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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
De Vaney (1)

Chamado de poeta da crônica esportiva brasileira, o jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney, reuniu ampla documentação que lhe permitiu conseguir para Santos, em 1956, o título de Município Mais Esportivo do Brasil. Em 1991, a cidade criou um Centro de Memória Esportiva, batizado com seu nome.

Recorda o jornalista Hamleto Rosato (como citou em sua coluna A Tribuna nos anos 60, publicada no jornal santista A Tribuna no dia 21/12/2007, página D-5) que De Vaney "descendia de família ilustre. Era seu tio-avô o cientista e deputado Arthur Neiva, autor da célebre frase 'São Paulo é a locomotiva que puxa o Brasil'". Seu falecimento foi assim registrado, no dia 30 de janeiro de 1990, em A Tribuna:


O corpo do jornalista De Vaney, cujo caixão foi coberto com a bandeira do Santos FC,
foi sepultado ontem mesmo
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria

Morre o poeta e jornalista De Vaney

A crônica esportiva brasileira está de luto. Faleceu ontem, vítima de edema pulmonar e outras complicações, o jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva, o De Vaney. Nascido em Ribeirão Preto, no ano de 1907, ele completaria 83 anos no próximo dia 22 de fevereiro. Dedicou mais de 60 anos de sua vida ao jornalismo, e, mais do que um profundo conhecedor de assuntos esportivos, foi um cronista do seu tempo. A preocupação com o ser humano marcou a sua existência. A dignidade e a firmeza de caráter marcaram toda sua trajetória.

Deixando os filhos Álvaro e Anagisa, o jornalista De Vaney foi sepultado ontem mesmo, no cemitério da Filosofia, ao lado da esposa, Alice. Seu corpo foi velado por amigos e velhos colegas de vida e profissão. O caixão contendo o seu corpo baixou sepultura coberto pela bandeira do Santos FC, clube ao qual De Vaney esteve sempre ligado, seja profissional ou afetivamente. E, neste último aspecto, uma paixão só superada pelo amor que ele sempre dedicou ao seu querido Fluminense.

O presidente do Conselho Deliberativo do Santos, Milton Teixeira; o ex-presidente da Liga Santista de Ciclismo, Hilário de Diegues; o presidente do Brasil FC, César Natário; o vereador Adelino Rodrigues; os radialistas José Maria de Assis Pinheiro Neto, Armando Gomes, Orlando José e Sílvio Ruiz Massa, entre outros; além dos jornalistas Antônio Carlos Magalhães, Sérgio Salles e Rafael Dias Herrera estiveram presentes nesta última homenagem da comunidade ao poeta da crônica esportiva brasileira.

Cronista deu a Santos título imortal de 'Cidade mais esportiva do Brasil'

"O bom da vida é que a vida continua". Mais do que nunca, essa frase de Adriano Neiva da Motta e Silva surge no momento exato. De Vaney superou seus próprios limites, se é que ele os tivesse. Ele foi bem mais que um grande jornalista e pesquisador incansável. Foi um poeta, um filósofo. Alguém capaz de entender que a sua obra mais importante sempre estaria por vir. E que era preciso manter acesa a esperança em dias melhores, por mais que isso pudesse custar.

"Qualquer adjetivo que eu usasse neste momento, para traduzir aquilo que foi e representou, ou melhor, aquilo que é e que representa Adriano Neiva da Motta e Silva, não estaria à altura de tudo aquilo que esse homem foi e fez. De Vaney foi um pai para mim", afirma o cartunista JC Lobo, famoso por suas charges e cartuns, e que iniciou em A Tribuna, em 1956, pelas mãos do De Vaney.

Na opinião de JC Lobo, "De Vaney foi a expressão da dignidade profissional e da seriedade. Um poeta, um crítico sempre atento ao seu tempo, um romântico. Ele foi tudo isso e mais alguma coisa".

"Ele foi a Pena de Ouro da crônica esportiva brasileira", acrescenta o presidente do Conselho Deliberativo do Santos FC, Mílton Teixeira, lembrando que De Vaney conquistou todos os prêmios possíveis e imagináveis. "Ele era fantástico, sendo capaz de retratar num mínimo espaço que fosse os detalhes e as minúcias de um acontecimento qualquer. Ele sempre manteve uma posição crítica, mas sem nunca deixar de ser edificante. Sua intenção era de despertar nas pessoas a atenção necessária para que se buscasse a adequada correção do que lhe parecesse errado".

