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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Parece que... todos freqüentavam o Bar...

Quase um resumo ou índice do panorama cultural santista na segunda metade do século XX, este texto foi publicado na edição de 29 de dezembro de 1996 do caderno AT Especial/Leituras do jornal santista A Tribuna:

Ilustração publicada com a matéria

ESCRITOS
Parece que foi ontem, quando todos freqüentavam o Bar Regina

Um olhar sobre o tempo, relembrando pessoas ligadas à vida cultural da Cidade

Narciso de Andrade (*)
Colaborador

Estou escrevendo com muitos dias de antecedência, mas hoje é o vigésimo dia do mês de dezembro. Logo, logo estaremos em mil novecentos e noventa e sete. Experimentem escrever deste jeito e me digam se não sentiram uma sensação diferente, como se o próximo ano se apresentasse com maior extensão, mais longo. Até aqui os anos vieram se encurtando, essa a impressão dominante - nossa, já estamos no fim do ano; parece que foi ontem!

Parece que foi ontem o quê? O início do ano passado? O verão de 1996? O lançamento do CD do Gilberto Mendes feito com muita seriedade e competência, como sempre? Mário Gruber entre nós com aquela sua verve de sempre a prometer um mural no Outeiro de Santa Catarina? Leio agora que a promessa foi cumprida, e o mural será nosso. Mário, companheiro de meu irmão no mais pitoresco ateliê que esta cidade já teve, ali na beira do cais, em frente da Casa do Trem, já um nome definitivo na história da arte em Santos, Mário Gruber.

Parece que foi ontem a turma do Bar Regina no Gonzaga onde, a certa altura, um moleque atrevido começou a perturbar. A Patrícia Galvão deu a maior força, o Geraldo Ferraz suas broncas famosas, e o menino se apresentou para o teatro nacional: Plínio Marcos. E tinha a turma toda do teatro, sempre muito exibidos mas com indiscutível talento.

 

"E tinha a turma toda do teatro,
sempre exibida mas com talento"

 

Ainda outro dia conversei por telefone com o Greghi Filho, entre outras coisas, ganhador de uma bolsa de estudos patrocinada pela Comissão Municipal de Cultura, da qual fui presidente (ninguém é perfeito), e algumas cenas relembramos daqueles tempos. A cidade fervia, a turma das artes e cultura do Rio, São Paulo, o pessoal do Cinema Novo da Bahia, estavam todos de olho nessa cidade incrível, nem grande nem pequena, como a definiu Ribeiro Couto, onde as coisas estavam acontecendo. Exagero de saudosista? Vou dar alguns exemplos, é só ter um pouco de paciência.

Cinema - As sessões do Clube de Cinema eram memoráveis, principalmente aquelas realizadas nos sábados à tarde no Cine Bandeirantes, na Rua Lucas Fortunato, Vila Mathias, onde outrora fora o primeiro Cine Carlos Gomes.

Chamei de memoráveis tais sessões e o adjetivo, no caso, está muito bem empregado. Era exibido um filme de reconhecida qualidade, muitas vezes dificílimo de ser encontrado, procedente de centros de alto poder criativo na arte cinematográfica. A seguir, um breve retrospecto e partia-se para o debate, cuja única regra era não falar besteira; em outras palavras, qualquer dos presentes podia participar das discussões sem o menor constrangimento. Além dos sócios do Clube de Cinema, a sessão se abria para o público, que de fato comparecia.

Há pouco tempo, conversando com o Maurice Legeard, durante muitos anos o nervo vibrátil do Clube, relembrei alguns filmes então exibidos, inclusive o ciclo André Cayate, famoso advogado e cineasta francês e seu impressionante filme As Duas Verdades, amplamente discutido e analisado, entre outros, pelo saudoso e brilhante advogado do nosso Fórum, Derosse José de Oliveira, freqüentador assíduo dessas reuniões.

Pois é, falei que até da Bahia estavam de olho naquela Santos transpirando cultura e vejam: em pleno carnaval, resolvemos realizar um Festival de Cinema Novo e lá da Bahia se mandou Valter Silveira, nome em evidência na ocasião, e se encantou com o público presente e o interesse demonstrado na realização. Mas aí já eram outros tempos e o Roldão Mendes Rosa mais Cid Marcus foram os responsáveis, tempos da Comissão de Cultura integrada por gente como esses citados e outros malucos que acreditavam nas verdades difíceis da arte e da cultura.

