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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/10/03 12:43:05

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
Expansão do inglês contamina idiomas

Esta matéria foi publicada na edição de 12 de outubro de 1997 do jornal Folha de São Paulo:

Infográfico publicado com a matéria, da Editoria de Arte/Folha Imagem. No rodapé:
"(1) Apelo; (2) sucesso; (3) linha telefônica de serviços; (4) disposição visual;
(5) acessório de computador; (6) ligado a uma rede de informações;
(7) processo de limpeza de pele; (8) festa com música"

Vírus ianque
Expansão do inglês contamina idiomas

Alemanha quer incorporar palavras estrangeiras, mas puristas tentam barrar reforma oficial na Justiça

Rodrigo Onias
Especial para a Folha, de Berlim

O Império Britânico está morto. Mas a língua de Shakespeare, liderada pelos neocolonizadores americanos, está em expansão. Não se limita mais ao mundo dos negócios, do entretenimento e dos novos modismos. Impulsionado pelas novas tecnologias, o inglês contamina as línguas de todo o planeta, sofrendo adaptações de acordo com o idioma e os costumes locais.

Os sempre organizados alemães, a partir do ano que vem (N.E. 1998), passarão a escrever algumas das palavras estrangeiras de uma forma diferente - supostamente mais fácil e lógica. Se a reforma ortográfica sobreviver às ações na Justiça, cerca de 120 nomes do inglês, do francês e até de línguas mortas, como o grego arcaico e o latim, deverão ser "germanizadas".

"Germanizar" as palavras significa escrevê-las de acordo com as regras de transliteração fonética e de gramática do alemão, adaptar as palavras de outras línguas ao idioma falado na Alemanha, na Áustria e na maior parte da Suíça.

A solução encontrada pelos germanófonos representa um comportamento típico da língua, segundo especialistas. "Entre 80% e 90% das palavras do alemão não são de origem germânica", afirma Klaus Heller, do Instituto para a Língua Alemã. Desde março, ele é o secretário-geral da comissão que trata da implementação da reforma ortográfica, aprovada em 1996.

De acordo com Heller, a maior fonte de novas palavras hoje é o inglês. Elas estariam entrando no vocabulário dos jovens por meio  da propaganda. Os EUA, como potência econômica e cultural, exerceriam uma "fascinação" refletida até nos anúncios institucionais. A propaganda contra o fumo entre crianças, por exemplo, dirige-se às cool kids (crianças legais).

Mas não são apenas os jovens. Essas palavras estão listadas nos principais dicionários do país e são usadas pelos jornais locais. Um deles, o Die Woche ("A Semana"), foi mais longe. Já publica todas as suas reportagens com as novas regras ortográficas, que só valerão a partir de 1998.

Para uma das maiores críticas ao alemão, a de usar palavras longas, com até mais de 40 letras, a reforma encontrou também uma solução. Kennenlernen (vir a conhecer), por exemplo, passará a ser escrito kennen lernen, como duas palavras distintas. Outras mudanças da reforma tratam da fonética das palavras, da separação de sílabas e da redução do uso das constantes vírgulas.

Heller considera a comoção em torno das mudanças exagerada. Ele, como a maioria dos germanistas, tem uma posição aberta a mudanças e a influências do exterior. "Nós usamos essas palavras estrangeiras porque precisamos delas, ninguém nos obriga", afirma.

Ambulante usa o inglês para anunciar cachorro-quente em São Paulo
Foto: Moacyr Lopes/Folha Imagem - 10/10/1997

Escritores pedem boicote à reforma

Especial para a Folha, de Berlim

A reforma do alemão está sendo ameaçada por uma série de processos na Justiça. Até agora os seus defensores estão com uma vantagem. Desde março, oito veredictos rejeitaram pedidos para o fim da reforma. Seis os aceitaram.

Um dos processos já atingiu a Corte Constitucional Federal, órgão máximo da Justiça alemã. Se a reforma for definitivamente rejeitada, calculam-se prejuízos em torno de US$ 170 milhões.

O debate sobre a reforma ganhou fôlego depois da primeira vitória dos contras na Justiça, em julho. O argumento dos contras é sempre o mesmo: a reforma deve ser suspensa imediatamente, pois ela deve ser antes aprovada por representantes da população (deputados) ou pela própria população (plebiscito). Eles exigem que, dessa forma, as novas regras sejam introduzidas por lei.

