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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (B)
A ocupação da ilha (9)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

É desse período esta série de matérias especiais, que  continuou a ser publicada no jornal santista A Tribuna em 6 de junho de 1982:


Agora, os prédios estão invadindo os bairros, dentro de um processo incontrolável

A cidade dos edifícios

(ou: Santos a caminho do seu grande destino)

Texto de Lane Valiengo
Fotos: Anésio Borges e Rafael Dias Herrera

O destino está traçado, pela mão insensata dos homens: dentro de alguns anos, não existirão mais casas em Santos. Apenas prédios, prédios para todos os lados, em todos os bairros, ocupando todos os espaços, transformando a nossa metade da ilha em uma autêntica "Cidade de edifícios". A própria visão de um futuro em que a terra será mais importante do que o homem, do que o bem-estar dos habitantes das cidades.

Previsão sombria, não?

Mas irreversível.

A menos que sejam tomadas medidas urgentes e precisas para direcionar o crescimento ou impor novos hábitos à população. A construção civil - justificam os empresários - apenas acompanha as tendências e inclinações demonstradas pelos compradores em potencial.

E quais são as tendências que podemos identificar nestes tempos cruciais?

Erguido o paredão de prédios na orla, a partir da década de 50, a procura por novos espaços (e novas oportunidades de lucro; não podemos esquecer que a economia é a mola que impulsiona as relações sociais) provocou a construção de edifícios em bairros próximos, tendo por limite a linha férrea. Mas o concreto é mais veloz do que o próprio pensamento, e começaram a surgir prédios em bairros antes considerados como acima de qualquer suspeita.

Vamos examinar algumas situações práticas, que estão acontecendo agora, neste exato momento: um bairro tradicionalmente alegre e aberto, com residências baixas e ótimo nível de circulação do ar, como o Marapé, já apresenta uma rua como a Visconde de Cairu, que ostenta uma quadra inteira ocupada totalmente por edifícios, de todos os tipos, tendências e tamanhos.

Caso número dois: paralela à avenida da praia, a Rua Arthur Assis, no Boqueirão, transformou-se em exemplo de clima frio, pesado, triste. Além dos prédios do paredão da orla, que impedem a passagem do sol, instalaram-se ali outros edifícios, tornando a rua escura.

Exemplo número três: a Avenida Bernardino de Campos, antes ampla e arejada, parece diminuir a cada dia. São os prédios, que avançam sem perdão.

Na verdade, estas construções estão surgindo em diversas frentes, mudando radicalmente a face de Santos. E confirmando a tese de que as cidades influenciam o modo de vida de seus habitantes, ao mesmo tempo em que os hábitos da população influenciam o seu crescimento.

Uma observação passageira mas nem por isso desinteressante: as cidades ocidentais, que nasceram pela necessidade de protegerem os seus habitantes, acabaram com o tempo transformando-se em verdadeiras ameaças ao próprio homem, sufocando-o e expondo-o a uma violência sem sentido, reduzindo a qualidade de vida, como autênticos labirintos modernos.

Mudando de vida? - Para quem costuma pensar em Santos dentro de um padrão convencional, tradicionalista, um aviso: estão em marcha algumas mudanças significativas, principalmente entre a classe média (se é que assim ainda pode ser chamada).

Vamos ouvir uma opinião a respeito: "Não existem mais bairros ruins em Santos. Hoje, vendemos apartamentos em qualquer lugar. Não há mais aquele pensamento de que o Macuco, por exemplo, não é um bom lugar para se morar" (Adriano Ventura, presidente da Associação dos Empresários da Construção Civil da Baixada Santista - Assecob).

Estamos diante de um fato histórico: se no passado (como vimos nas primeiras reportagens desta série) os avanços econômicos determinavam o tipo de ocupação do solo na Ilha de São Vicente, o presente nos envia ao outro lado da moeda. Ou seja, a recessão e o achatamento dos salários está fazendo com que o santista deixe de lado um dos símbolos de status mais marcantes  - morar entre a linha férrea e a praia.

Não só o achatamento dos salários deve ser apontado como culpado desta trama toda. As mudanças em curso na sociedade - com a descaracterização de Santos como o principal centro de lazer do Estado, passando a ser, fundamentalmente, um centro de prestação de serviços, aumenta consideravelmente o número de profissionais liberais e independentes, que cultivam outros hábitos e apresentam novas posturas de comportamento. Há toda uma nova geração, com novas explicações.

Dentro deste quadro podemos destacar a revelação: "Hoje, temos que construir em Santos pensando também no mercado de Cubatão. O principal comprador de apartamentos, hoje, é o cosipano", observa Ventura.

Ou seja, depois do domínio da agricultura (com os barões do café) e dos homens de negócios ligados à atividade industrial, Santos vive hoje sob o domínio do técnico e do tecnocrata. Sinais dos tempos, sem dúvida...

Mas nem todos os hábitos estão mudando. Ventura demonstra que muitos comportamentos ainda sofrem a influência de tempos idos: "O santista ainda é conservador, apesar da mudança de alguns hábitos por determinada parcela da população. O santista não sobe o morro, não quer morar em São Vicente, em Praia Grande. Ele quer viver aqui mesmo, pois Santos é o centro de prestação de serviços da região. As classes em ascensão dos outros municípios acabam vindo para Santos, também. Se lançarmos um empreendimento de nível em São Vicente, com todas as facilidades, o santista não irá".

E o empresário aponta a serra, de um lado, e o mar, de outro, como os obstáculos naturais enfrentados pelo santista, inclusive em termos de comportamento.