 

"As sessões do Clube de Cinema eram memoráveis,
sempre nos sábados à tarde"

 

Teatro - Muito se tem falado daquela Santos a que estou me referindo como germinadora de grandes talentos da cena nacional. Mas esse muito é pouco, é o que posso dizer, e quem acompanhou o lance de resgate, recente ainda, da Carmelinda Guimarães, há de concordar comigo. Em torno de 1959, tenho medo de afirmar datas porque estou recorrendo apenas à memória, aconteceu o mais fabuloso festival de teatro a que pude assistir em minha vida já bastante longa.

Paschoal Carlos Magno sonhou um sonho quase impossível, buscou o apoio de Juscelino, o presidente entusiasmou-se com a idéia mas foi logo avisando que dinheiro não havia. E daí deu-se o encontro com Patrícia Galvão, absolutamente empenhada em botar o teatro pra cima, Geraldo Ferraz garantiu o apoio da Tribuna. E o Festival aconteceu de forma deslumbrante: era teatro quase 24 horas por dia. Muita gente boa, dessa que anda brilhando por aí, surgiu do Festival. Detalhes com Plínio Marcos, um deles, que sabe contar as coisas naquela sua maneira irreverente e maliciosa.

Mas a tradição do teatro em Santos já vinha de mais longe com o Miroel Silveira, entre outras coisas, criador ou consolidador dos Comediantes e o descobridor da eterna grande dama do teatro nacional, Cacilda Becker.

Música e artes plásticas - Só dois nomes para a música: Willy Correia de Oliveira e Gilberto Mendes. Já seria suficiente, mas ainda existia o Conservatório Musical de Santos, superiormente dirigido por um verdadeiro mestre, o maestro Tabarin, Antonieta Rudge e outros cujos nomes não me ocorrem no momento. Santos tinha sua esforçada orquestra sinfônica, corais, dentre estes o Lavignac, da Adriana de Oliveira Ribeiro, com seu repertório primoroso, Klaus Dieter Wolfe. Já falei em Gilberto Mendes? Pois é, sua fidelidade, competência, dedicação devem servir de exemplo pois ele ainda mantém a juventude de espírito que caracteriza os grandes talentos.

Nas artes plásticas, dois nomes também: Mário Gruber e Nelson Penteado de Andrade, os primeiros pintores modernos de Santos. Se instalaram em pleno golfo com seu atelier, levaram muito a sério seu trabalho, conviviam com artistas de São Paulo, Mário fundou e foi o primeiro presidente do Clube de Gravura, Nelson foi o segundo, deste clube nasceu o Clube de Arte, só por si, merecedor de toda uma história.

 

"Roldão Mendes Rosa foi 
o primeiro importante poeta moderno de Santos"

 

Literatura - Se eu começasse dizendo que o poeta Roldão Mendes Rosa foi o primeiro importante poeta moderno de Santos, não estaria apenas afirmando uma verdade histórica, mas fazendo justiça ao autor dos Poemas do Não e da Noite. Estive ao seu lado durante quarenta anos, enfrentamos certas paradas duras, jamais fizemos qualquer concessão e sempre publicamos nossos poemas, nossos contos, enfim, jamais deixamos de exercer a atividade literária.

Que também era bastante intensa na cidade. Me lembro do centro de Estudos Fernando Pessoa, surgido de uma idéia do grande jornalista Francisco Azevedo, pelo qual foi editado o romance Doramundo, de Geraldo Ferraz, uma das importantes criações da literatura nacional.

Ah, meu Deus, quanta coisa haveria a dizer ainda... Vou parar por aqui, esclarecendo que o meu olhar sobre o tempo relembrando não é abrangente de toda a atividade cultural de Santos na época: apenas aquilo que pude observar mais de perto. O resto é saudade e o meu desejo de amplas realizações para todos e cada um. Em mil novecentos e noventa e sete. Que saúda o povo e pede passagem.

(*) Narciso de Andrade é poeta e escritor