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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Os pelourinhos de Santos

A vila teve dois, em local nobre. Simbolizavam a presença da Coroa e da lei

Costa e Silva Sobrinho (*)

Entre os estrangeiros amigos de Portugal, houve um outrora que lhe prestou relevantíssimos serviços. Foi o conde Raczynski, Atanásio de Raczynski, ministro da Prússia naquele país desde 1842 até 1847. Logo no primeiro ano de sua residência ali, recebeu ele um pedido da Sociedade Artística e Científica de Berlim para que lhe enviasse informes a respeito das artes da nossa velha metrópole.

Assim, começou o insigne diplomata e escritor, para atender à honrosa solicitação, a examinar todos os livros que tratavam do assunto. Viu quadros, analisou obras de arte, revolveu arquivos, visitou museus, templos, castelos etc. Tornou-se por isso senhor de um imenso cabedal de conhecimento, o qual muito serviu para elucidar a Europa, e mesmo os próprios portugueses, acerca de alguns temas artísticos e históricos de Portugal.

Após haver prestado as suas informações, iniciou ele em 1843 a publicação de uma série de cartas curiosíssimas. Apareceram depois essas cartas em Paris, no ano de 1846, enfeixadas num alentado volume de 548 páginas, com o seguinte título: "Les Arts en Portugal - Lettres adressées a la Societé Artistique et Scientifique de Berlin et accompagnées de documents". Nessa obra, hoje raríssima, respingamos estes informes sobre os pelourinhos:

Em Portugal, os pelourinhos são todos no interior das vilas e cidades, e quase sempre diante da casa da câmara; ao contrário da forca, que estava fora da povoação, e em lugar alto para que pudesse ser vista e aterrar os malfeitores.

No antigo livro das fortalezas, que está na Torre do Tombo, feito por Duarte d'Armas, pintor del-rei D. Manuel, há muitos pelourinhos. Os de Sabugal, Castelo de Mendo, de Mogadoiro e Penaroia, têm a mesma forma dos pelourinhos franceses, o que para mim foi novidade. Todos eles têm gaiola ou guaritas para a exposição dos criminosos. Todos os que tenho visto constam de uma coluna, donde saem quatro ganchos de ferro, tendo na extremidade uma argola e uma cadeia; em cima, uma coroa ou um capitel. O de Coimbra termina em cutelo. A gaiola do da Arruda é quadrada. O pelourinho da Batalha é mui bem lavrado, assim como o de Cintra e de Alverca.

A palavra picota significa, em linguagem judicial e municipal, o sítio onde se expunham os criminosos, e se lhes infligiam as penas impostas pelas autoridades locais. Na Ordenação Alfonsina, livro I, título 28, mandava-se que os padeiros, carniceiros, regateiras etc., que furtassem no peso, fossem postos na picota. Uma postura da câmara de Vizeu, de 1304, manda que todo carniceiro, padeiro etc., que tiver pesos falsos, pague cinco soldos, e "ponham-no na picota".

Os pelourinhos servem hoje para afixar os editais municipais e judiciais, os anúncios fiscais etc.

Em 1833, à imitação do que se fez em França, no tempo da Revolução, arrancaram-se os ganchos de alguns pelourinhos, para apagar a lembrança do préstimo que tinham tido.

Hoje, os pelourinhos apenas são o emblema da jurisdição municipal.

Os pelourinhos tinham de fato, primitivamente, sobre o fuste - que era mais ou menos da altura de um homem -, uma gaiola onde os réus cumpriam a pena de  "exposição". A gaiola passou mais tarde a figurar em ponto pequeno, como remate simbólico, sem nenhuma utilidade prática. E acabou por se transformar em outros coroamentos. Os pelourinhos manuelinos, por exemplo, rematavam freqüentemente pela esfera armilar.


Primeiro pelourinho de Santos, em bico-de-pena do artista Ribs

Todo pelourinho tinha sempre: a plataforma com degraus; a coluna, fuste ou esteio; e o capitel, remate, coruchéu ou pinha. Não eram postes de execução. Para o suplício da estrangulação, havia a forca, o patíbulo. Castigavam-se nos pelourinohs os exploradores, os ladrões, os difamadores. Reduziam-se os castigos à pena de exposição e vergonha pública e ao açoite, pena que era muitas vezes comutada em pagamento de multa para o concelho.

