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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - BIBLIOTECA NM
Igreja do Valongo, por frei Basilio Röwer (1)

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Em livro impresso em 1955, intitulado O Convento de Sto. Antonio do Valongo, o frei Basilio Röwer OFM conta a centenária história desse convento, com prefácio de Cyro Carneiro.

Confeccionado por L. Niccolini S/A Indústria Gráfica, de São Paulo, foi uma "Edição especial de dois mil exemplares, com autorização do autor, para venda em benefício das obras de restauração do Convento de Santo Antonio do Valongo da Cidade de Santos".

Esta é a íntegra dessa obra de 120 páginas (exemplar no acervo do pesquisador de História e professor Francisco Carballa - ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução da capa da obra

 

Imprima-se

     + IDÍLIO - Bispo de Santos

         23-2-55

 

Nihil obstat.                                          

 São Paulo, 25 de fevereiro de 1955.

P. Frei Heliodoro Müller, O.F.M.

Provincial dos Franciscanos.


Índice

PREFACIANDO

BIBLIOGRAFIA

HISTÓRICO: Do convento de Santo Antônio do Valongo, de Santos

O Valongo

Prepara-se a fundação do convento

Oferta do terreno

Aceita oficialmente a fundação

Início e progresso das obras

Fundação da Ordem Terceira

O servo de Deus frei Gregório da Conceição

O Custódio frei João Batista

Um incidente desagradável

A viagem de frei José de Sto. Antônio

A pobreza dos frades, a Ordinária, os Peditórios

A ação missionária

O século XVIII

Ligeiro atrito com a Ordem Terceira

Frei Antônio do Extremo

Reconstrução do convento

Uma honra insigne para o convento

Cessão de um pequeno terreno

Hospital no convento

Venda de terreno

Os escravos do convento

A decadência

Venda do convento

A igreja é entregue à Ven. Ordem Terceira

O período de 1861 a 1907

A volta dos franciscanos

A paróquia

GUARDIÕES DO CONVENTO DE STO. ANTÔNIO DE SANTOS


Prefaciando

I

No período pré-histórico da América, se assim denominarmos a época anterior ao descobrimento, topamos com a lenda da presença do apóstolo São Tomé no Novo Continente.

O padre Manoel da Nóbrega, em suas cartas, deu parte da tradição, que deparou entre os indígenas, da passagem pela selva brasílica de um ser humano de cultura superior, assim como de certas pegadas e vestígios, encontradiços tanto no Norte, como no Sul do Brasil, atribuídos a esse ente fantástico.

Os silvícolas apelidavam-no Sumé e a semelhança onomástica facilitou identificá-lo com o Apóstolo das Índias.

Não deixa de ser curioso que análoga tradição os primeiros colonizadores espanhóis encontraram também na América do Centro e na do Norte.

Assim, teria sido São Tomé, Apóstolo, o primeiro evangelizador das Américas, no primeiro século da era cristã, a dar-se crédito àqueles mitos, desamparados, todavia, de confirmação por testemunhos ou documentos históricos.

A lenda piedosa corresponde, entretanto, à função civilizadora que a Igreja de Cristo exerceu em todo o mundo.

Quando a onda avassaladora dos bárbaros se abateu, do Norte e do Oriente, sobre as ruínas do Império Romano do Ocidente, a Igreja Católica constituiu-se depositária dos monumentos e tradições das culturas grega e romana.

E quando os Estados emergiram como organismos políticos, em que se davam as mãos o poder militar e o religioso, foi Ela o foco de propagação daquelas culturas, juntamente com as verdades da Fé.

Foi a Igreja, não o Estado, que criou um sistema de ensino popular através de suas escolas. A Ela coube um verdadeiro monopólio do ensino, pois quando um ou outro monarca se preocupava com a instrução do povo, como aconteceu com Carlos Magno e com Alfredo, o Grande, da Inglaterra, recorria sempre à Igreja de Roma.

