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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/26/00 14:29:08

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
Línguas em Perigo

Revista Época (*)

Uma bomba explodiu no McDonald's de Quévert, na Bretanha, deixando perplexos os cerca de 3 mil habitantes da pequena cidade do Noroeste da França. Eram 10 horas da manhã de uma terça-feira comum, no mês passado. Laurence Turbec, uma balconista de 28 anos, morreu na explosão, vítima por trabalhar para uma empresa que muitos grupos de protesto, pelo mundo afora, consideram o símbolo da opressão à diversidade cultural. Na semana passada, a polícia prendeu nove suspeitos do crime.

A loja McDonald's atacada por um grupo terrorista bretão no Noroeste da França

(foto: Franck Prevel/AP)

O bando formava uma curiosa parceria. Dois dos acusados pertencem ao ETA, organização separatista basca que age tanto na França quanto na Espanha. Os outros sete militam no Exército Revolucionário Bretão, um diminuto grupo favorável à autonomia da Bretanha. O ataque ao McDonald's demonstra que esses guerrilheiros estão dispostos a matar pelo direito de manter sua própria cultura a despeito da cultura dominante nos países em que vivem há séculos. Como marca mais fundamental da diversidade, expressam suas reivindicações em línguas que poucas pessoas reconheceriam.

Inglês e gaélico na placa de trânsito do Oeste escocês (foto: Ebiul)

A violência é a arma de grupos radicais que, como os bascos do ETA, perdem popularidade a cada atentado que realizam. Mas o amor a um idioma próprio é comum a um número expressivo de europeus. Eles são os falantes das "línguas menos usasdas", segundo uma definição da União Européia (UE). Calcula-se que 50 milhões deles - 10% da população do continente - dominam um dos idiomas regionais listados em 1992 pelo Conselho Europeu, o braço executivo da UE. [*] Mas, como essa porcentagem vem encolhendo ano a ano, estudiosos já alertam sobre a possibilidade de extinção de alguns desses idiomas. O bretão, por exemplo, a língua dos terroristas que atacaram o McDonald's, corre o risco de desaparecer em 50 anos se a tendência atual for mantida. Há um século, era falado por 1 milhão de pessoas. Hoje, cerca de 300 mil o usam.

Consciente da importância de manter as "línguas minoritárias", como também são conhecidas, a UE decidiu protegê-las. Há oito anos está em vigor a Carta das Línguas, que classifica as comunidades lingüísticas regionais do continente e propõe formas de preservá-las. Embora a iniciativa tenha sido aplaudida por lingüistas e historiadores, a assinatura e ratificação do documento por cada um dos 15 integrantes do bloco europeu se arrasta.

A França, que, além do bretão, é o território do provençal, do occitano, do corso, do catalão e do alsaciano, reluta em aderir aos princípios expressos no texto. Não admira que a Academia Francesa de Letras tenha se empenhado, nos últimos quatro séculos, em garantir e impor a pureza do idioma a todos os habitantes do país. A militância da vetusta entidade realça o intrincado relacionamento entre língua, diversidade cultural e autonomia política. Suprimir línguas é quase sinônimo de suprimir manifestações de oposição política - Mussolini, por exemplo, tentou proibir o uso de dialetos na Itália.

Como se diz "Eu não entendo"

"Nun pescancio" em asturiano
"Ez dut ulertzen" em basco
"Ne gomprenan ket" em bretão
"Ny wonn konvedhes" em córnico
"Ùn capiscu micca" em corso
"Ik begryp it net" em frísio
"Ní thuigim" em gaélico
"Dydw i ddim yn deall" em galês
"Ech kapéieren nët" em luxemburguês
"Mun in ibmerean" em sami
"Compreni pas" em occitano

O próprio francês já serviu como instrumento de opressão e resistência ao longo de sua história. Falado hoje na África e no Caribe graças à vocação imperial da França em séculos passados, ele nasceu das modificações que os francos, um povo germânico, impuseram ao latim dos dominadores romanos. Foi o que sucedeu também no alvorecer das demais línguas neolatinas, inclusive o português, o italiano, o espanhol e muitas outras hoje minoritárias.

No Reino Unido, várias hordas de invasores germânicos oprimiram os idiomas celtas quase até a extinção e da mistura de suas diferentes línguas originou-se o inglês. Mesmo as formas ancestrais dos modernos idiomas europeus se espalharam pelo continente a golpes de espada dos invasores. Quase todas elas têm como raiz o indo-europeu, utilizado por povos que, supõem os pesquisadores, partiram do Cáucaso há 5 mil anos para dominar a Europa. Do indo-europeu brotaram, entre outros, o grego, o latim e os dialetos germânicos.