Não dá mais para segurar - Adriano Ventura, presidente de uma associação que inclui cerca de 140 empresas de construção (principalmente de pequeno e médio porte) e 12 mil empregados, anda preocupado com o aspecto de Santos. Mas não sabe dizer com clareza como será o futuro.

"Se você me perguntar como será a qualidade de vida daqui a 20 anos, em Santos, eu não saberei dizer, realmente. Mas os empresários, se pensarem que estão construindo a Cidade em que seus próprios filhos irão viver, devem se preocupar com esta questão".

Já que o paredão de prédios na orla é irreversível, um fato que não se pode mudar, é preciso cuidar do restante da Cidade. "Vamos continuar assistindo a uma ocupação desordenada. Não dá mais para segurar. Cada vez mais, será uma cidade de concreto. A menos que haja um direcionamento deste crescimento, forçado pelo próprio mercado comprador".

A legislação atual, de 1968, está ultrapassada, e o empresário concorda com a idéia de implantação de um zoneamento de Santos, para disciplinar a construção dos edifícios. "Mas mesmo assim, se for implantado agora, estará chegando muito tarde. Não irá resolver muita coisa, mas, pelo menos, conseguirá segurar um pouco o crescimento. Na verdade, é preciso adaptar-se à realidade, as condições são outras, é preciso planejar. Mas, como sempre, tudo vem de cima para baixo, a comunidade não participa das decisões".

Vamos olhar alguns números: ainda existem em Santos cerca de 17 mil apartamentos fechados (só utilizados nas temporadas), embora cada vez mais os edifícios da orla sejam ocupados por santistas, passando a moradia principal.

Está acontecendo também um processo de renovação urbana na orla, com os prédios de até três andares sendo derrubados para dar lugares a novos edifícios de nove andares.

E, apesar da falta de financiamento que inclusive ameaça provocar desemprego em massa, paralisação de obras e "quebra" no setor), atualmente estão sendo construídos em Santos mais de um milhão de metros quadrados. Por fim, existem aproximadamente dois mil apartamentos em oferta.

Concluindo, pois: a ocupação desordenada da Ilha de São Vicente continuará, em ritmo acelerado, até que só restem os prédios. A vida dos nossos filhos, em um futuro breve, será cada vez mais inviável.

Pois cada prédio que surge e vai crescendo altera o nosso comportamento, os nossos hábitos.


Na Artur Assis, uma muralha secundária surgindo

Adaptação ou novos espaços:
escolha a melhor resposta

Não existem saídas?

Aparentemente, a tendência da ocupação de Santos por prédios, amontoados de prédios, é irreversível. Mas o empresário Adriano Ventura apresenta algumas sugestões, para, pelo menos, diminuir o impacto causado pela proliferação de edifícios.

"A solução não está apenas na mudança do código, que está realmente desatualizado, nem mesmo em um planejamento. Mas sim na ligação de Santos com Guarujá e Bertioga".

Geralmente, pensamos apenas em Santos. Não há uma visão ou uma tentativa de planejamento que envolva toda a região, com a preocupação de deslocar determinados setores para municípios vizinhos que não estejam sobrecarregados. Este poderia ser o caso da construção civil.

Em Guarujá, além da possibilidade de um padrão estético melhor, mais criativo, os terrenos são mais baratos. Com a construção de moradias destinadas à população santista (que, forçosamente, contariam com equipamentos de lazer e estrutura de serviços, para concorrer com os edifícios santistas), o preço dos terrenos em Santos não subiria tanto, tendo em vista a concorrência. Além disso, abriria um mercado de trabalho para as construtoras santistas (hoje, são as empresas paulistas que atuam em Guarujá).

Bertioga, para Ventura - desde que houvesse uma ligação física - também poderia ser uma área de expansão. E com uma novidade: os condomínios fechados, que o código de uso do solo do Distrito não permite atualmente. "Condomínio não é só para rico, como se pensa", observa Ventura, explicando que os benefícios seriam maiores do que com os loteamentos.

E, especificamente em Santos, o empresário aponta a Zona Mista Leste como área a ser aproveitada (a faixa da Ponta da Praia junto à Avenida Portuária, destinada a armazéns e empresas ligadas ao porto. Na realidade, estas empresas optaram pela Alemoa, e a área perdeu a sua finalidade).

Situação difícil - O capital, responsável pelo excesso de prédios edificados em Santos, pode, contraditoriamente, criar um impasse para que a expansão prossiga. Pelo menos, no ritmo atual. A situação da construção civil não anda nada boa e as previsões indicam que muitos prédios atualmente em obras serão paralisados em breve.

O financiamento está fechado, o Governo não tem mais dinheiro, e alguns empresários tentam, sem sucesso, conseguir empréstimos desde dezembro, percorrendo os bancos e as instituições financeiras. Se as regras não mudarem logo, haverá desemprego no setor, fatalmente. Significativamente, o volume de lançamentos de novos prédios, em Santos, tem diminuído gradativamente. Agora, o empresário prefere esperar o melhor momento para vender.

Uma característica diferente de outros locais: o santista, para comprar um apartamento, quer ver o prédio pronto, totalmente construído, certamente impressionado pelo número de empreendimentos que foram paralisados durante anos seguidos. Assim, surgiu o pequeno construtor, que investe seus próprios recursos na obra, e só depois procura, por exemplo, o Banco Nacional da Habitação para financiar a parte restante. Como atualmente o BNH não está concedendo financiamentos, a perspectiva de que muitos prédios fiquem inacabados, até o final deste ano, é mais do que uma ameaça: é uma realidade.

Sem dúvida, o momento é de cautela, muita cautela.


A Rua Liberdade, um novo ponto de atração

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