A instrução e a educação moral, que abriram o caminho para a alvorada do Renascimento, foram obra exclusiva da Igreja, que, na expressão de um historiador, foi um verdadeiro fermento civilizador. As universidades, a começar pela primeira delas, a de Paris, tiveram sua origem nas primitivas escolas conventuais.

Sendo sua finalidade precípua a divulgação da doutrina de Cristo, condensada nos Evangelhos, necessariamente tinha a Igreja que instituir um sistema adequado de propaganda, por modo a cobrir toda a área do mundo então conhecido.

O púlpito e a escola, veículos dessa propaganda, foram-no também para a disseminação dos conhecimentos de que se fizera depositária e dos preceitos morais inerentes à própria doutrina cristã.

Não é, pois, de estranhar-se que, ao abrir-se a era dos descobrimentos, a Igreja, fiel àquela vocação evangelizadora, embarcasse homens seus nas caravelas desbravadoras dos oceanos, a fim de levar as luzes da Fé e da civilização às terras que se fossem descobrindo.

Coincidiu, mesmo, com o início dessa nova fase da história da Terra a fundação, em 1539, da Sociedade de Jesus, de Ignácio de Loiola, organização essencialmente educativa, destinada, principalmente, à propagação da fé e da civilização nos novos mundos que se abriam à conquista e à dominação dos povos europeus.

Suas escolas, no dizer de Francis Bacon, representavam o que de melhor tinha sido posto em prática até então.

II

As naus de Cabral não fugiram à regra. Traziam no seu bordo missionários franciscanos, em número de oito, oriundos da Província de Santo Antonio dos Currais, em Portugal.

Foi assim que um franciscano, frei Henrique de Coimbra, superior daquela missão e futuro bispo de Ceuta, tomou posse da Terra de Santa Cruz para a religião católica, quando celebrou a primeira missa e pregou o primeiro sermão na praia baiana.

Outros frades menores aqui estiveram depois, como "luzes errantes", na expressão de Jaboatão.

Mas, foi somente em 1585 que a Ordem Seráfica se fixou no Brasil, estabelecendo em Olinda o seu primeiro convento, fundado por frei Melchior de Santa Catarina, o qual, com outros cinco frades da mesma Província de Santo Antonio dos Currais, atendia, assim, ao insistente apelo de Jorge de Albuquerque Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco.

Os franciscanos já tinham sido precedidos pelos jesuítas, carmelitas e beneditinos.

Os primeiros, capitaneados pelo padre Manoel da Nóbrega, vieram com o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, em 1549, e fundaram na Bahia a sua primeira casa, donde a semente logo se trasladou para outras capitanias.

Os carmelitas também já estavam no Brasil desde 1580, quando estabeleceram seu primeiro convento nesta então vila de Santos.

E em 1581 chegaram à Bahia e aí se instalaram os monges do patriarca São Bento, tendo à frente o padre fr. Antonio Ventura.

Daquele foco original de Olinda esparziu-se a obra franciscana ao longo da costa, para o Norte e para o Sul, como num rosário de luzes. Cresceu e desenvolveu-se a Custódia, que em 1657, por ato do papa Alexandre VII, era desligada da Província-mãe em Portugal e transformada em Província autônoma, sob a denominação de "Província de Santo Antonio do Brasil", com sede na Bahia.

Já era considerável, nessa altura, a obra franciscana nas bandas do Sul. Em 1591 fundara-se o convento de São Francisco em Vitória e em 1606 o de Santo Antonio, no Rio de Janeiro. Seguiram-se o de São Francisco e São Domingos, em São Paulo (1639), o de Santo Antonio, em Santos (1640), o de São Boaventura, em Macacú (1649), os de N. S. da Penha, no Espírito Santo, e de São Bernardino, em Angra dos Reis (1650) e o de N. S. da Conceição, em Itanhaém (1654).

Assim, naquele mesmo ano de 1657, sendo já em número de oito os conventos franciscanos que existiam nas partes do Sul, foi criada uma nova Custódia, com a denominação de "Custódia da Imaculada Conceição da Virgem Nossa Senhora", a qual foi ereta em Província autônoma, com sede no Rio de Janeiro, por breve do papa Clemente X, em 15 de junho de 1675.

