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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Nos tempos do telégrafo

Quando TVs e rádios eram raros, não existiam o telex e o fax, e até o telefone demorava 24 horas para dar tom de discar...

Esta crônica foi publicada em 3/1/1986 no jornal santista A Tribuna, por uma personalidade bastante conhecida no mercado cafeeiro local:

Prédio da Western Telegraph, no Largo Senador Vergueiro, entre 1916 e 1920

O telégrafo dos idos tempos

Francisco De Marchi

Os telégrafos imperaram nesta cidade, voltada a todos os comércios. Em especial os serviços por cabo submarino: The Western Telegraph Cº. Ltd. (inglês), o All America Cables (norte-americano) e o Italcable (italiano). O doce mistério do recado indo e vindo pelo cabo de milhares de quilômetros de extensão, submerso às vezes em profundidades onde não chega a luz, sempre nos intrigou. E vibrávamos ao saber de cabos rompidos, porque aí nascia a operação de pescagem de suas pontas, depois de trabalhosa localização, para içá-las e emendá-las a bordo do barco de socorro!

Tudo isso punha fogo em nossa imaginação. Como ocorreu também quando Guglielmo Marconi, inventor do telégrafo e Prêmio Nobel de Física em 1909, a bordo de seu legendário iate, na Itália, acionava em 12/10/1931, pelo rádio, o equipamento que iluminaria no Rio de Janeiro o monumento de Cristo Redentor. Ordens cumpridas à distância, à custa de ondas elétricas direcionadas e que agitaram o mundo, mas hoje corriqueiras face ao comando, em terra, do que se passa nos satélites em órbitas espaciais.

Para contatos com o Interior, valíamo-nos dos postos telegráficos das estradas de ferro, que se utilizavam da rede de fios estendidos nos postes inumeráveis, fincados à margem dos trilhos. O telégrafo supria as deficiências das comunicações telefônicas. O telefone, de manivela, magnético, nem mesmo era conhecido em muitas localidades; as chamadas eram difíceis e demoradas, enquanto as mensagens por telegrama alcançavam todos os lugares servidos por estrada de ferro e podiam ainda, se necessário, e a partir da última estação receptora, seguir a cavalo, por léguas de sertão adentro, até o destinatário, localizado em sítio "onde Judas perdera as botas".

Voltando ao Western, tenho ainda presente a grande serventia que prestava aos exportadores de café e às firmas importadoras e exportadoras; funcionava em prédio construído junto ao cais e à Bolsa Oficial do Café, colado à Praça Azevedo Júnior (que ora existe em teoria), no terreno em que no fim do século passado (N.E.: século XIX) se encontrava o Mercado do Peixe. O edifício foi demolido há pouco tempo, para dar lugar às obras de remodelação da orla portuária. Existia ainda o All America, em outro setor; somente depois surgiria o Italcable.

O Western também se ligava à Capital do Estado, por fios montados em postes de propriedade do telégrafo, cuja manutenção, porém, estava entregue ao DCT (Departamento de Correios e Telégrafos). E para apanhar algumas notas mais íntimas com respeito à vida do Western, proseei ligeiramente com Carlos Lopes Silva, um cidadão de 83 anos de idade, que ali trabalhou a partir de 1914 e ainda faz diariamente seu cooper e mostra um rosto conservado, de quarentão...

Carlos iniciou como mensageiro (entregador de telegramas), ganhando 30$000 (trinta mil réis) mensais, feliz por usar um uniforme: "Era vistoso e dava-me ares de militar sem divisas" - confidenciou-me. Preenchia os telegramas à mão (era indispensável possuir-se excelente letra e segurança para transpor o texto transmitido; ligeiro cochilo na redação de telegramas recebidos em código, é óbvio, importaria na criação de graves problemas, tanto para o expedidor, como para o recebedor da mensagem). A adoção da máquina de escrever tornou os textos mais legíveis; o funcionário que dispusesse de diploma de datilografia automaticamente recebia um aumento de ordenado de 10$000 (dez mil réis).

Os telegrafistas obedeciam a horário de trabalho corrido - seis horas diurnas e outras tantas noturnas - e usavam uma pala para que a luz elétrica ou a do bico de gás, este preso a pesos manobráveis que permitiam alteá-la, descê-la, afastá-la ou aproximá-la, não lhes fatigassem os olhos em demasia.

É evidente que em algumas épocas os serviços sofreram grande congestionamento: em 1928, quando do desabamento parcial do Monte Serrate; em 1929, em decorrência do terrível craque da Bolsa de Nova Iorque; em 1930, durante a revolução getulista; em 1932, quando da revolta paulista.

