Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/real/ed155z.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/04/08 10:47:38

Clique aqui para ir à página inicial de Perspectiva

Edição 155 - OUT/2006

ECOLOGIA/ECONOMIA/SOBERANIA

Amazônia verde, azul... ou cinza

Enquanto o Brasil volta suas atenções para a Amazônia Azul, no mar territorial, o mundo começa a se interessar pela Amazônia Verde... que continua virando cinza(s)

Carlos Pimentel Mendes (*)

A partir de agora, quando se referir à Amazônia, escolha a sua cor. Neste mundo cada vez mais complexo, já não basta usar a palavra "Amazônia" para se referir à maior floresta equatorial do mundo, é preciso acrescentar um adjetivo, que se for "Azul" significa transferir a referência ao mar territorial e à zona de exploração exclusiva a que o Brasil tem direito (se reivindicar), e se for "Cinza" será referência direta ao local onde terá existido a floresta, após a passagem de madeireiros, agricultores, pecuaristas e outros mais.


A cobiçada floresta amazônica
Imagem: divulgação

Enquanto na terra dos escândalos políticos e econômicos passa até despercebida a denúncia de que madeireiras nacionais e estrangeiras conseguem por meios nada éticos as autorizações governamentais para devastação da Amazônia, o secretário de Ambiente da Inglaterra, David Miliband, anuncia numa reunião em Monterrey, no México, a existência de um plano inglês, aprovado pelo primeiro-ministro Tony Blair, para a compra das árvores situadas em uma área de 13 milhões de hectares dessa floresta, por particulares interessados em sua preservação.


A notícia do jornal inglês
Imagem: captura de tela do site

Os compradores seriam "acionistas" da floresta, dentro de um projeto que "uniria a comunidade internacional" e "capturaria a imaginação do mundo", como declarou por sua vez o mentor do plano, o ex-ministro Frank Field, ao jornal britânico Daily Telegraph. E uma figura chave neste projeto seria o multimilionário sueco Johan Eliash, que neste ano comprou 400 mil acres nessa floresta, com investimento estimado em 8 milhões de libras. Eles reconheceram que obviamente existem "questões de soberania" envolvendo o governo brasileiro, mas o desflorestamento é uma questão maior a ser considerada.

A idéia até poderia ser interessante, assemelhando-se à fórmula aprovada na Conferência Ambiental de Kyoto que criou a negociação de créditos de carbono - ou, em termos locais, à campanha santista das luzes natalinas, em que as pessoas "compram" as lâmpadas que enfeitarão as árvores de Natal na orla da praia, revertendo o valor arrecadado para as entidades assistenciais da região.


Página do AIRR sobre o projeto da reserva amazônica
Imagem: captura de tela do site

Desde 1991, a Amazon International Rainforest Reserve (AIRR), sediada em Dallas (Texas/EUA), já compra terras próximas às habitadas pelos índios Yanomami no Norte da Amazônia, recrutando patrulheiros para evitar que tais áreas tenham suas características alteradas. O objetivo da entidade é controlar (comprar e proteger) 14 milhões de acres, cerca de 25% da área da floresta amazônica, como expressa em seu site. Para isso, quer garantir aos apoiadores do plano que a cada 20 dólares investidos, um acre de floresta ficará eternamente preservado.

Porém, a desastrada divulgação do projeto e a suspeita de encobrir um plano de internacionalização da Amazônia, expropriando-a do território brasileiro, causou fortes reações no Brasil, obrigando o governo inglês a desmentir a existência de quaisquer planos nesse país para a privatização da Amazônia. Afinal, são cada vez mais cobiçosos os olhares estrangeiros sobre essa área de imensas reservas minerais e de água doce, e as possibilidades econômicas geradas por sua enorme biodiversidade.


Vista por satélite do famoso encontro dos rios Negro e Solimões, próximo a Manaus
Imagem: divulgação

Cerca de 15 dias depois daquele anúncio no México, a ministra brasileira do Meio-Ambiente, Marina Silva, declarou que "A Amazônia não está à venda", e que a velocidade do desmatamento foi reduzida em 11%. O próximo round dessa briga ocorrerá na 12ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas (COP12), em Nairóbi, no Quênia, quando o Brasil deve propor um sistema internacional de compensações financeiras (pagas pelos países ricos) para os países que reduzirem o desmatamento e a poluição atmosférica, como o Brasil.