III

O trabalho missionário e educativo dos franciscanos no Brasil, como o dos religiosos das demais Ordens, que aqui se estabeleceram, foi dos mais profícuos, mas, também, dos mais árduos.

Ia à frente a obra de catequese, exigindo a penetração do sertão ínvio, em busca do indígena, naturalmente esquivo, para levar-lhe a luz do Evangelho e atraí-lo à civilização.

Era tarefa arriscada, em que os humildes filhos do "Poverello" de Assis tinham que enfrentar os graves riscos que a natureza disseminava em regiões inteiramente desconhecidas e a agressividade inata do gentio contra o invasor branco.

A palma do martírio selou a vida de muitos franciscanos, sacrificados no cumprimento de seu dever missionário, sem que se guardasse, nas mais das vezes, o simples registro dos nomes desses heróis da Fé.

Havia que atender, ainda, ao serviço religioso das povoações nascentes, onde se aglomerava o elemento branco, e à obra, não menos árdua, de sua instrução e educação.

Outras escolas não havia, além das que os religiosos mantinham nos conventos, residências e colégios.

Nessas escolas, adverte Taunay, abalizados professores ensinavam desde as primeiras letras até a filosofia e a retórica, desde o latim e os rudimentos das matemáticas até a teologia e a moral.

Foram essas escolas o fulcro de que se irradiou a cultura intelectual da mocidade brasileira e a sementeira de que se gerou a nossa literatura.

Mais dificultosa era, ainda, a missão educativa dos religiosos, incumbindo-lhes não só a formação moral dos silvícolas catequizados e da população branca adolescente, como, ainda, a repressão e correção dos costumes desregrados do elemento branco, vindo da metrópole, o qual, lançado à solta na vastidão da terra, sem o freio de uma autoridade civil presente e potente, tendia a uma natural relaxação.

Não era bastante penetrar o sertão em busca do índio, para levar-lhe a opulência espiritual e moral das letras e do Evangelho, para abrandar-lhe o ânimo belicoso e extirpar-lhe o canibalismo, para arrancar-lhe os hábitos amorais da poligamia e da promiscuidade e para fixá-lo nos aldeamentos e aí guiar-lhe os passos na vida civilizada.

Havia, ainda, que proteger o índio contra a cobiça insaciável do branco e preservá-lo dos exemplos daninhos deste.

Dobrava-se, assim, a tarefa de educação e civilização, tendo também por objeto o elemento branco, para combater seus escândalos e maldades, para coibir-lhe o apetite de escravização do gentio e para pôr freio ao seu absoluto desregramento de costumes.

Para isso, tinham que entrar em choque os missionários, sem condescendências comprometedoras, com os interesses dos grandes senhores da terra, acendendo contra sua obra civilizadora o fogo do rancor desses potentados.

Figuras notáveis na ciência, nas artes e na virtude deram à pátria brasileira os humildes discípulos do Santo do Amor.

Foi um franciscano e dos mais eminentes o primeiro historiador brasileiro, frei Vicente do Salvador, um dos fundadores do convento do Rio de Janeiro. Na sua "História do Brasil", concluída em 1627, não podendo sopitar seu sentimento de amor à pátria, depois de pintar o atraso material e moral da colônia, desabafa seu zelo patriótico em palavras duras e corajosas:

"Disto dão alguns culpa aos reis de Portugal, outros aos povoadores. Aos reis, pelo pouco caso que hão feito deste grande estado, que nem o título quiseram dele, pois intitulando-se senhores de Guiné, por uma caravelinha que lá vai e vem, como disse o rei do Congo, do Brasil não se quiseram intitular. Nem depois da morte de el-rei d. João Terceiro, que o mandou povoar e soube estimá-lo, houve outro que dele cuidasse, senão para colher as suas rendas e direitos".

