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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Athanazildo Correa (Tanah Correa) - 2

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Ator e produtor teatral e cinematográfico, Athanazildo Correa (Tanah Corrêa) foi entrevistado pela revista semanal AT Revista, na edição 326 (páginas 6 a 10), distribuída com a edição de 27 de fevereiro de 2011 do jornal santista A Tribuna:

Tanah Corrêa: "Tenho prazer em formar profissionais de teatro"

Foto: Fernanda Luz, publicada com a matéria

ENTREVISTA

No palco do samba

O diretor de teatro Tanah Corrêa será homenageado pela X-9 no Carnaval de Santos. Apaixonado pela Cidade, ele lembra de fatos que marcaram sua trajetória de sucesso

Por Stevens Standke

O próximo dia 7 será de muita emoção para Tanah. Afinal, quando desfilar na Passarela Dráusio da Cruz, na Zona Noroeste, a X-9 vai colocar o diretor no papel de grande estrela do seu samba-enredo. Natural de Bauru, Tanah veio com apenas 1 ano para Santos. E de lá para cá, criou laços fortíssimos com a Cidade. O reconhecimento disso se deu em 2005, quando ganhou da Câmara de Vereadores o título de cidadão santista.

Apesar de ter sido perseguido pelo regime militar nas décadas de 60 e 70, ele conseguiu construir carreira de respeito no teatro, que inclui sucessos como a peça infantil O Sonho de Alice, protagonizada por Myrian Rios e produzida pelo rei Roberto Carlos.

Para um bate-papo, o diretor de 70 anos recebeu a equipe da AT Revista no seu apartamento na Ponta da Praia. Entre outros assuntos, fala do tempo em que trabalhou na Petrobrás, de como encarou o desafio de ser o primeiro secretário de Cultura de Santos e do orgulho que tem da família - um dos seus 10 filhos é o ator Alexandre Borges, o Jacques Leclair, de Ti-Ti-Ti.

SAMBA - Você sempre gostou de Carnaval?

Sou da X-9 desde os meus 6 anos. Lembro que, na época em que comecei a me dedicar ao teatro amador estudantil, ajudei a formar uma ala que existe até hoje na escola: a do teatro. A partir daí, intensifiquei minha participação na X-9. Creio que Santos sofreu grande prejuízo quando ficou sem realizar desfiles. Muitos sambistas se deslocaram para São Paulo e ajudaram a fortalecer o Carnaval de lá. Eles, inclusive, criaram a X-9 Paulistana, que inicialmente se chamava Filhotes da X-9. Com a volta dos desfiles aqui na Cidade, retomei os laços com a escola em 2005. Ocupei o posto de diretor cultural por um período.

Como recebeu a notícia de que o enredo deste ano seria em sua homenagem?

No segundo semestre do ano passado, o pessoal da X-9 pediu que sugerisse temas para o próximo desfile. Após ter minhas idéias recusadas, descobri que queriam me homenagear. Falei que estava honrado, mas que, em vez de apenas contar minha história, o enredo deveria abordar o que defendo profissionalmente, que é a arte, a cultura. E a equipe da escola topou a proposta. Portanto, nós vamos apresentar as influências que o povo brasileiro teve desde antes da colonização até a Semana de Arte Moderna. O enredo me coloca no papel de narrador dessa história. Embora eu tenha 70 anos, acho que ainda não chegou o momento de ganhar homenagem biográfica.

O samba está muito presente no seu dia-a-dia?

Sim. Gosto de música brasileira em geral. Só que, no meu conceito, a grande trincheira do movimento de defesa da nossa cultura é a escola de samba, pois consegue, dentro da área urbana, ligar todos os níveis sociais, pensamentos políticos etc. E o samba, mesmo fora das escolas, reflete a conservação de nossas raízes. No cotidiano, ouço um monte de canções do gênero. Por exemplo, agora, tenho escutado mais enredos, devido à proximidade do Carnaval. Porém, minha seleção costuma ter muito samba de raiz. Sem contar MPB e música clássica, que adoro.

Tem mais alguma preferência na área da música?