Vitória-régia: uma das marcas da flora amazônica
Foto: divulgação

A riqueza que está no mar

Ignorada por milhões de brasileiros, entretanto, já vem sendo debatida em certos círculos militares e políticos nacionais a chamada Amazônia Azul, definida como uma região maior e mais rica do que a Amazônia Verde, pois compreende uma faixa de 200 milhas marítimas de largura ao longo do litoral do Brasil, chamada de Zona de Exploração Exclusiva (ZEE – com 3,6 milhões de km²), e que o país pleiteia na ONU que seja alargada em alguns pontos para até 350 milhas por efeito da Plataforma Continental (PC – acrescentando outros 900 mil km²). Toda essa área marítima soma 4,4 milhões de quilômetros quadrados, 10% maior do que a ocupada pela floresta amazônica, acrescentando ao país o eqüivalente a mais de 50% de seu atual território.


A Zona de Exploração exclusiva e a Plataforma Continental
Imagem: reprodução do site DefesaNet

Em extenso trabalho disponível na Internet, o almirante-de-esquadra Roberto de Guimarães Carvalho ressalta a importância dessa área marítima e de que o país proteja seus direitos sobre ela - conforme o disposto na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Por exemplo, embora grande parte da população nacional more numa faixa de menos de 200 km do litoral, e seja bem conhecida a afirmação de que 90% do comércio brasileiro é feito por via marítima, poucos percebem as enormes implicações disso, especialmente a vulnerabilidade brasileira a situações em que nosso tráfego marítimo seja bloqueado. Basta lembrar que apenas 3% das cargas marítimas viajam em navios nacionais, afora o fato de dispendermos mais de 7 bilhões de dólares anuais com afretamento de navios estrangeiros.

O petróleo é outra fonte de riqueza, hoje prospectamos no subsolo marinho mais de 80% do nosso petróleo, o que em outras palavras significa que, se fôssemos privados desse petróleo, teríamos o país paralisado por uma grande crise energética. Já a pesca, ainda hoje feita de modo artesanal, poderia ser importante aliada de programas de alimentação como o Fome Zero, além de ser valiosa fonte de geração de empregos. E há ainda nódulos polimetálicos no leito marinho, hoje de exploração inviável mas que no futuro poderão se tornar importante fonte de riquezas para o País.


Borboleta símbolo da Amazônia Azul
Foto: divulgação

É necessário que o Brasil crie mecanismos não apenas para defesa da Amazônia Verde, mas também da chamada Amazônia Azul, que - da mesma forma que a terrestre - também é sistematicamente invadida por exploradores estrangeiros. Já em 1963 tivemos a chamada "Guerra da Lagosta", para evitar que embarcações francesas viessem explorar essa pesca em nossas águas. E a convenção do Direito do Mar - que não foi assinada pelos Estados Unidos – estabelece que se o país não explorar os recursos vivos na Zona de Exploração Exclusiva, terá de permitir a outros que o façam. Já na extensão pleiteada até 350 milhas, o país ganharia a exclusividade na exploração dos recursos do solo e subsolo marinhos (mas não dos recursos vivos da camada líquida).

Controlar a Amazônia Azul, como também a Verde, significa controlar o acesso a uma grande fonte de riquezas e ter a garantia de não sermos tolhidos em nosso intento de explorá-las e transportá-las.

Mas, há mais. Permite que implantemos políticas de preservação e uso racional desses recursos, mantendo a diversidade biológica. Permite que sejam implantadas políticas de prevenção e inibição de pirataria, contrabando, despejos ilegais de material poluente (como a água de lastro dos navios, hoje percebida como bem mais perigosa do que parece, por transportar microorganismos daninhos aos nossos ecossistemas), até mesmo de furto de água doce (como no caso de um navio estrangeiro surpreendido nessa atitude, na foz do rio Amazonas).


(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.


Este livro está disponível para cópia gratuita na Internet.
Com 306 páginas, é um arquivo PDF de 83,8 MB
Imagem: capa do livro