Estado ou pela iniciativa privada sob o controle de um processo de planejamento.

Há que se definir, também, as Políticas Públicas para o lazer, esportes, turismo, cultura e preservação do patrimônio ambiental e cultural, priorizar transportes, saúde e educação.

A definição dessas Políticas Públicas deverá ser fruto de um processo contínuo de discussão com a população, de modo a viabilizar uma cidade que conduza à prática da democracia e resgate da cidadania.

Entendemos serem esses os caminhos para a construção de uma nova cidade, que estará refletindo concretamente as reivindicações e desejos dos cidadãos, porque será o resultado do que eles construíram. A socialização dos problemas e a democratização das decisões é a forma urgente e inadiável para construção dessa nova cidade.

(*) Célio Calestine é diretor-presidente da Cohab Santista.

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