Também aprecio ópera. Isso é um pouco da minha raiz, porque venho de família italiana. Meu avô tocava músicas clássicas no piano, dominava o violino e era pintor. Minha mãe e minhas tias cantavam trechos de óperas. Faziam teatrinho conosco.

 

"A grande trincheira do movimento de defesa da nossa cultura é a escola de samba"

 

FORMAÇÃO - Brincar de teatro em casa foi um estímulo importante para sua escolha profissional?

Acredito que sim. Durante a infância, sempre freqüentei ambientes artísticos. No Saldanha - onde eu nadava -, havia um setor responsável pelas comemorações das festas populares, as quais acompanhava. Depois, passei a tocar piano na escola e a participar do coral. Mas canto muito mal. Eu respirava o mundo da cultura intuitivamente. Não foi nada planejado.

Ainda integrou o grupo de teatro amador do colégio, certo?

Verdade. Meu envolvimento com o teatro na escola começou já no primário. Estudei no Colégio Santista com bolsa. A seguir, mudei para o Arquidiocesano de São Paulo. Essas instituições dispunham de várias atividades artísticas para os alunos. Voltei para Santos e fui para o Escolástica Rosa, que tinha até uma banda sinfônica. Depois, fiz o curso de mecânico de máquinas e fui trabalhar na Petrobrás.

DITADURA - O que o levou a trocar a carreira na Petrobrás pelas Artes Cênicas?

Ingressei na empresa aos 19 anos. Aqui na região, os empregos existentes no período eram no funcionalismo público, nas Docas (Porto) ou nas indústrias. Decidi prestar concurso para a Petrobrás. Entrei como técnico de processamento de petróleo. Em 1968, fui demitido e caçado.

Por quê?

Porque era ativista sindical. Quando me desligaram da Petrobrás, minha vida deu uma virada. Cheguei a trabalhar em outros lugares, no entanto, como, durante a ditadura, as firmas puxavam dados dos funcionários no Serviço Nacional de Informações, era mandado embora logo após olharem minha ficha. Tentei vender livros e apartamentos como autônomo. Aí, li matéria sobre o Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais (Grife). Aquilo me interessou, afinal sempre gostei de atividades artísticas. E fiz o curso de cinema promovido por essa entidade de São Paulo. Com o tempo, passei a diretor cultural do grupo. Nós rodamos até longas.

 

"O samba, mesmo fora das escolas,

reflete a conservação de nossas raízes"

 

AMADOR - O que aconteceu a partir daí?

Minha ligação com o teatro amador aumentou. O Carlos Pinto (amigo de Tanah e atual secretário de Cultura de Santos) era diretor da Confederação de Teatro do Estado de São Paulo e da Federação Santista de Teatro Amador. Ele me convidou para realizar programação cinematográfica dentro dos festivais de teatro amador da Cidade. Em meados dos anos 70, surgiu um seminário de dramaturgia em São Paulo. Como o Carlos estava com dificuldade para encontrar alguém que representasse Santos no evento, pediu para que eu fosse essa pessoa. Aceitei, me inscrevi e tive experiência curiosa.

Qual?

Quem participou do seminário descobriu apenas no final que a autora do texto debatido, chamado Jantar de Antevéspera, acompanhou tudo. Quando a gente foi tomar café, ela (Ana Luiza Portugal) disse que gostou bastante da minha visão sobre a obra e sugeriu que a montasse. Deixei claro que minha experiência era com teatro amador, especificamente em produção - que havia feito para minha irmã no passado. Mas a Ana Luiza não viu problemas nisso. Ela queria que o texto fosse encenado. Ao retornar para Santos, conversei com o Carlos Pinto, que me incentivou a assumir o projeto. Falou que, do mesmo modo como aprendi cinema, pegaria o jeito da direção teatral. Desde então, não parei mais.

Ao longo dos três anos de teatro amador, foi somente diretor?

Sim. Sou ator bissexto. De vez em quando, interpreto algum personagem. Fiz a primeira fase de O Rei do Gado, mas, para mim, é muito difícil ficar como ator.

