Uma homenagem aos mártires de Chicago
Por que razão é comemorado em todo o mundo o dia 1º de Maio, como sendo o Dia do Trabalho? Na verdade, toda uma história de
lutas, sacrifícios e mortes está por trás da instituição dessa festa. É a história da luta organizada dos trabalhadores para
conseguir a jornada de 8 horas de trabalho.
Já antes da fundação, em 1864, da Associação Internacional de Trabalhadores, também chamada
Primeira Internacional Operária, nos países onde havia começado o processo da revolução industrial (Inglaterra, França, Alemanha,
Estados Unidos, Itália, Bélgica, Holanda e os países escandinavos) grande parte da ação conjunta dos trabalhadores aplicava-se à
luta pela diminuição da jornada de trabalho, que desde o início dessa revolução industrial era de 15 a 16 horas diárias em fábricas,
minas e oficinas, por salários miseráveis, sendo igualmente explorados homens, mulheres e crianças.
Naqueles países, a luta para se conseguir uma jornada de trabalho menos exaustiva, salários
mais justos, abolição do trabalho das crianças e proibição do trabalho de mulheres em tarefas pesadas ou perigosas, tornou-se tarefa
cotidiana no começo do sindicalismo, quando os trabalhadores foram forjando suas próprias armas ideológicas, começando pela
solidariedade.
Foi nos Estados Unidos que a luta social pela jornada de 8 horas ficou mais violenta,
exigindo um combate sem trégua e longos anos de sacrifícios e perseverança dos trabalhadores organizados, desde a primeira metade do
século XIX. Em 1868, o Parlamento americano aprovou uma lei federal estabelecendo esse período de trabalho, e o presidente Johnson,
que sucedeu a Abraão Lincoln (depois do assassinato deste) apressou-se a promulgá-la. Mas, durante a administração seguinte do
general Grant, a lei foi submetida a diversas interpretações, como a de que com sua aplicação os salários seriam proporcionalmente
diminuídos, condição esta combatida unanimemente pelos trabalhadores.
Em 1869, fundou-se a Honorável Ordem dos Cavaleiros do Trabalho, poderosa central sindical a
que pertenceu a imensa maioria dos trabalhadores organizados, atuando secretamente de início e livremente quando cresceu o número e
a força dos associados, que chegaram a mais de 700.000 em 1885. No ano seguinte, mais de 340.000 operários participaram de uma greve
pela jornada de 8 horas, entre eles alguns líderes e membros de tendência anarquista da Honorável Ordem.
O movimento foi de modo geral vitorioso, exceto na cidade de Milwaukee, perto de Chicago,
onde a polícia interveio contra os operários da fábrica de maquinaria agrícola da Cia. McCormick Works, que havia expulsado 300
operários e os havia recolhido novamente, por terem interrompido a greve. Dois operários em greve realizaram uma manifestação diante
da fábrica, e a companhia mandou que aqueles que furaram a greve saíssem para agredi-los. A polícia interferiu, matando vários
trabalhadores.
Tais fatos ocorreram no dia 1º de maio de 1886, tendo sido a greve geral promovida por uma
central que na época era minoritária, a Federação de Grêmios e Sindicatos Operários Organizados, fundada em 1881, e que havia
decidido promover a manifestação já em sua convenção de 1884.
Após os acontecimentos desse 1º de Maio, Augusto Spies imprimiu milhares de folhetos de
protesto, chamando os trabalhadores para um novo comício a se realizar na tarde do dia 4 de maio, na Praça Haymarket. Embora o
comício fosse pacífico, assistido por cerca de 300.000 trabalhadores de Chicago, e apesar de a chuva torrencial forçar a retirada da
maioria dos assistentes, quando havia apenas algumas centenas de manifestantes o comício foi dissolvido violentamente pela polícia:
o capitão que comandava a força policial intimou os últimos dos três oradores (pela ordem: Augusto Spies, Alberto Parsons e Samuel
Fielden) a deixarem a tribuna.
Nunca se soube quem atirou a bomba que então explodiu, matando 15 policiais. Com a reação da
polícia, novas vítimas surgiram entre os trabalhadores. Muitos deles foram presos e submetidos ao chamado Processo da Praça do
Mercado, que durou até fins de outubro de 1887, quando só restavam presos 8 líderes, contra os quais nem os juízes nem as
testemunhas puderam provar culpas concretas, mas os quais foram condenados por suas idéias de justiça e sua luta pelos interesses
dos trabalhadores.
Assim, Alberto Parsons, ex-candidato à Presidência dos EUA em 1885 pelos Socialistas, além
de membro destacado dos Cavaleiros do Trabalho; Augusto Spies, brilhante orador e periodista operário; George Engel, valoroso
lutador sindical e emigrado da Alemanha; e Luiz Lingg, jovem anarquista de 22 anos chegado da Alemanha em 1884, foram condenados a
morrer na forca, na manhã de 11/11/1887 (Luis Lingg suicidou-se em sua cela na noite anterior). Samuel Fieldman, Miguel Schwab e
Oscar Neebe foram condenados a longos anos de prisão. E todos, em sua defesa, haviam expressado suas aspirações sociais como
lutadores.
Mais de 25.000 pessoas acompanharam os restos mortais dos justiçados e 250.000 espectadores
presenciaram silenciosamente nas ruas o cortejo fúnebre, composto por representantes de muitos sindicatos, numerosa representação de
mulheres dos Cavaleiros do Trabalho, homens de letras e outros.
Cerca de dois anos depois daquele triste 12 de novembro de 1887, o Congresso Internacional
Operário Socialista, reunido em Paris, a 14 de julho de 1889, em solidariedade aos trabalhadores norte-americanos, proclamou o dia
1º de Maio como Dia Universal do Trabalho, em homenagem aos mártires de Chicago e a todos os mártires dos trabalhadores.
Em 1893, John P. Altgeld, governador de Illinois, tomou a defesa dos 8 sindicalistas
condenados, sustentando que a sociedade os havia assassinado. Fez com que fosse revisto o processo, para confirmar sua opinião, e
pôs em liberdade Fielden, Schwab e Neebe, que cumpriam as penas que lhes foram impostas.
Já se passaram 92 anos desde que se deram aqueles fatos. Com o tempo de descanso conseguido,
aumentou a quantidade de dirigentes operários, o número e a força dos sindicatos. Novos objetivos dão fundamento ao sindicalismo dos
nossos dias. Mas o 1º de Maio deverá sempre fazer com que os trabalhadores meditem sobre o valor da solidariedade para ganhar as
grandes causas da justiça social.
(Condensado do periódico da ORIT "Noticiário Obrero Interamericano", cujo trabalho é
da autoria do Professor Bernardo Ibañez).
O texto acima foi publicado pelo editor de Novo Milênio na
terceira edição (março-abril/1978) do Sintius Jornal, que então editava para o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Urbanas de Santos, São Vicente, Guarujá e Cubatão. |