Segundo a Constituição, a língua é uma questão dos Estados, não da Federação. O responsável pela implementação das novas normas, segundo a regra atual, é o Ministério da Cultura dos diferentes Estados. São eles que determinam como a reforma deve ser introduzida nas escolas e nas repartições públicas. Essas novas regras ortográficas não foram estabelecidas por um órgão legislativo, mas por germanistas, em 1996.

"Se for criada uma lei para a implementação da reforma, deve ser estabelecida também a punição para o seu desrespeito. Qual seria a multa para o esquecimento de uma vírgula? Três marcos?", ironiza Klaus Heller, secretário-geral da comissão que coordena a implementação das regras.

Os principais representantes da literatura alemã acusam a reforma de estar impregnada de um "vício pela novidade". Eles escreveram manifesto crítico no final de 1996, a "Declaração de Frankfurt".

Patrick Süskind, Günter Grass, Martin Waiser e Walter Kempowski, por exemplo, proibiram que suas obras sejam publicadas com as novas regras. Hans Magnus Enzensberger convocou os alemães a uma "sabotagem civil" à reforma. Estão sendo recolhidas assinaturas para brecar a implementação das regras.

Um dos principais argumentos dos contras é justamente que a implementação da reforma está levando as escolas ao caos. A determinação dos Ministérios da Cultura é de que as novas regras sejam ensinadas a partir do segundo ano escolar. Mas agora, com a incerteza, alguns professores estão voltando a ensinar com as regras antigas; outros, mudando a próprio punho a grafia dos livros - para a nova ou para a antiga regra.

Mas a variação das normas não causaria grande diferença. Entre as 1.417 palavras aprendidas nos quatro primeiros anos escolares, apenas 32 mudam com a reforma.

Até o final do ano, a Corte Constitucional Federal deve decidir sobre as novas regras. Se a reforma for barrada, todos os livros já publicados com as mudanças deverão ser jogados no lixo. Inclusive o dicionário ortográfico mais vendido da história da Alemanha, o Duden. (R.O.)

Português

Excesso de estrangeirismos reflete subdesenvolvimento

Pasquale Cipro Neto (*)
Especial para a Folha

Se você vocifera imprecações cada vez que lê ou ouve uma palavra trazida diretamente da terra de Tio Sam, é bom verificar se no meio do discurso não está empregando galicismos, italianismos etc. Chance, personagem, garage vêm de Paris; já alarma, imbróglio e até o patriótico termo Florão ("Florão da América") vêm da terra da Dario Fo, que acaba de ganhar o Nobel de Literatura.

A interpenetração de palavras, de uma língua para outra, é um processo inevitável, incontrolável e inofensivo, desde que não se chegue ao idiotismo, à imbecilidade, à manifestação explícita de subdesenvolvimento cultural, de colonialismo.

E é isso o que ocorre no Brasil. Nada justifica que uma pizzaria (epa!) de qualquer cidade brasileira estampe na fachada a palavra delivery. É coisa de basbaques. O mesmo se diz da ultra-idiota mania de dar a edifícios nomes estrangeiros. Da mania das consoantes duplas (o restaurante Leopolldo, por exemplo), então, nem há o que dizer.

O problema atinge o ápice quando a estrutura da língua começa a ser minada. O ex-prefeito de São Paulo mandou fechar a CMTC, sigla que representa um nome perfeitamente adequado à língua portuguesa (Companhia Municipal de Transporte Coletivo), substituindo-a por uma tolice como "São Paulo Transporte". Esse nome tem estrutura inglesa, como a de London Airport, New York City etc.

Aliás, o ex-prefeito poderia ter aproveitado a deixa e mudado o nome da cidade para Saint Paul, o que certamente alegraria os proprietários da Saint Paul Veículos, concessionária da GM em São Paulo, perdão, em Saint Paul. Recentemente essa empresa fez publicidade na rádio Jovem Pan-AM, proclamando-se "a concessionária que tem o nome da nossa cidade". É de lascar!

No mundo, esse problema recebe tratamentos diversos. Há desde a xenofobia oficial, como na França, até o nacionalismo ferrenho e renitente de espanhóis e argentinos, que se negam a pronunciar nomes estrangeiros como na língua de origem. Para eles, o príncipe Charles é Carlos; seu filho William é Guillermo.