MUDANÇA - Como despertou para o teatro profissional?

Em 1977, houve festival de música da Faculdade de Filosofia de Santos (Fafis). O meu grupo de teatro amador mostrou cinco canções. Só que a censura proibiu uma delas. Como foi justamente a música vencedora do festival, nós fizemos o ato de rebeldia de apresentá-la no Regatas. Lógico que isso gerou investigação na Polícia Federal e no Departamento de Ordem Política e Social. O regime militar acabou por ligar o Tanah Corrêa ao cara da Petrobrás que foi demitido e caçado. Tornou-se impossível permanecer em Santos.

O que fez então?

Fui para São Paulo e, graças a um amigo, tive entrevista para a vaga de assistente de direção do espetáculo O Santo Inquérito, com a Regina Duarte no elenco. Essa foi minha primeira montagem profissional. Fiquei responsável pela peça nas viagens ao redor do País, o que me proporcionou bastante experiência. Mais tarde, levei a turma de Santos para trabalhar na Capital.

 

"Se a programação valoriza os talentos locais, você cria espectadores que irão se interessar por qualquer tipo de atração"

 

SUCESSO - O Sonho de Alice foi um dos seus espetáculos mais consagrados. Quais as lembranças marcantes desse projeto?

Dirigi os infantis A Maravilhosa História do Sapo Tarô-Bequê, Os Saltimbancos  Viveiro de Pássaros. Os três fizeram sucesso considerável. Quando eles estavam em cartaz no Rio de Janeiro, soube que o Roberto Carlos tinha ligado para mim. Queria que fosse à casa dele. Chegando lá, comentou que a Myrian Rios (sua mulher na época) pretendia fazer uma peça infantil.  como o casal gostou dos meus trabalhos anteriores, desejava que eu cuidasse daquele projeto. Nós desenvolvemos o texto de O Sonho de Alice por um ano. Com a parte dramatúrgica pronta, faltavam as músicas.

O Roberto Carlos opinava?

Sim. A gente escreveu sete letras juntos. As demais canções foram com outros parceiros. Posso afirmar que O Sonho de Alice obteve repercussão internacional. Não viajamos para o exterior porque o Roberto e a Myrian se separaram. Em 1992, ocorreu a remontagem do espetáculo e ela me convocou para a direção de novo. O Roberto produziu tanto essa versão quanto a de 1980.

Como era a reação do público?

Nós fizemos sucesso absurdo. Recordo de, no primeiro mês, me deparar com crianças vestidas como os personagens na porta do teatro. Teve um jornalista que falava: "Tanah, não agüento mais!" Como ele era separado, ficava com o filho duas vezes por mês. Nessas ocasiões, o menino sempre queria assistir a O Sonho de Alice. Eles viram mais de 30 sessões da peça.

CIDADE - Embora o regime militar o tenha obrigado a trabalhar em São Paulo, a impressão que fica é a de que Santos figura como sua prioridade...

Jamais abandonei minhas raízes santistas. Não nasci na Cidade, mas, com 1 ano, já morava na Ponta da Praia. Encaro São Paulo e o Rio como lugares exclusivos para compromissos profissionais. Enquanto Santos não se limita ao serviço. Venho ao Município com freqüência para reencontrar amigos, passear, curtir o meu apartamento etc.

Quando ganhou o título de cidadão santista em 2005, disse que aquela passaria a ser sua nova data de nascimento...

Foi a confirmação da certidão que considero válida. Mesmo antes de receber o título, se me perguntavam de onde eu era, respondia, espontaneamente, de Santos. As pessoas nunca me ligaram a Bauru, pois saí de lá bem cedo. A minha avó usava frase curiosa: sangue de italiano, porém comida brasileira.

Após os problemas com o regime militar em Santos, quando conseguiu voltar a trabalhar na região?

Com o grande sucesso de O Sonho de Alice, vim fazer oficina de Artes Cênicas para os amadores de Santos no início da década de 80. Montei cinco espetáculos com os 300 participantes do curso. Entre eles estavam pessoas que hoje se destacam nacionalmente. Por exemplo: a Renata Zhaneta, o Charles Möeller  o Alexandre (Borges). Na seqüência, fui convidado para promover oficina em Guarujá, que rendeu duas peças. O meu retorno profissional para a região foi assim.