Frei Antonio do Extremo viveu seus 20 anos de Ordem pregando missões no Sul do Brasil, em viagens apostólicas que cobriram os sertões de Goiás e Mato Grosso e se estenderam até a colônia do Sacramento.

Franciscanos foram e modelos de virtudes cristãs frei José de Santo Antonio, conhecido como "O Santinho", um dos fundadores do convento de São Paulo; frei Fabiano de Cristo, o humílimo e caridoso enfermeiro do convento do Rio de Janeiro; e fr. Antonio de Sant'Ana Galvão, fundador do Recolhimento da Luz, em São Paulo, os quais todos morreram em cheiro de santidade.

Na ciência e nas letras brilharam frei José da Costa Azevedo, naturalista notável, primeiro diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro; frei José Mariano da Conceição Veloso, autor da "Flora Fluminense", considerado o maior botânico brasileiro; frei Francisco de São Carlos, afamado poeta e pregador, celebrizado pelos seus sermões e pelo seu poema "Assunção"; e, por fim, frei Francisco de Mont'Alverne, cognominado o "Bossuet Brasileiro", sem dúvida o maior vulto da tribuna sagrada no Brasil.

Não se esqueça, ainda, a figura inconfundível de frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, um dos pró-homens da Independência.

Frei Sampaio foi grande pregador, maior jornalista no Reverbero, no Regulador e no Diário do Governo e ainda maior patriota. Sua cela no convento de Santo Antonio, no Rio, era o centro onde se reuniam os conspiradores Ledo, Januário, Rocha, Nóbrega e até o príncipe regente, para tramarem e planejarem a ação, de que resultou a Independência.

IV

Veio, depois, a decadência, como efeito do regalismo asfixiante. O padroado, no Brasil, longe de beneficiar a Igreja oficial, constituiu sério entrave ao seu desenvolvimento, para culminar na grave questão religiosa, que agitou a fase final do Império.

As ordens monásticas, tolhidas na fase colonial pela lei portuguesa da "alternativa", foram as que mais sofreram a ação opressora do Estado.

Uma portaria de 5 de agosto de 1828 declarou extinta a lei da "alternativa", como incompatível com a soberania do Brasil. Mas, em contragolpe, a mão de ferro do Governo imperial pesou ainda mais fortemente sobre as comunidades religiosas.

Nesse mesmo ano de 1828 o governo civil cortou as relações das Províncias com o seu Geral, "a fim de serem governadas e regidas em todos os seus atos e serem decididos todos os seus negócios sem dependência e ingerência de autoridades estrangeiras". Era a expressão de um nativismo ainda mais duro do que o da lei da alternativa.

O poder civil se imiscuía no governo interior das comunidades, indo ao ponto de ordenar a concessão de licenças, para o afastamento de frades de seus conventos, contra o desejo dos superiores.

Dessas e outras freqüentes imposições do Governo resultou que o Provincial perdeu toda a força moral sobre seus governados, abrindo-se a porta à indisciplina.

Foi assim que em 1837, por ordem da Regência, foi deposto o guardião do convento de Santo Antonio do Valongo, frei Francisco da Piedade, por ser de nacionalidade portuguesa.

Já em 1850, na frase do fr. Diogo de Freitas, as Províncias eram organismos física e moralmente combalidos, ante a sucessão de golpes de força do governo imperial.

Em 1855, enfim, veio o golpe de misericórdia, que liquidou a instituição, condenando-a à morte lenta.

Nabuco de Araújo, ministro da Justiça do gabinete Paraná (1853-1857), manifestara, desde o início de sua gestão, o intuito de promover, de acordo com a Santa Sé, uma reforma dos conventos brasileiros, que, dizia ele em seu relatório de 1854, "se acham pela maior parte em estado deplorável, quanto à disciplina e à administração".

Como passo preliminar para a projetada reforma, expediu ele um aviso-circular a todas as ordens religiosas, em 19 de maio de 1855, comunicando-lhes que S. M. o Imperador houvera por bem cassar todas as licenças concedidas para a entrada de noviços nas comunidades, "até que seja realizada a Concordata que à Santa Sé vai propor o Governo Imperial".