Gênio - O repórter fotográfico de A Tribuna, Rafael Dias Herrera, que trabalhou ao lado de De Vaney, na década de 40, destaca a sua genialidade. "Ele era capaz de destacar a importância de um fato que, à primeira vista, parecia não ter nada de importância".

"Apesar de ter conquistado o primeiro lugar em todos os concursos que participou - prossegue -, ele jamais deixou de ser uma pessoa simples, preocupada com os mais necessitados. Lembro até que ele chegou a realizar uma campanha no sentido de fazer com que as crianças, especialmente aquelas mais pobres, pudessem ter livre ingresso nos estádios de futebol. Ele lutou por isso durante algum tempo, e acabou vitorioso. Até hoje, as federações mantêm o livre acesso dos menores".

De Vaney, nos tempos de A Tribuna, e mesmo trabalhando em outros órgãos de imprensa, como os extintos Cidade de Santos e Diário de Santos, bem como O Globo, do Rio de Janeiro, jamais parou de criar. Herrera conta que no final da década de 40, De Vaney chegou a criar uma coluna chamada Se eles conversassem, que nada mais era do que um suposto diálogo entre dois jogadores. "Ele usava uma foto de cada jogador e criava o diálogo".

De Vaney não se limitava apenas ao futebol. Eclético ao extremo, ele foi o responsável pela conquista por parte de Santos do título de "a Cidade mais esportiva do Brasil". Isso foi em 1956, quando ele obteve o primeiro lugar no Concurso Aberto de Monografias do Congresso Brasileiro de Municípios, concorrendo com o artigo Santos, município mais esportivo do Brasil, publicado em A Tribuna. Naquela oportunidade, ele conseguiu provar, através de um minucioso levantamento, que Santos, em função de sua população, área e tradições, apresentava o maior índice de prática esportiva do País.

Dignidade - Para o seu filho, Álvaro Motta, o Pena de Ouro do Brasil foi muito mais do que os títulos e prêmios chegam a traduzir. "Sua firmeza de caráter e a dignidade que exalava de sua alma marcaram bastante a minha vida. Ele foi o pai que eu sempre desejei ter. Uma pessoa despojada, sem vaidades, capaz de vestir um necessitado, se preciso fosse, com a roupa do próprio corpo.

Ao lado dos amigos, Álvaro lembra que seu pai, muitas vezes, tirou dinheiro do bolso para pagar o ingresso de uma criança a um estádio de futebol.

De Vaney montou ainda um grande arquivo sobre esporte, em especial o futebol. Uma obra que custou toda a vida do grande jornalista e para a qual Álvaro ainda não tem um destino definitivo, embora saiba que preservá-lo será como manter viva a presença de um dos últimos românticos do jornalismo esportivo.

Ontem mesmo, o vereador Mantovani Calejon encaminhou uma solicitação à prefeita Telma de Souza no sentido de que a Prefeitura viesse adquirir o acervo de De Vaney, que poderia vir a ser utilizado pelas Secretarias de Esporte e Cultura.


Adriano Neiva da Motta e Silva morreu aos 83 anos, vítima de edema pulmonar
Foto: arquivo, publicada com a matéria

Apaixonado pelas letras, abandonou a Medicina no 4º ano

Pesquisa A Tribuna

Discreto, sensível, porte magro e esguio, andar vacilante, olhos vivos e sempre impecavelmente vestido. Assim era Adriano Neiva da Motta e Silva - o conhecido nos meios jornalísticos De Vaney -, dono do arquivo mais completo sobre futebol brasileiro e que fez da profissão de jornalista um sacerdócio. Foi crítico literário, cobriu Geral, fez poesias - que lhe valeu o título de poeta da crônica esportiva do País - e o curso de Medicina até o quarto ano.

De Vaney nasceu em Ribeirão Preto, a 22 de fevereiro de 1907. Foi para o Rio de Janeiro, ainda no começo do século, em companhia da mãe, depois que o pai - médico legista - morrera de uma infecção contraída ao fazer uma autópsia. Além de médico, o pai foi repórter de pequenos jornais do interior de São Paulo e a mãe colaborara com artigos sobre música. Os avós, de um modo ou de outro, também haviam exercido a profissão.

