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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BONDES - LINHA FÉRREA
No tempo da Maria-Fumaça (8)

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A última viagem na linha de transporte ferroviário (depois substituído por bondes) entre a estação de Pitangueiras (onde ficava a vila balneária do Guarujá) e a ligação hidroviária com Santos (através do estuário do porto) ocorreu em 1956, como registrou o jornal paulistano O Estado de São Paulo, na página 52 (última) da edição de quinta-feira, 12 de julho de 1956 (disponível no Acervo Estadão - acesso em 14/7/2013 - ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria, divulgada na rede social Facebook (acesso: 14/7/2013)

O último trem para Guarujá

A partir de hoje, será suprimido o pequeno trem elétrico que corria entre o bairro de Itapema, localizado junto ao estuário de Santos, e a estância balneária do Guarujá. Estrada de ferro inaugurada em 1893, era percorrida inicialmente por minúscula locomotiva a vapor, que, através do percurso sem rampas de quase 9 quilômetros, levava a composição de pequenos carros de madeira até junto à praia, estacionando defronte ao Grande Hotel, que ainda existe. Em 1927, a estrada de ferro passou para o domínio do Estado, que, um ano depois, concedeu os recursos necessários à sua eletrificação.

Estrada deficitária, encontra-se há muito tempo com seus nove quilômetros de investida reta em precário estado de conservação. os trilhos, mal seguros sobre dormentes apodrecidos, marcam com sinuosidades acentuadas os trechos em piores condições. Juntas muito abertas balizam uma sucessão de perigos equidistantes. Adivinham-se estivas seriamente comprometidas. o leito não passa de aterro informe, com bordas derruídas pela insistência da água, tomada, de assalto, pelo capim gordura, que se alastra vigoroso e útil, alongando sem medo as hastes.

Pela baixada toda, até junto às encostas dos morros, estendem-se grandes plantações de banana, com árvores crescendo sem muita ordem, às vezes firmes, eretas, guardando sentido, ou então pensas e tristonhas, maldizendo um vento forte ou conformadas com o peso dos frutos. Algumas ainda estão crescendo, outras desabrochando formas tenras. Quase todas sustentando pencas enormes, muitas dúzias de verdes dedos recurvos, cobrindo um talo longo, que se alonga e termina num violáceo pendão. Todas elas com o caule fibroso abrindo, junto à inserção das folhas, interstícios íntimos, onde se esconde um verde virgem, onde soam rangidos em resposta a qualquer esforço, onde existe uma umidade que é quase seiva. E mais para cima, as folhas largas, de um verde-macio, abrindo-se como tufo de abanos cansados.

Este panorama não mais será contemplado pelos passageiros de um trem ruidoso, que avança, sacolejante, de Itapema para o Guarujá, levando a alegria dos que vão, trazendo as saudades dos que regressam. Será apreciado pelos passageiros dos ônibus e automóveis, que trafegarão pela estrada pavimentada, que substituirá os trilhos, segundo projeto que será imediatamente realizado pela Secretaria da Viação.

Não resta dúvida de que este empreendimento constitui etapa de progresso, motivo de júbilo para todos os habitantes da região. O transporte rodoviário possibilitará o maior desenvolvimento de pequenos núcleos já existentes ao longo do trajeto. Será possível o loteamento de grandes áreas, surgirão empreendimentos diversos, não mais restritos às poucas paradas do trem, mas com possibilidades de êxito marcando os numerosos pontos de ônibus.

Para algumas pessoas, porém, o fim da pitoresca estrada de ferro constituirá motivo de melancolia. É que a curta viagem de barco, de Santos a Itapema, e a rápida passagem de trem pela baixada plana, vencendo extensas plantações, até chegar ao Guarujá, acha-se ligada a lembranças queridas, a dias passados de felicidade, a momentos em que a alma se expandia, em fuga do cotidiano. Com o desaparecimento dos trilhos, algo faltará aos olhos para evocar esses momentos felizes de outrora. Restará apenas a esperança de que as modificações se restrinjam a esses melhoramentos essenciais e que o progresso, mal interpretado, não acabe prejudicando as belezas naturais do lugar.

Não se pode esquecer que o desenvolvimento de uma estância balneária jamais pode ser medido com os mesmos padrões em uso nas cidades comuns. Impõe-se um planejamento mais cuidadoso, um respeito maior pelos panoramas e pelos lugares pitorescos, que constituem, neste caso, um bem público que deve ser preservado a todo custo. Não se deve permitir que os loteamentos sejam feitos obedecendo à visada mais cômoda do agrimensor, que as áreas devastadas sejam escolhidas ao bel-prazer de gananciosos corretores de imóveis. Não podemos esquecer que progresso é também evidenciado pela conservação ponderada das belezas naturais, único refúgio para uma humanidade que se torna cada vez mais esquecida da terra em que vive.

Sobre este assunto voltaremos a escrever oportunamente.

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