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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
A guerra das parteiras

E Maria Patrícia conta a história dos milagres dos bentinhos

"Aos 26 dias do mês de março de 1838, nesta Matriz, batizei e pus os Santos óleos a Maria, filha de Patrício, e sua mulher Joana, pretos forros. Foram padrinhos João Bonifácio de Andrada e Ana Joaquina. - O vigário José António da Silva Barbosa" - declara a certidão de batismo de Maria Patrícia Fogaça, conforme recorda o historiador Costa e Silva Sobrinho, em seu livro Santos Noutros Tempos (páginas 83 a 91, São Paulo/SP, 1953). Ele continua:

Contava ela 19 anos quando casou com Levino, em 6/1/1857. Era este filho de Joaquim Xavier dos Passos, pardo, livre, alfaiate, e de sua mulher, Maria Madalena Fogaça, parda e livre. Ambos naturais de Santos. Em 1871, exercia Maria Patrícia, moradora à Rua do Rosário, a profissão de parteira. Dessa profissão existiam em Santos, em 1885, as seguintes:

Elisabeth Pelessier, formada na França e Rio de Janeiro, Rua 25 de Março, 92, sobrado;
Maria Patrícia Fogaça, Rua Martim Afonso, 48;
Catarina Maria de Jesus, Rua da Constituição, 74;
Sofia Schaeler, Rua da Constituição, 100.

Em 1889 apareceu este anúncio na imprensa local:

Miquelina Patroni, de volta da Europa, acha-se novamente à disposição do público para os misteres de sua profissão.
Rua Andrade Neves, 9

Madame Elisabeth, pouco temperante em suas ambições e de cabelo na venta, fez então um aviso deste teor:

Miquelina Patroni, que se anuncia parteira, não há cinco meses era nesta cidade lavadeira na Rua Senador Feijó, onde morava e é muito conhecida.

Já levei o fato ao conhecimento do mui digno sr. presidente da Câmara, a fim de que, tomadas as providências legais, Miquelina não continue no exercício indevido de uma profissão tão melindrosa, para a qual não tem habilitações de espécie alguma.

Vieram depois outras parteiras para Santos, como Mademoiselle Jenny Camos, formada pela Faculdade de Medicina de Montpellier, e Mme. Maria Berthel.

O despeito e a preocupação das denúncias dominavam, porém, entre alguma delas. Por esse motivo, numa terça-feira, dia 30 de janeiro de 1894, apareciam na imprensa estas quadrinhas:

Nada houve mais notável,
ao terminar a semana,
que a queixa criteriosa
apresentada com gana

por madame de Berthel
contra a mimosa Jenny,
que é formada e conhecida
por toda a gente d'aqui

e que exerce com perícia
delicada profissão,
para que dizem ter jeito
e muito segura mão.

Mas por zanga ou concorrência,
que sofreu sua colega,
esta falou, deu denúncia
gritou... fez um "péga! péga!"...

Mas Jenny co'a papelada
que trouxe d'Academia
embrulhou em papel pardo
a tal colega Maria

E se a faina das denúncias
vai ser grande na polícia,
um conselho já vou dando
- Respeitem Maria Patrícia

Com esta tenha cuidado,
sra. Berthel - dou-lhe um ovo!
O diploma que esta tem
foi-lhe dado pelo povo,

e povo é danado bicho
e bicho que faz asneira,
cuidado, pois, co'a Patrícia
olhe em casa um Zé Pereira...

(N.E.: Zé Pereira era um bloco carnavalesco santista)

Apesar disso, as obstetrizes que pagavam imposto começaram a mover uma enorme campanha de descrédito contra Maria Patrícia. Até a cor, pois era ela preta, servia de pretexto às suas adversárias para lhe entravarem o exercício da profissão. Mas a sua boa fama, a sua competência e a consideração de que gozava em todas as classes sociais superavam-lhe todos os obstáculos.