Na idéia de Nabuco, a proibição do noviciado constituiria apenas uma medida provisória, "enquanto se não organizarem os conventos de um modo conveniente", porque lhe parecia que "a admissão de noviços seria uma dificuldade, no futuro, para a reforma".

Aconteceu, porém, que o Ministério da Conciliação retirou-se sem lograr realizar a anunciada concordata com o Papado. Houve, ao que parece, algumas sondagens preliminares em 1856, mas não mais se tratou do assunto.

Entretanto, aquele aviso de 1855 não foi revogado. Nenhum governo, até a queda da monarquia, lembrou-se de levantar aquela proibição, medida que, de provisória, transformou-se em definitiva, e teria de acarretar a extinção das ordens religiosas no Brasil.

Para que se avalie o efeito destruidor da supressão do noviciado, basta o confronto de alguns números de estatística.

A Província da Imaculada Conceição, que contava em 1683 um total de 169 religiosos, chegou a ter 481 em 164 e em 1777 somava 305. Em 1848, por efeito da ação prepotente do regalismo, já não havia senão 48 frades em seus conventos.

Em 1870, esse número estava reduzido a 6 apenas. Nesse ano, morrendo o Provincial, frei Coração de Maria, somente um restava, com forças para administrar a Província, frei João do Amor Divino Costa, pois os outros cinco eram velhos e inválidos.

Coube a frei João, que encerrou a lista dos Provinciais, a missão de sepultar todos aqueles restantes companheiros. O último deles, frei Francisco de São Diogo, faleceu em 23 de março de 1886 e desde aí frei João do Amor Divino Costa foi, até a República, o único elemento da comunidade, outrora próspera.

Como era natural, os conventos, inteiramente desabitados, não poderiam resistir à ação do tempo.

Proclamada a República e estabelecida a liberdade religiosa, já em 1892 chegava à Bahia a primeira missão da Ordem de São Francisco, vinda da Alemanha, com o encargo de restaurar a Província de Santo Antonio. Frei João do Amor Divino, ainda vivo, resistia, porém, a todas as tentativas de restauração da Província da Imaculada Conceição. Só em 1899 ele anuiu em admitir novos frades da Ordem nos conventos do Sul.

Nesta nova fase da Ordem Seráfica no Brasil havia, a princípio, um só Comissariado com jurisdição em todo o País. Mas, nesse ano de 1899, já era dividido em dois, o do Norte, que compreendia a antiga Província de Santo Antonio da Bahia, mais os conventos do Rio e de Petrópolis, e o do Sul, constituído pelas novas casas da Ordem em Santa Catarina e no Paraná.

Em 1901, por fim, restabeleceu-se a antiga divisão da Ordem, isto é, com duas Províncias autônomas, a de Santo Antonio, na Bahia, e a da Imaculada Conceição, no Rio de Janeiro, com os mesmos antigos quadros territoriais.

V

Frei Basilio Röwer, do Convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro, pesquisador infatigável dos fatos históricos da Ordem e especialmente da Província da Imaculada Conceição, pretendeu vir à luz, em 1940, com uma monografia sobre a história do Convento de Santo Antonio do Valongo.

Essa publicação constituiria uma contribuição do notável historiador franciscano para a comemoração da grande data histórica do III Centenário do Convento de Santos. Representaria, segundo sua própria expressão, o resultado de paciente investigação sobre o longo passado desse Convento, através de documentos inéditos do arquivo da Província, conservados no Convento do Rio de Janeiro. No entanto, por circunstâncias que superaram o poder da sua vontade, aquele intento se frustrou.

A monografia então projetada constituía parte integrante de obra de maior fôlego, já então concluída, embora não editada.

Esse trabalho notável - "Páginas da História Franciscana no Brasil" - veio à luz em 1941.

