Habitação
Deficit não
se resolve só com verba
O anúncio de que a CEF
investirá R$ 5,3 bilhões na indústria da construção
civil é um píngo d'água num oceano de favelados
e desempregados
Carlos Pimentel Mendes (*)
Quando
a imaginação é usada, muito dinheiro pode ser economizado.
Quando há interesse em buscar soluções, elas existem,
no Brasil mesmo, e mais uma vez a economia é possível. Porém,
seja pela pressa em mostrar resultados, seja pela falta de imaginação
e interesse, o novo governo federal mais uma vez segue o caminho mais simplista
e libera verbas para projetos tradicionais, seguindo o mesmo caminho de
seus antecessores.
Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva anunciou em Brasília, em 26/4/2003,
a lieração das verbas
Fotos: CEF
Mesmo
acolhendo positivamente (pela boa vontade do Governo Federal em buscar
soluções) o anúncio de que a Caixa Econômica
Federal investirá R$ 5,3 bilhões no financiamento à
compra de móveis novos e usados, gerando alguns milhares de empregos
e beneficiando algumas famílias com renda de até cinco salários
mínimos, é necessário reconhecer que se trata de um
pingo de água num oceano de favelados e desempregados. E o aumento
da renda máxima familiar para a participação em projetos
sociais de habitação tem significado muito pequeno, num país
em que metade da população tem no máximo um salário
mínimo por mês - em muitos casos trabalhando a família
inteira para obtê-lo.
Santos, que foi cobaia dos primeiros
projetos habitacionais do antigo Banco Nacional da Habitação
(BNH) - o conjunto de prédios no bairro da Aparecida, entregue em
1970 e batizado com o nome do presidente de então, Humberto de Alencar
Castelo Branco, foi o primeiro do gênero no Brasil - bem sabe o que
significa isso. Um dos problemas básicos é que as caixas
d'água baixas corriam o risco de contaminação pela
rede de esgotos malfeita, e os reservatórios no telhado ameaçavam
desabar com o peso mal calculado. Não bastasse isso, surgiram os
cupins: as construtoras deixaram madeira podre no subsolo dos prédios...
Note-se também a falta de garagens, como se nenhum morador em tais
residências tivesse o direito de possuir automóvel algum dia.
Também não se pensou em áreas de lazer e espaços
verdes para tantos novos moradores - quase um bairro inteiro assim criado:
planejado, mas por quem nunca iria morar ali.
Conjunto
Humberto de Alencar Castelo Branco, em Santos: cobaia dos primeiros projetos
habitacionais do antigo Banco Nacional da Habitação
Foto: Luiz
Carlos Ferraz
Além dos custos bastante superiores
aos que se poderia obter, por exemplo, com o sistema de mutirão,
o conjunto pioneiro teve várias falhas de projeto, que o simples
bom senso poderia corrigir se a obra fosse tocada com maior cuidado. Mas
a lição não foi aprendida, e logo depois outro presidente
da República batizaria mais um conjunto - o Costa e Silva, na Zona
Noroeste. Lá, um simples palito de fósforo podia derrubar
uma parede, que de cimento só sentira o cheiro. Os infelizes moradores
amargaram pelo menos uma década de briga com as autoridades para
que estas reconhecessem a má qualidade da obra e fizessem (alguns)
reparos. Novamente, não foram criados locais de lazer, nem mesmo
instalações para o pequeno comércio (padarias, armazéns,
armarinhos), obrigando a adaptação de espaços em algumas
residências para essa função.
Enquanto a mentalidade do planejamento
centralizado nos gabinetes burocráticos continua predominando, o
Brasil colhe até o reconhecimento internacional por uma série
de projetos regionais que conseguem um máximo de aproveitamento
dos recursos locais com um mínimo de custos. Fábricas artesanais
de tijolos que usam compostos de argila do próprio local, aproveitamento
da energia dos ventos e do sol, captação e potabilização
de água pluvial, soluções de ventilação
natural das residências, são alguns exemplos.
Mas há outros, também
no nível da grande indústria. Várias siderúrgicas,
por exemplo, apresentam projetos de edificações em que o
aço e o gesso acartonado substituem com vantagens o concreto e a
alvenaria em tijolo. Casas que podem ser montadas em algumas horas, com
custo bastante inferior e a facilidade de expansão em módulos,
incluindo ou retirando paredes, sem desperdício de material construtivo.
Até mesmo o lixo reciclado
poderia gerar materiais para construção, ajudando a resolver,
além de tudo, mais esse grave problema urbano. Os especialistas
em reciclagem de materiais sabem como, por quê ninguém no
governo os consulta?
Monstro... - O governo poderia
também reconhecer que a máquina estatal tem um custo enorme,
que por vezes supera os 70% dos recursos arrecadados (não por acaso,
a Lei de Responsabilidade Fiscal teve que impor limites ao tamanho da máquina
administrativa em todos os níveis do governo). Para cada real movimentado,
pelo menos 70 centavos somem nesse sorvedouro infindável. Então,
quanto menos dinheiro passar pelo controle desse monstro fiscalista, melhor
para o País. Daí, a conclusão evidente: mais vale
o governo buscar fórmulas para que o dinheiro nem precise ser arrecadado,
mas fique em circulação gerando empregos e moradias.
Como? Através da renúncia
fiscal, reduzindo alíquotas de impostos ou o próprio número
destes, num país em que as pessoas arcam com a maior carga tributária
do mundo. Criando facilidades e incentivos para que terras inaproveitáveis
sejam loteadas com o objetivo de construir moradias em projetos de mutirão
- evitando assim toda a carga de custos trabalhistas diretos e indiretos
que recai sobre o preço da unidade habitacional.
Até mesmo
o lixo reciclado poderia gerar materiais para construção,
ajudando a resolver, além de tudo, mais esse grave problema urbano.
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Recursos – E os financiamentos?
Também são importantes, mas com taxas de juros mais razoáveis
e sem todas aquelas cláusulas que têm provocado as distorções
vistas nos últimos anos: elites obtendo financiamento a juro mínimo
para construir mansões e proletariado sem acesso sequer ao dinheiro
que permitiria colocar o telhado em sua residência semi-construída,
talvez nunca completada por falta desses recursos mínimos. Recursos
que exemplos como o Banco do Povo, em Belo Horizonte, mostram ser possível
gerir com estrutura simples e enxuta.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Página
Web do Sinduscon-SP noticia a liberação das verbas para Habitação
Veja também:
Conjunto
Humberto de Alencar Castelo Branco |