Em Portugal, esse problema parece causar menos tumulto. Os portugueses dizem habitáculo, para o cockpit do piloto. Experimente procurar no dicionário cockpit, para ver o que significa. O grid de largada é grelha. O mouse do computador é rato. Já o monitor é ecrã, o que não resolve muito. Monitor vem do latim: ecrã é francesa.

Apesar de um ou outro deslize (alguns centros comerciais já estão virando shopping centers), a questão da língua em Portugal retrata uma situação bem diferente da nossa. Lá, o dia 10 de junho, festa nacional, é o Dia da Língua, o dia de Camões.

Imagino que essa questão merecesse um tratamento institucional. Seria desejável que a ABL se pronunciasse, como ocorre na Espanha com a respeitável Real Academia. Mas não espero nada da ABL. A Academia pouco se ocupa do que carrega no nome.

(*) Pasquale Cipro Neto, 42, é professor de português, criador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa e consultor da Folha.

Latim

Igreja se adapta à modernidade em textos oficiais

da Redação

Juvenes voluptarii podem assistir espetáculos de sui ipsius mudatoras em seus instrumenta telehornamentis exceptoria. Ou - traduzindo com o auxílio do novo dicionário de latim preparado pela Igreja Católica: playboys podem ver striptease na TV.

O Lexicon Recentis Latinitas (dicionário de latim recente) foi realizado para atender à necessidade da igreja de continuar usando o latim em seus documentos oficiais. Graças a isso, nem mesmo o latim escapou de ser impregnado pelo inglês.

Retrato de São Jerônimo

Na verdade, já a tradução da Bíblia por São Jerônimo - a primeira feita para o latim, ainda no século 4º - incorporou palavras estrangeiras. Cristo e Messias, por exemplo, são latinizações dos termos grego e hebraico para ungido. A tradução de São Jerônimo tornou-se o texto oficial da Bíblia para a Igreja católica.

Xampus e ovnis - Para se adaptar às necessidades de agora, a igreja encomendou ao religioso Carlo Egger o dicionário dos termos recentes. Egger, um dos principais assessores do papa para a redação dos documentos em latim, é um latinista respeitado no mundo todo. A preparação do dicionário durou oito anos. Ele foi lançado na semana passada.

Para falar de xampu, o dicionário recomenda o termo capitilavium, lava-cabeça. Liquor nubilogenus é o spray. Literalmente significa líquido que dá origem a nuvens. Fita adesiva vira fasciola glutinosa. Tradução literal. Banheiro é cella intima. Ovni, o acrônimo para objeto voador não identificado, tornou-se res inexplicata volans - coisa voadora sem explicação.

Se for necessário falar de um jogo de tênis em latim, deverá ser usada, para o dicionário, a expressão manubriati reticuli ludus, ou jogo das redinhas manuais. Algumas palavras são apenas transcritas, como whyski. Em latim, dir-se-ia vischium.

Francês

Lei obriga uso da língua pátria

Mariane Comparato
de Paris

Na França, atualmente, a legislação determina que em atividades da vida social, comercial e intelectual só se utilize a língua francesa, mas a francofonia já foi mais longe.

Em 1994, o então ministro da Justiça, Jacques Toubon, lançou a Lei Toubon, que obrigava o uso de termos exclusivamente franceses pela população, em quaisquer situações. Os franceses torceram o nariz e passaram a chamá-lo de senhor Allgood, uma tradução aproximada de seu sobrenome ("tudo bom") para o inglês.

Em 29 de julho de 1994, o conselho constitucional censurou parcialmente a lei: a obrigação de usar o francês em atividades da vida social, comercial e intelectual se mantém, mas a utilização de termos estrangeiros em caráter privado não poderá ser proibida.

Termos novos - Toda vez que é preciso denominar uma palavra ou uma noção estrangeira que não existe em francês, cabe ao Conselho Superior da Língua Francesa (CSLF) criar esses novos termos.

Assim, devido à proximidade da Copa do Mundo, uma palavra que não existia no vocabulário francês acaba de ser criada: stadiaire, isto é, pessoa encarregada de acolher o público e, ao mesmo tempo, conter os excessos cometidos pelos torcedores.