Por ter crescido nesse meio, foi fácil a De Vaney decidir-se pelo jornalismo. Aos quatro de idade, ele já rabiscava papel, desenhando um jornal chamado O Careta. Dava essa folha a parentes para que lessem e cobrava quatro tostões por leitura. Começou a trabalhar em jornal com 11 anos de idade, depois que seu avô escreveu uma carta a Humberto de Campos, diretor de O Imparcial. Quando perguntado sobre o que sabia fazer, a resposta foi rápida: "Tudo". No entanto, não sabia muita coisa. Foi mandado fazer pacaus - uma notícia dizendo que um certo cidadão tinha sofrido acidente em frente a um estabelecimento, de preferência confeitaria, para depois tomar chá na casa. Isso era publicado quando sobrava espaço da publicidade.

Com 19 anos, De Vaney foi trabalhar no Globo, que estava lançando o número zero, como repórter político. Fechado o Congresso por Getúlio Vargas, foi trabalhar no Diário de Notícias, para redação de matérias de personalidades que estavam prestes a se tornar importantes no conflito mundial. Depois prestou concurso público para o cargo de redator no Serviço de Vigilância no Porto.

De Vaney assinou, também, uma coluna na revista O Cruzeiro, durante muitos anos, sob o pseudônimo de Adão Abel. Em 1938, entrou no serviço público e casou com Alice, que faleceu em 1981. Aceitou trabalhar no Diário, da Cadeia Associada, em Santos, de onde saiu em 1944 para trabalhar em A Tribuna até 1967. Em dezembro desse mesmo ano começou a trabalhar no extinto Cidade de Santos, que começava a ser publicado na Cidade, ocupando o espaço deixado pelo Diário. Também esteve em outros grandes jornais, como O Jornal e Correio da Manhã.

Autor de vários livros e de mais de seis décadas de crônicas esportivas, De Vaney deixou a marca de um talento que não será igualado neste século. Ganhou 34 prêmios dos 34 concursos que participou, como Charles Muller de Literatura Esportiva, patrocinado pela Federação Paulista de Futebol, em comemoração ao 4º Centenário da Cidade de São Paulo. O trabalho premiado, 60 anos de Futebol de São Paulo, transformou-se em livro. Durante 11 anos, conquistou o Troféu Pena de Ouro, instituído pela Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (ACEESP).

De Vaney doava todos os troféus que ganhava, seja para instituições de caridade, para a sede regional do Sindicato dos Jornalistas de Santos, ou clubes. Só um voltou à sua casa, pois foi leiloado por uma instituição de benemerência e adquirido por Alzemiro Ballio. Este, por discordar do critério do cronista, resolveu doá-lo à esposa de De Vaney. Também ganhou o Prêmio 4º Centenário de Literatura Esportiva do Rio de Janeiro e o Prêmio Organização O Globo, aberto aos jornalistas esportivos do País. Ganhou com o trabalho Santos, o Município mais Esportivo do Brasil.

A carreira jornalística de De Vaney foi encerrada em 15 de setembro de 1987. Ao longo de todos os anos que trabalhou, escreveu 60 Anos de Futebol em São Paulo, Os Imortais do Nosso Futebol, 150 Anos de Esporte no Brasil e o mais polêmico de todos A Verdade sobre Pelé - O Mito, os Exageros e a História de Um Desertor. Com este livro, De Vaney disse que apenas queria preservar a verdade, mas sofreu várias pressões e a obra acabou recolhida tão logo chegou às livrarias e bancas de jornais.

De Vaney sentia-se orgulhoso por ter conseguido a vitória do acesso grátis de crianças carentes aos estádios de futebol do País, depois de dois anos de luta. A primeira crônica nesse sentido foi publicada em A Tribuna, em 1953, sob o título Uma entrada pelo amor de Deus. Nas décadas de 50/60, De Vaney aumentou seu renome com a crônica esportiva Coisas, Coisas que Acontecem, narrada todas as terças-feiras pelo locutor Hernani Franco, da Rádio Atlântica.

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