 

"Organizar a programação de um teatro como o Coliseu

é serviço dos mais polêmicos"

 

POLÍTICA - O que contribuiu para que aceitasse o cargo de primeiro secretário de Cultura de Santos?

Quando fui demitido da Petrobrás em 1968, tinha participado da campanha do Esmeraldo Tarquínio para prefeito de Santos. Não só apoiei sua candidatura como concorri para vereador. Eu não fui eleito porque, como, naquele período, apelido não era permitido, meus votos acabaram anulados. Também não adiantaria disputar com meu nome verdadeiro: Athanazildo Corrêa Neto. A população me conhece como Tanah Corrêa. Aí, enquanto tocava as oficinas nos anos 80, surgiu o movimento para a retomada da autonomia de Santos. O Oswaldo Justo se candidatou a prefeito e perguntou qual projeto eu recomendava. Falei sobre a criação da Secretaria de Cultura. Depois que venceu, o Justo pediu para que eu assumisse a pasta.

Qual sua avaliação da cultura santista na atualidade?

Existem diversas vertentes em que a secretaria pode atuar. Na minha época, não realizei trabalho focado no espectador. Defini como prioridade apoiar as produções artísticas da Cidade. Tanto que, no fim do mandato, havia mais de 30 grupos teatrais, música no extinto Circo Marinho, o Teatro Municipal vivia lotado. No entanto, isso não satisfez o público. O santista não compreendeu qual era o meu objetivo.

E qual era naquela época?

Acredito que, se a programação valoriza os talentos locais, você cria espectadores que irão se interessar por qualquer atração - seja originária de São Paulo ou feita por artistas daqui. Hoje, a postura da secretaria é trazer mais as produções conceituadas nacionalmente - algumas com atores da TV -, o que complica a ação dos profissionais da terra. A maioria das pessoas gosta de tal estratégia.

O senhor integrou a equipe que esteve à frente da restauração do Coliseu. O que tem a dizer sobre o teatro?

Fui chamado para cuidar da finalização da estrutura cênica e da platéia. Infelizmente, o projeto para que o Coliseu tivesse os próprios equipamentos de luz e som não se tornou realidade. Devido ao alto custo, a Prefeitura preferiu que os espetáculos alugassem os materiais de empresas especializadas. No que se refere à programação do teatro, ajudei apenas a fechar as atrações da noite de reabertura. O restante da agenda ficou por conta da Secretaria de Cultura. Não tinha vontade de assumir essa tarefa.

Por quê?

Já dei minha colaboração para o poder público quando fui secretário. Organizar a programação de um teatro como o Coliseu é serviço dos mais polêmicos. É difícil agradar a gregos e a troianos.

FAMÍLIA - Tem projetos paralelos ao Carnaval?

Estou preparando em São Paulo a peça Um Corpo que se Cria Santo, que é resultado da fusão de dois textos do Qorpo Santo. A Oleyd Faya, minha mulher há 12 anos, participa do projeto. Ela faz a dramaturgia das minhas três encenações de São Vicente e do espetáculo sobre José Bonifácio que dirigi em Santos. A estréia da montagem do Qorpo Santo deve ocorrer em maio na Sala Linneu Dias, que administro na capital. Ainda respondo pelo Teatro Plínio Marcos. A meta desses espaços é abrigar pessoas no início da carreira. Tenho prazer em formar profissionais do ramo.

Além do Alexandre Borges, algum outro filho se aventurou nas Artes Cênicas?

Todos os 10 fizeram teatro em determinado momento da vida. Agora, os que atuam com continuidade são o Alexandre, o André, a Jórgea, a Natália e a Ludmilla. Meus maiores tesouros são os filhos. Eles trabalham com respeito ao próximo, sem antipatia nem conflitos inconseqüentes. Também sinto orgulho do meus 11 netos e 10 noras e genros. Acho que tive bastante sorte na vida.