Pudessem as cópias dos telegramas de maior relevo e de múltiplas épocas serem avaramente guardadas, e classificadas, contaríamos à mão terrível fonte de informações que, não tendo a seu tempo alcançado publicidade, explicariam a esta altura o nascedouro de atos militares condenáveis, de insurreições afagadas, de estouros financeiros contornados, de procedimentos criminosos que arrasaram a vida de instituições gigantescas e minaram a credibilidade de algumas administrações públicas...

O telégrafo servido por cabo submarino teve seus dias de fastígio. Na Western, assegurou-nos Carlos Lopes Silva, entre a passagem de um telegrama para Londres e a conseqüente resposta não decorria, uma vez ou outra, espaço de tempo superior a sete minutos. E aconteceu que, enquanto se fazia o troco para o expedidor do telegrama, este já tinha de volta pelo cabo a informação que solicitara!

Em 1949, depois de aposentado, Carlos acabou convocado para operar como telegrafista na Ilha de Fernando de Noronha. Submetera-se a concurso; lia com rapidez o tradicional tracejado das mensagens telegráficas. E a audição? Excelente, mesmo agora! (o que arrasa a moral deste cronista que está ficando surdo como uma porta).

Problemas agudos haviam aparecido no posto telegráfico da ilha; o anterior telegrafista "não andava bem da cabeça" e tinha crises de labirintite; culpada: a ilha estreita - um punhado de rochedos diante da imensidão oceânica -, batida pelos ventos e por forte arrebentação de ondas, cujo estrépito afetava o sistema nervoso dos que trabalhavam no posto, junto à praia. Depois, foi a vez do superintendente do serviço acidentar-se e ser removido para o Continente, por via aérea. Carlos, que ganhava 950$000, foi obrigado a acumular as funções de telegrafista, gerente e superintendente...

Entretanto, os métodos de comunicação começaram a mudar. Lembro-me de indivíduos destros em datilografia e donos de boa redação, enfiados em cabinas estreitas, nos jornais, que recebiam por telefone as notícias do dia, inclusive de "última hora" e as colocavam no papel. Extenuante serviço que entrava pela noite adentro; junto à máquina de escrever, um dispositivo para câmbio das posições, para que o recebedor das notas pudesse repetir o texto, no sentido de aclarar ou complementar o que lhe fora passado por telefone.

Muito tempo depois surgiria o telex (atualmente usadíssimo), como auxiliar valioso na vida jornalística, na bancária, nas repartições públicas e nos órgãos oficiais de comunicação. Máquinas de escrever como pontos terminais, distanciadas entre si, freqüentemente por centenas de quilômetros, atuando uma como transmissora e a outra como receptora; calcando-se as teclas da primeira transmitem-se impulsos elétricos à segunda; mãos invisíveis na máquina receptora acionarão as mesmas teclas movimentadas na primeira, lançando-se então no papel a mensagem transmitida.

Os sistemas de comunicação continuaram a diversificar-se, enquanto o telégrafo envelhecia, ficava superado. Veio a transmissão da imagem pelo telefone (telefoto), pelo vídeo (televisão), ou pelo rádio. Impulsos elétricos, sem fio, enviados pelas sondas e naves espaciais, ou apanhadas pelo radar, trouxeram-nos imagens de paisagens lunares, marcianas e venusianas, dos anéis de Saturno, do nosso próprio globo terrestre (apanhadas da Lua), passeando sua beleza pelo Cosmo, ou então as estranhas palpitações de outros mundos, procedentes de afastadas galáxias. E há, neste momento, sondas espaciais viajantes, espiãs oficiais que nos enviarão fotos do cometa Halley, romântico vagabundo que a cada 75 anos erra por nossa vizinhança.

E o que sobeja hoje para o velho telégrafo? Nada! Já fez muito; aposentaram-no! Mas, para contrastar com a rapidez dos telegramas transmitidos pela Western, cabe-me relatar experiência pessoal, vivida em 1946 quando estive no Rio de Janeiro, tratando de assunto relevante para a vida de um dos nossos sindicatos locais. Como a solução da matéria demandasse mais dois dias, solicitei ao sr. ministro que enviasse um telegrama à firma em que eu trabalhava, em Santos, justificando o prolongamento de minha estada na então Capital Federal.

O telegrama, solenemente carimbado - urgentíssimo - foi redigido em minha presença e entregue a um contínuo que saiu voando para expedi-lo. Tranqüilizado com tal cobertura, decidi-me, por conta própria, esticar minha permanência no Rio por uma semana inteira, que a cidade era convidativa e havia muito com que se divertir por lá! Regressando à firma, espantei-me: nada do telegrama! Quinze dias depois, desfazendo o enigma, com toda a pachorra, chegou a ansiada comunicação! Para honra da celeridade dos nossos serviços, fora passada pelo telégrafo... nacional!


Anúncio publicado na revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro, em 4/7/1931

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