Maria Patrícia Fogaça
Bico-de-pena de Ribs

Quase todos os médicos a ajudaram. (...) O dr. Silvério Fontes (...) foi o seu maior protetor e o seu melhor mestre. Graças a ele, ficou até isenta de pagar o imposto profissional.

Maria Patrícia, solícita e dedicada, atendia a todos sem distinção de classe, cor, posição social ou nacionalidade. Não fazia da profissão mercantilismo, mas encarava-a como puro sacerdócio. (...) Quase todos os filhos das pessoas mais qualificadas de então foram recebidos por ela (...).

Maria Patrícia foi uma mulher do povo que resplandeceu na vida social da cidade. Tendo perdido o pai, que se matou no Caminho do Jabaquara no dia 21 de abril de 1847, foi ela esperança e amparo do resto da vida da mãe (...).

Milagres - Conta-se, a propósito de sua cotidiana abnegação, este fato interessante:

Procurou-a um vez certo senhor para que fosse à Barra assistir-lhe a esposa. Maria Patrícia, que se preparava no momento para atender a urgente chamado, mostrou a impossibilidade de satisfazê-lo. O cliente, desanimado e aflito, disse-lhe então: "Já que a senhora não pode mesmo ir, empreste-me ao menos os bentinhos do mineiro, que eu levo e lhos trago de novo sem falta".

Maria Patrícia ficou por alguns instantes perplexa e enleada com o pedido. Não sabia que bentinhos eram aqueles. Conhecedora, entretanto, dos prodígios da sugestão, arranjou depressa um escapulário e lhe deu.

Anos depois, contava ela com graça esta história:

Um sitiante de São Vicente havia vindo certa vez a Santos e aqui chegara sob as bátegas de uma chuva torrencial. Já de tarde, sem descontinuar a chuvarada, resolveu ele voltar para o município vizinho. Ia no seu cavalo, pelo Caminho Velho, quando notou que não podia prosseguir através da escuridão da noite, que descera, e de tanta água.

Na primeira casa que encontrou, bateu palmas. Veio recebê-lo uma mulher em adiantado estado de gravidez. Pediu-lhe pousada. A dona da casa, alegando a ausência do marido, recusou-se terminantemente a atender.

O homem - que diziam ser mineiro - retrucou que com tamanho temporal não podia continuar a viagem. A mulher entrou sem dar resposta e não voltou mais. Ele tirou os arreios do animal, entrou na sala e deitou-se num banco, às escuras.

Alta madrugada, acordou com o apelo da mulher, que o chamava para acudi-la, pois chegara a hora de dar à luz, e ela, desamparada, curtindo dores horríveis, não tinha outro recurso senão valer-se do hóspede inoportuno, mas que se tornara tão providencial.

Entrando no quarto, ele, que nunca assistira aos bons sucessos de sua esposa, cru em tudo que se referia ao caso, sentiu-se nos maiores apuros. Mas, como era fértil em recursos, sacou de um escapulário surrado, que trazia ao pescoço, e pondo-o no da parturiente, afirmou-lhe, com a mais firme convicção, que era colocá-lo e fazer a festa! Foi uma maravilha! A criança dentro de poucos minutos vagiu, aliviando a pobre gestante. De manhã, quando o dono da casa chegou, não deixou que o hóspede fosse embora sem lhe dar os bentinhos milagrosos.

No ano seguinte, passando ele pela mesma casa daquele casal que lhe ficava tão penhorado, soube admirado que os bentinhos andavam de casa em casa, operando milagres!"

E, num sorriso de satisfação, Maria Patrícia concluía fazendo notar:

"Muita gente pensa aqui, pelo resultado feliz dos casos que me são confiados, que trago comigo os tais bentinhos!"

Essa boa mulher, no dia 18/11/1913, adormeceu tranqüilamente na morte. A notícia do seu passamento comoveu profundamente a alma do nosso povo. A sociedade inteira deplorou a sua perda.


Anúncio de uma parteira santista, publicado em 7 de janeiro de 1938 no jornal santista A Tribuna
Imagem cedida a Novo Milênio pelo historiador Waldir Rueda

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