Os pelourinhos existiram até nos países mais civilizados. Montesquieu, tratando da justa proporção entre os delitos e as penas, no livro 6, capítulo 16, do Espíritos das leis, mostra que a própria Inglaterra os tinha. E narra, a esse propósito, o seguinte caso interessante:

Carlos II, rei de Inglaterra, viu, ao passar, um homem posto na argola do pelourinho.

- Por que está ele ali? - perguntou.

- Senhor - responderam-lhe -, é porque escreveu libelos contra os ministros de Vossa Majestade.

- Grande tolo! - exclamou o rei -. Por que não os escreveu contra mim? Nada lhe teria acontecido.

D. Pedro II, relativamente aos escravos que eram castigados, teve gestos magnânimos como esse.

Os pelourinhos, nos últimos tempos, já não eram instrumentos oprobiosos. Antes pelo contrário, simbolizavam a autonomia municipal. Eram padrões municipais.


Junto ao primeiro pelourinho, Braz Cubas lê o foral de vila, no quadro-conceito de Benedito Calixto

Em Santos houve dois pelourinhos. O primeiro, mandado levantar por Braz Cubas entre a praia e o terreno onde depois se construiu a Casa do Trem. Era o Pelourinho Velho, referido nesta ilustrativa petição, feita em 2 de setembro de 1806 ao nosso juiz de fora e de órfãos:

Diz d. Ana Maria de Jesus, viúva que ficou do falecido capitão Francisco de Menezes e Sousa, que dela suplicante, entre os mais bens que possui, existem duas moradas de casas térreas sitas nos Quartéis, no lugar do Pelourinho Velho desta vila, na rua do Mar, com os fundos para o mar, com os seus pilares e paredes de pedra e cal, cobertas de telha: assim mais outra morada de casas térreas que se acha na rua da Misericórdia com fundos para o muro do Carmo, rua que vai sair no Oratório do Porto, também com pilares e paredes de pedra e cal e algumas de pau a pique, cobertas com telhas. Que herdou aquelas de seu pai o dr. Gaspar da Rocha Pereira, e houve esta de seu irmão José Joaquim da Rocha Pereira e de sua mãe d. Maria Gomes Pinheira, todos já falecidos. E porque quer justificar em como os ditos seus pais e irmãos supra falecidos sempre foram senhores e possuidores das ditas casas há mais de 40 anos, sem contradição de pessoa alguma, e por morte deles ditos seus pais e irmão ela dita suplicante foi sua universal herdeira etc.

Pelos depoimentos das testemunhas então ouvidas, sabemos hoje que a rua dos Quartéis teve antes a denominação de rua do Mar, fato que até aqui ainda não foi publicado.

Esse documento vem corroborar plenamente as asserções de Frei Gaspar, à página 212 das suas Memórias: "No tempo da deserção (do povo dos Quartéis para as bandas do Valongo), caiu o Pelourinho antigo, que Braz Cubas havia mandado levantar entre a praia e o solo onde hoje existe a Casa do Trem. Erigindo-se ao depois outro mais moderno junto à Cadeia e Convento do Carmo em 1697".


O segundo pelourinho, entrevisto no quadro de Benedito Calixto

Do primeiro pelourinho possuímos uma pintura de reconstituição conjetural feita por Benedito Calixto. É a que existe no quadro da fundação de Santos, que está no salão da Bolsa. Ao segundo pelourinho, que ficava no Pátio do Carmo, encontramos duas referências em documentos forenses.

Em 16 de junho de 1798, Miguel de Sousa e sua mulher, vendendo parte de um imóvel nesta cidade a Joaquim José de Santana, assim a descreve a respectiva escritura: "a metade de uma morada de casas de sobrado, com paredes de pedra e cal, cobertas de telhas, em chãos livres, sitas no Pátio do Carmo defronte do Pelourinho, para a banda do mar etc."