Consta de um esboço histórico de todos os conventos e hospícios fundados pelos religiosos franciscanos da Província da Imaculada Conceição, desde 1591 até 1758, e das aldeias de índios por eles administradas desde 1692 até 1803, formando um alentado volume de cerca de 650 páginas.

As "Páginas da História Franciscana no Brasil" são um opulento repositório de informações e notícias, muitas das quais até então inéditas, sobre a obra franciscana no Brasil, representando uma contribuição valiosíssima para a divulgação e o estudo da história pátria.

A acolhida que teve nos meios intelectuais brasileiros constituiu justo prêmio ao labor e à capacidade do autor, que se impôs como um investigador meticuloso, um expositor primoroso e um historiador criterioso e sábio.

Agora, publica-se em separata o capítulo daquela obra referente ao Convento de Santos, acrescido de um parágrafo inédito, que deveria entrar na monografia projetada para 1940, cobrindo a vida do convento de 1924 a 1940.

Inspirou-se essa iniciativa no propósito de redivulgar aqueles dados históricos acerca do tradicional convento franciscano e, ao mesmo tempo, no de animar, por este meio, a coleta de recursos para a execução de um plano de conservação e restauração do vetusto templo.

VI

Ao que refere Rocha Pita, havia em Santos, em 1730, além da primitiva capela de Braz Cubas, no outeiro de Santa Catarina, as seguintes igrejas: a Matriz, a Capela de São Miguel anexa ao Colégio dos Jesuítas, a da Misericórdia, a de N. S. da Graça, o convento do Carmo, o de Santo Antonio, um hospício dos monges de São Bento, sob a invocação de N. S. do Desterro, a ermida do Monte Serrat, dos mesmos monges de São Bento e uma capela de São Francisco de Paula, na aba do Monte Serrat, ao pé do ribeirão São Jerônimo.

Poucos são os que ainda hoje restam desses primitivos edifícios religiosos.

A Capela de Santa Catarina ruiu com o primeiro hospital da Misericórdia, que lhe era anexo, em época que não se pode precisar, mas, de qualquer forma, antes de 1822.

A primeira Igreja Matriz foi a antiga igreja da Misericórdia, edificada por Braz Cubas no lugar onde hoje se ergue a estátua do fundador da cidade. Nesse local, outras duas foram sucessivamente edificadas, a última das quais concluída em 1754, vindo a ser demolida pela Municipalidade em 1908, para alargamento e aformoseamento da Praça da República.

O colégio dos Jesuítas, com a capela anexa de São Miguel, também foram demolidos, para dar lugar à edificação da antiga Alfândega, no mesmo ponto onde existe o novo edifício dessa repartição fiscal da União.

A Igreja de N. S. da Graça, no canto da Rua de Santo Antonio com a Rua da Graça, depois do Sal e hoje José Ricardo, também há muito desapareceu.

A primitiva igreja da Misericórdia foi, como dissemos, ocupada como primeira Matriz e, como os vigários não a desocupassem, a Irmandade tratou de construir outra, no campo que, por isso, foi chamado da Misericórdia e hoje é a Praça Mauá. Construída por volta de 1750, pouco durou, pois no começo do século XIX caiu em ruínas, o que forçou a Irmandade a trasladar-se para a capela de São Francisco de Paula, na fralda do Monte Serrat.

Esta capela, ao lado do antigo hospital da Santa Casa, lá está de pé, mas fadada a próximo desaparecimento, pois já se cogita da demolição do bloco, hoje pertencente ao Governo do Estado ou à Caixa Econômica Estadual.

A ermida de N. S. do Desterro, ocupada pelos monges beneditinos, foi transformada em Mosteiro e constitui relíquia histórica, ainda sobrevivente, assim como a ermida de N. S. do Monte Serrat.

Existiu depois, mas já não há, a capela do Carvalho, ou de Jesus, Maria, José, também conhecida por capela do Terço, que ficava na antiga Rua da Praia.

Restam, pois, daquela época, além dos dois templos beneditinos, acima lembrados, os conventos do Carmo e de Santo Antonio, este, aliás, mutilado pela desapropriação feita em 1861 pela São Paulo Railway, que demoliu a parte ocupada pelo convento antigo.

