Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/real/ed119z.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/01/03 22:15:38
Edição 119 - ABR/2003 

Habitação 

Deficit não se resolve só com verba

O anúncio de que a CEF investirá R$ 5,3 bilhões na indústria da construção civil é um píngo d'água  num oceano de favelados e desempregados

Carlos Pimentel Mendes (*)

Quando a imaginação é usada, muito dinheiro pode ser economizado. Quando há interesse em buscar soluções, elas existem, no Brasil mesmo, e mais uma vez a economia é possível. Porém, seja pela pressa em mostrar resultados, seja pela falta de imaginação e interesse, o novo governo federal mais uma vez segue o caminho mais simplista e libera verbas para projetos tradicionais, seguindo o mesmo caminho de seus antecessores.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou em Brasília, em 26/4/2003, a lieração das verbas
Fotos: CEF

Mesmo acolhendo positivamente (pela boa vontade do Governo Federal em buscar soluções) o anúncio de que a Caixa Econômica Federal investirá R$ 5,3 bilhões no financiamento à compra de móveis novos e usados, gerando alguns milhares de empregos e beneficiando algumas famílias com renda de até cinco salários mínimos, é necessário reconhecer que se trata de um pingo de água num oceano de favelados e desempregados. E o aumento da renda máxima familiar para a participação em projetos sociais de habitação tem significado muito pequeno, num país em que metade da população tem no máximo um salário mínimo por mês - em muitos casos trabalhando a família inteira para obtê-lo.

Santos, que foi cobaia dos primeiros projetos habitacionais do antigo Banco Nacional da Habitação (BNH) - o conjunto de prédios no bairro da Aparecida, entregue em 1970 e batizado com o nome do presidente de então, Humberto de Alencar Castelo Branco, foi o primeiro do gênero no Brasil - bem sabe o que significa isso. Um dos problemas básicos é que as caixas d'água baixas corriam o risco de contaminação pela rede de esgotos malfeita, e os reservatórios no telhado ameaçavam desabar com o peso mal calculado. Não bastasse isso, surgiram os cupins: as construtoras deixaram madeira podre no subsolo dos prédios... Note-se também a falta de garagens, como se nenhum morador em tais residências tivesse o direito de possuir automóvel algum dia. Também não se pensou em áreas de lazer e espaços verdes para tantos novos moradores - quase um bairro inteiro assim criado: planejado, mas por quem nunca iria morar ali.


Conjunto Humberto de Alencar Castelo Branco, em Santos: cobaia dos primeiros projetos habitacionais do antigo Banco Nacional da Habitação
Foto: Luiz Carlos Ferraz

Além dos custos bastante superiores aos que se poderia obter, por exemplo, com o sistema de mutirão, o conjunto pioneiro teve várias falhas de projeto, que o simples bom senso poderia corrigir se a obra fosse tocada com maior cuidado. Mas a lição não foi aprendida, e logo depois outro presidente da República batizaria mais um conjunto - o Costa e Silva, na Zona Noroeste. Lá, um simples palito de fósforo podia derrubar uma parede, que de cimento só sentira o cheiro. Os infelizes moradores amargaram pelo menos uma década de briga com as autoridades para que estas reconhecessem a má qualidade da obra e fizessem (alguns) reparos. Novamente, não foram criados locais de lazer, nem mesmo instalações para o pequeno comércio (padarias, armazéns, armarinhos), obrigando a adaptação de espaços em algumas residências para essa função.

Enquanto a mentalidade do planejamento centralizado nos gabinetes burocráticos continua predominando, o Brasil colhe até o reconhecimento internacional por uma série de projetos regionais que conseguem um máximo de aproveitamento dos recursos locais com um mínimo de custos. Fábricas artesanais de tijolos que usam compostos de argila do próprio local, aproveitamento da energia dos ventos e do sol, captação e potabilização de água pluvial, soluções de ventilação natural das residências, são alguns exemplos.

Mas há outros, também no nível da grande indústria. Várias siderúrgicas, por exemplo, apresentam projetos de edificações em que o aço e o gesso acartonado substituem com vantagens o concreto e a alvenaria em tijolo. Casas que podem ser montadas em algumas horas, com custo bastante inferior e a facilidade de expansão em módulos, incluindo ou retirando paredes, sem desperdício de material construtivo.
Até mesmo o lixo reciclado poderia gerar materiais para construção, ajudando a resolver, além de tudo, mais esse grave problema urbano. Os especialistas em reciclagem de materiais sabem como, por quê ninguém no governo os consulta?

Monstro... - O governo poderia também reconhecer que a máquina estatal tem um custo enorme, que por vezes supera os 70% dos recursos arrecadados (não por acaso, a Lei de Responsabilidade Fiscal teve que impor limites ao tamanho da máquina administrativa em todos os níveis do governo). Para cada real movimentado, pelo menos 70 centavos somem nesse sorvedouro infindável. Então, quanto menos dinheiro passar pelo controle desse monstro fiscalista, melhor para o País. Daí, a conclusão evidente: mais vale o governo buscar fórmulas para que o dinheiro nem precise ser arrecadado, mas fique em circulação gerando empregos e moradias.

Como? Através da renúncia fiscal, reduzindo alíquotas de impostos ou o próprio número destes, num país em que as pessoas arcam com a maior carga tributária do mundo. Criando facilidades e incentivos para que terras inaproveitáveis sejam loteadas com o objetivo de construir moradias em projetos de mutirão - evitando assim toda a carga de custos trabalhistas diretos e indiretos que recai sobre o preço da unidade habitacional.
 

Até mesmo o lixo reciclado poderia gerar materiais para construção, ajudando a resolver, além de tudo, mais esse grave problema urbano.

Recursos – E os financiamentos? Também são importantes, mas com taxas de juros mais razoáveis e sem todas aquelas cláusulas que têm provocado as distorções vistas nos últimos anos: elites obtendo financiamento a juro mínimo para construir mansões e proletariado sem acesso sequer ao dinheiro que permitiria colocar o telhado em sua residência semi-construída, talvez nunca completada por falta desses recursos mínimos. Recursos que exemplos como o Banco do Povo, em Belo Horizonte, mostram ser possível gerir com estrutura simples e enxuta. 

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.


Página Web do Sinduscon-SP noticia a liberação das verbas para Habitação

Veja também:
Conjunto Humberto de Alencar Castelo Branco