Francisco das Chagas, morador na rua da Cadeia, fazendo seu testamento em 28 de fevereiro de 1831, assim disse: "Declaro que os bens que possuo são os seguintes: uma parte de uma casa de sobrado na rua da Cadeia, defronte do Pelourinho etc."

Este segundo pelourinho, pintado apenas em parte por Benedito Calixto, no quadro da antiga Casa da Câmara e Cadeia, foi apeado pelo povo na ocasião da Independência. Desapareceu, destarte, esse satélite de honra do edifício municipal, esse monumento da Justiça e das regalias do Concelho.

Ele já não poderá ligar, entre nós, a Câmara de hoje ao Concelho do passado. Derrubou-o o povo visando implantar de uma vez entre nós a liberdade, aquela liberdade que os Andradas tanto almejaram para a sua terra natal e para todos os brasileiros.

(*) Costa e Silva Sobrinho, cronista e historiador da Baixada Santista. Extraído de seu livro Santos Noutros Tempos, 1953, São Paulo/SP, página 285. História escrita em 12/6/1949.


O segundo pelourinho, em outra tela de Benedito Calixto

Sobre os pelourinhos, comenta Raymundo Faoro, em sua obra Os donos do poder (2000, Publifolha/Editora Globo, São Paulo/SP, volume 1, 10ª edição, página 168):

(...) 
O pelourinho simbolizava o núcleo legal: instrumento e símbolo da autoridade, coluna de pedra ou de madeira que servia para atar os desobedientes e criminosos, para o açoite ou o enforcamento. Com o pelourinho se instalava a alfândega e a igreja, que indicavam a superioridade do rei, cobrador de impostos, ao lado do padre, vigiando as consciências. Com as vilas se instaurava, nas praias e no sertão, a palavra rígida, inviolável e hierática das Ordenações. A colonização e a conquista do território avançam pela vontade da burocracia, expressa na atividade legislativa e regulamentar.

Desde o primeiro século da história brasileira, a realidade se faz e se constrói com decretos, alvarás e ordens régias. A terra inculta e selvagem, desconhecida e remota, recebe a forma, do alto e de longe, com a ordem administrativa da metrópole. Quando os colonos, isolados e perdidos nas distâncias, ameaçam ruralizar e extremar-se no localismo, a fundação da vila serve para lembrar a autoridade da Coroa, empenhada em substituir a força dos patriarcas pela justiça régia.

Os colonos e latifundiários, atraídos para o caudilhismo, com a chefia de bandos armados na caça ao índio, subordinam-se à carapaça administrativa, integrando o Senado da Câmara, convertidos em "homens bons", categoria da qual estavam excluídos os oficiais mecânicos, judeus, degredados e estrangeiros.

Perturbado o sossego dos agricultores, com os chefetes de bandos à solta, a vila nasce, imposta de longe ou solicitada pelos moradores. No claro aberto na floresta, o pelourinho demonstra que o rei existe e está presente. O município, em regra, se constituía por ato da autoridade régia, diretamente ou revalidativo das decisões dos governadores e capitães-mores. Excepcionalmente, como no caso de Campos e Parati, na capitania do Rio de Janeiro, os próprios moradores erguiam o pelourinho e aguardavam a confirmação régia. A aprovação dessas manifestações espontâneas, apressada e desconfiada, tem o sabor da insubordinação reprimida.
(...)

N.E.: Registre-se que, na área da igreja do Valongo, uma coluna de pedra que se cogitou ser parte de uma cruz de pedra ou de um pelourinho, na verdade é apenas uma coluna de portão (e existem duas delas). Como explica Paulo Gonzalez Monteiro, da Secretaria de Turismo de Santos, em mensagem a Novo Milênio em 16/5/2007:

"Na realidade não há uma, mas duas colunas que agora estão deitadas próximas à entrada do Santuário. Como pode ser conferido em imagens antigas, os postes nada mais são que as colunas que sustentavam o antigo portão gradeado e que após alguma reforma foram substituidas pelas atuais".

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