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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/20/01 20:10:36

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
Língua globalizada

Carlos Pimentel Mendes (*)

Encontro pessoas nas ruas, ou em conversas pela Internet, defendendo que nosso idioma deve evoluir por meio da ampla recepção de vocábulos estrangeiros, até por ser isso inevitável perante uma economia que se mostra bem mais desenvolta que as demais. Uma das vantagens seria preparar nossos cidadãos para a convivência e os negócios num mundo globalizado.

Que fique claro, não sou contra o conhecimento de outros idiomas, pelo contrário, quanto mais conhecermos outros povos e pudermos nos relacionar com eles, mais enriquece nossa cultura, maior nossa capacidade de crescer no comércio internacional e, portanto, dar trabalho e riqueza aos brasileiros.

O problema de qualquer troca é quando ela se torna uma via de mão única. Se apenas importamos, sem a contrapartida da exportação, empobrecemos, e isso vale tanto no câmbio monetário como na balança do comércio ou no relacionamento entre culturas. Se as demais línguas trocarem conosco sua riqueza vocabular, sonora e gramatical, ambos enriquecemos culturalmente.

Se, porém, uma língua se sobrepuser à nossa, esmagando-a, empobrecemos - e não só culturalmente, pois o idioma é o veículo que transporta as informações entre as pessoas, na forma de livros, jornais, revistas, discos, peças teatrais, filmes, programas de computador, ensino e uma gama quase infinita de produtos que - para existirem - implicam no trabalho, muitas vezes remunerado, de profissionais de vários setores.

Se uma língua perde força, o trabalho de toda essa gente chega a menos gente e a remuneração desse trabalho diminui, empobrecendo essas pessoas. Mas, ora! Alguém dirá: é só todo mundo começar a produzir no idioma dominante!

Bem, em termos práticos, não é assim que funciona: primeiro, por ser necessário aprender o idioma dominante, e isso implica em gastos com produtos estrangeiros (livros, discos, filmes...), por natureza mais caros e inacessíveis que na origem, o que significa importante desvantagem perante os nativos de países onde tal idioma já domina há mais tempo. Depois, porque dificilmente a cópia será melhor que o original. Por mais perfeita que seja, é cópia: o original veio antes. Por quê não valorizamos da mesma forma os milhões de cópias da Mona Lisa, alguns reproduzindo com extraordinária perfeição o quadro de Leonardo da Vinci? Algum motivo há.

Não falo por suposições, há exemplos práticos. O que é outdoor? O que assim se denomina no Brasil, em pretenso inglês, no inglês real é billboard. Seria possível enumerar tantos outros exemplos, como o falso espanhol cueca-cuela e toda a série dos falsos cognatos - palavras que parecem idênticas em dois idiomas, mas têm significado completamente diferente. Se não acreditar, puxe uma porta em New York e pule em seguida...

Talvez o maior problema relacionado à incorporação pura e simples de palavras estrangeiras seja a falta de reflexão sobre seu significado. Começamos a repetir, como o papagaio, que muito fala e nada entende. Não é exagero: participo de listas de debates, seminários e congressos, nos quais já nem me surpreendo quando, após vários dias de debates sobre um tema, alguém me faz uma pergunta demonstrando não ter nem idéia do que está fazendo ali. Se não sabe nem o pressuposto básico, que proveito poderia tirar desse debate?

O que mais vejo é pessoas ganhando muito para falar sobre algo que fingem conhecer para um público que também finge entender. E uma das técnicas mais usadas, já pelos oráculos gregos, é empregar palavras de difícil compreensão ou sentido tão ambíguo que pode-se emprestar qualquer sentido a elas. O uso de um idioma supostamente estrangeiro, às vezes inexistente, funciona muito bem nesse contexto.

Poderia citar muitos outros exemplos do empobrecimento material e mental que um povo sofre, quando seu idioma se perde. Prefiro citar uma mensagem que tem circulado muito pela Internet:

Durante debate recente em uma universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, do PT, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Segundo Cristovam, foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para a sua resposta:

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade.

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país.

Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas a França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um pais. Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua historia do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia.

Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa."

Clap, clap, clap, clap...

Pelo mesmo motivo, enquanto a recíproca não for verdadeira, com os lusófonos tendo as mesmas condições que os falantes de outros idiomas, numa saudável relação de troca sem dominação, não há como aceitar a entrada irrefletida de quaisquer palavras em nosso linguajar.

Até porque, de forma diferente do problema amazônico, podemos conviver bem com uma segunda, terceira língua, todas mundiais, atendendo às propaladas necessidades de comunicação global, mas entre nós continuar sendo usado aquele idioma que ouvimos sempre de nossas mães, antes mesmo de nascer conforme comprovam as últimas pesquisas científicas.

Sem esquecer que, cada vez que reduzimos a diversidade, empobrecemos a humanidade, pois é no encontro das diferenças que os humanos encontram o caminho maior para sua evolução. Em todos os sentidos.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio e diretor para Internet do MNDLP.