É notável o desamor dos brasileiros pelos monumentos e tradições de sua história. Nada se faz para preservá-los e conservá-los, como costumam fazer outros povos. Ao contrário, como que há o propósito de desnaturá-los, consumi-los e destruí-los.

Ainda agora está em processo uma tentativa para relegar-se ao abandono o Panteon dos Andradas, a pretexto de que é exíguo, propondo-se a remoção da sepultura do Patriarca e dos despojos de seus irmãos, que ali repousam, para outro lugar.

Fala-se, até, na possibilidade da venda e demolição do convento do Carmo, para melhor aproveitamento econômico do terreno, altamente valorizado...

O Convento de Santo Antonio, além daquela mutilação de 1861, imposta em nome do progresso, para a construção da estação da estrada de fero, sofreu a ação do tempo, num longo período de abandono.

A parte restante passou em 1935-36 por uma reforma, realizada com o intuito piedoso e louvável de preservar-se o velho edifício. Ao zelo e carinho dos promotores dessa obra escaparam alguns pequenos defeitos, entre os quais avultou a implantação de uma gruta de N. S. de Lourdes num dos vãos da fachada.

A obra agora projetada tem por finalidade principal a conservação e preservação do histórico templo e a correção daqueles pequenos senões.

Esse é, pelo menos, o empenho dos frades que a querem realizar. Oxalá não lhes faltem os poderes públicos e a população santista com os recursos financeiros que são indispensáveis para a realização do seu piedoso desígnio e que povo e governo atendam ao seu apelo.

Nele ouvimos o eco das vozes celestiais com que, na velha igreja de São Damião, o Senhor conclamou a tarefa análoga o seráfico Santo da Porciúncula, o Esposo da Pobreza, dizendo-lhe:

"Restaura minha casa para mim"

Cyro Carneiro.

Imprima-se

     + IDÍLIO - Bispo de Santos

         23-2-55


BIBLIOGRAFIA

Sobre o convento de Sto. Antônio de Santos

MANUSCRITOS

1) Memória sobre a fundação e primeiros Prelados do Convento de Sto. Antonio de Santos, 1743 (Memória fundação Conv. Santos).

2) Resumo de notícias (em latim) sobre a fundação do Convento de Santos (Resumo notícias Conv. Santos).

3) Documentos do arquivo da V. Ordem Terceira de Santos (Doc. av. arquivo O.T. Santos).

4) Livro de termos, começado em 1689, no arquivo da V. Ordem Terceira. (Livro termos, O. T., Santos).

5) FREI ANTÔNIO DO EXTREMO, Carta autógrafa (Frei Antônio do Extremo, Carta).

6) Crônica do Convento de St. Antônio do Valongo (Crônica Conv. Santos).

BIBLIOGRAFIA IMPRESSA

1) JOÃO LUIZ PROMESSA, Reminiscências de Santos, 1930 (Promessa, Reminiscências...)

2) IDEM, O Convento de Sto. Antônio do Valongo, in TRIBUNA DE SANTOS de 6 de agosto de 1939. (Promessa, Tribuna)

3) FRANCISCO MARTINS DOS SANTOS, História de Santos, 2 vols. 1937. (Martins dos SS., História...)

4) ALBERTO SOUZA, Os Andradas, 3 vols., 1922 (Souza, Os Andradas...)

5) CAPISTRANO DE ABREU, Prolegômenos ao Livro II da História do Brasil do Frei Vicente do Salvador, 1931. (Cap. Abreu, Prolegômenos...)

6) JOÃO DA COSTA FERREIRA, A cidade do Rio de Janeiro e seu termo, 1933 (Costa Ferr., A cidade do Rio de J. ...)

7) A.G.S.J., Padre Bartolomeu Taddei, S. J. 1938 (A.G.S.J., Padre Taddei...)

8) Documentos interessantes, vol. XVI, S. Paulo, 1895 (Doc. Interess...)


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