Os irlandeses de Donegal dão as boas-vindas em sua língua e em inglês (foto: Ebiul)

Muitos especialistas notam semelhanças entre as línguas e as espécies dos organismos vivos. Cada uma delas está em constante evolução: influencia as outras e é, por sua vez, modificada. O lingüista David Crystal, professor da Universidade do País de Gales, vai mais longe. Autor de uma aclamada enciclopédia sobre línguas, Crystal considera a variedade de idiomas tão importante quanto a diversidade biológica. As várias espécies animais e vegetais são essenciais à evolução porque permitem que a vida se multiplique em diferentes ambientes.

"Os ecossistemas mais fortes são os mais diversificados", pondera Crystal. "Os homens puderam colonizar todo o planeta porque souberam desenvolver culturas adaptadas a meios diferentes." Como as línguas servem de instrumento privilegiado de transmissão da cultura - conclui o professor -, preservá-las é indispensável para a manutenção desse empreendimento tão bem-sucedido que é a civilização humana, espalhada em todo o mundo por uma única espécie.

No Nordeste da Itália, uma placa em friulano repete

 a identificação da cidade feita em italiano (foto: Ebiul)

A diversidade, no entanto, corre um risco significativo em todo o planeta. No ano passado, um estudo realizado pela Universidade de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, identificou, no mundo inteiro, 51 idiomas que são falados apenas por um indivíduo - o remanescente solitário de uma cultura. Das 6 mil línguas existentes hoje, 96% são faladas por menos de 4% da população mundial. Estima-se que apenas a metade delas sobreviva ao século XXI. Feitas as contas, chega-se a uma constatação: uma língua desaparece a cada 15 dias, a maior parte delas na África. Na perspectiva histórica, contudo, trata-se de um processo que se repete há séculos. O colonialismo varreu do mapa milhares de idiomas. Na América do Norte e na Austrália o inglês destronou numerosos idiomas nativos. Na América do Sul, o espanhol e o português só deixaram sobreviver vestígios das línguas dos índios. No Norte da Ásia, o russo predominou.

As línguas minoritárias do continente europeu podem desaparecer mesmo sem a violência que caracterizou os processos de colonização. A vida dos habitantes de várias partes da Europa unificada, urbanizada e rica é cada vez mais parecida. Vestem-se as mesmas roupas de grifes internacionais, ouve-se o mesmo tipo de música, assistem-se aos mesmos filmes. A pressão para ser igual a todo mundo torna o domínio de uma língua minoritária antes um motivo de constrangimento que de orgulho para as novas gerações.

"A preservação da língua depende primeiro da disposição da própria comunidade em que é falada", ensina David Crystal. Depois, prossegue o lingüista, depende também do respeito da cultura dominante pelos idiomas minoritários. Por último, é necessário dinheiro para financiar cursos, material pedagógico e professores. Numa Europa sacudida por conflitos sociais, Crystal vê ganhos políticos na preservação da variedade. "Como a língua é o símbolo maior de uma sociedade, o respeito à diversidade de idiomas pode representar até mesmo a base de uma coexistência pacífica".

Idiomas antigos e variantes regionais sobreviveram ao domínio de inglês, francês, espanhol, italiano e finlandês

Aragonês: idioma de origem latina parecido com o espanhol
Asturiano: uma das muitas variações regionais do espanhol
Baixo-saxão: de origem germânica, parente do alemão, do holandês e do inglês
Basco: não pertence a nenhuma das famílias lingüísticas conhecidas
Bretão: usado pelos celtas, é anterior à colonização romana
Catalão: idioma oficial na Catalunha espanhola, usado até na administração
Córnico: sem parentesco com o inglês, está sendo revivido na região da Cornualha nos últimos anos
Corso: semelhante ao italiano, é originário da ilha (N.E.: Córsega) que luta por sua independência da França
Escocês: compreende variantes de origem germânica usadas na Escócia
Frísio: idioma de uma das províncias que deram origem à Holanda
Friulano: tem maior reconhecimento oficial que os demais dialetos italianos
Gaélico: usado pelos escoceses desde antes da chegada dos povos germânicos
Galego: oficial na Galícia espanhola, tem grande parentesco com o português
Galês: anterior ao inglês, sobrevive principalmente no campo, no País de Gales
Irlandês: é usado por 43% dos habitantes da República da Irlanda
Luxemburguês: idioma que se tornou minoritário em relação ao francês no país
Occitano: grupo que compreende formas ancestrais do francês
Sami: conjunto de línguas próximas do finlandês
Sardo: embora a Sardenha tenha autonomia, o idioma não é oficial
Sorbiano: falado pela minoria eslava que vive há séculos na Alemanha
Torneladiano: variação do finlandês típica de uma região da Suécia

(*) Artigo publicado na seção Mundo da edição de 8/5/2000.