Conclusão
Os autores, revendo o terreno por eles percorrido na elaboração desta obra, sentem bem a imperfeição dos seus esforços, e quão difícil foi a tarefa
de dar, em reduzido espaço, uma justa visão geral do Brasil. Compararam o Império, não com a Inglaterra ou os Estados Unidos, porém com os demais
países do Novo Mundo, povoados pelos descendentes da raça latina. Este lhes pareceu ser o legítimo termo de comparação. Muitos erros puderam ser
assim evitados. No ano de 1857, a atenção dos autores foi atraída por uma nota editorial publicada num dos periódicos de maior influência e
circulação dos Estados Unidos, de que extraímos as seguintes linhas:
"Aqueles que desejam conhecer quão fundo a natureza humana pode descer em degradação moral e o extremo limite da imbecilidade monárquica,
recomendamos a leitura da obra de Ewbank O Brasil; pormenores acerca da irremediável superstição, ignorância generalizada e desmoralização
política, não têm paralelo".
Já temos exposto o nosso modo de julgar o referido autor, fazendo citações diretas dessa sua obra; e quem redigiu a nota, acima transcrita, devia
ter lembrado que o sr. Ewbank (há mais de vinte anos passados) foi um estrangeiro que apenas residiu poucos meses num país novo e pouco conhecido,
publicando um diário de observações e fatos que rememorou de acordo com impressões de momento, fazendo apenas muito poucas generalizações; assim não
teria (o editor) sido tão precipitado em condenar o Brasil.Parece, além disso, ter apenas
atentado tão somente em uma das conclusões gerais de Ewbank. Tivesse ele lido toda a obra, e sem dúvida se teria convencido de que há algo de
esperançoso no Brasil. Como as opiniões do autor em questão tem sido referidas várias vezes como em desacordo com as esperanças que se possam ter
acerca do Império governado por dom Pedro II, citamos de seu último capítulo o seguinte trecho, bem significativo:
"O caráter dos brasileiros, posso afirmar, é o de um povo hospitaleiro, afetivo, inteligente e
cheio de esperanças. Estão em superioridade sobre os seus antepassados portugueses em liberalismo e espírito de empreendimento. Muitos de seus
jovens visitam a Europa, outros se educam nos Estados Unidos — acrescente-se a isso um aumento de intercâmbio com os estrangeiros — meios ordenados
pela Divina Providência para o progresso Humano — e quem não se rejubilará com tão honesta ambição e com o futuro que se abre diante de seus olhos?
"— Lembre-se, porém, que nenhum povo pode servir de padrão a outro, pois não há dois em idênticas
circunstâncias. A influência do clima, sabemos, é onipotente; e do fato de ocupar o Brasil a maior e mais bela porção da zona equatorial,
cumpre-lhes determinar quanto a ciência e as artes podem competir, nos trópicos, em progresso com a zona temperada.
"No que respeita a progresso, o Brasil é, das nações latinas, a que mais se aproxima da França. Na
sua Câmara Legislativa, contam-se hábeis e esclarecidos estadistas; e os seus representantes no exterior podem rivalizar em talento com os
embaixadores de qualquer outra nação. Quanto aos elementos de grandeza material, nenhum outro povo debaixo do sol foi mais favorecido e tem mais
alto destino diante de si. Possam os brasileiros ter suficiente sabedoria para alcançá-lo! (Ewbank
Sketches of Life in Brazil)".
É impossível fazer um juízo sobre as condições presentes do Brasil, sem levar em consideração a influência da sua mãe-pátria. Não obstante a riqueza
e a glória de Portugal durante o período de sua supremacia marítima, poucos países na Europa são menos apropriados a servirem de modelo de um estado
próspero atual.
Sob qualquer ponto de vista em que consideremos Portugal e suas instituições, achá-las-emos aquém
do espírito do século. E, assim mesmo, esse país, tão insignificante em tamanho como inexpressivo em suas condições, manteve quase metade da América
do Sul sob o jugo de ferro da escravidão colonial durante um período que vai de sua descoberta até 1808 — quase poderíamos dizer até 1822.
O curto espaço de 44 anos é tudo o que o Brasil até agora tem contado para o grande objetivo de afirmar seus caráteres de nação independente.
Durante esse período, teve que lutar com grande e inúmeras dificuldades. Larga proporção de seus habitantes é constituída por pessoas nascidas ou
educadas em Portugal, e consequentemente imbuídas da estreiteza de vistas e dos sentimentos antiliberais tão comuns entre os Portugueses. As leis, a
maneira de fazer negócios, assim como de pensar e agir, que aí prevalecem geralmente, são as dos portugueses. Tudo isso está a exigir decidida
renovação a fim de apropriar-se às circunstâncias de um novo Império que surge para vida no meio dos progressos do Século XIX.
Tal renovação não é obra de um dia; e se poderia parecer que ainda está nos seus primórdios contudo a Nação Brasileira aparece diante do mundo como
merecendo o mais elevado conceito. Rompeu os laços que a haviam manietado durante séculos. Passou de uma degradante servidão colonial a uma alta e
honrosa posição entre as nações da Terra. E, o que é ainda melhor, manifesta um franco desejo de progresso. Lança seu olhar vigilante para as demais
nações; observa a atividade de suas diferentes instituições, e manifesta sua disposição de adotar as que são realmente excelentes, tanto quanto e
tão depressa como possam ser adotadas às suas circunstâncias.
Suas finanças estão em ótimas condições. Mas deve mostrar-se disposta e aceitar e cultivar uma maior reciprocidade para com as nações da Terra,
abandonando toda política estreita que a contrarie.
As rendas do Império são quase que totalmente provenientes de pesados impostos sobre o comércio. Infelizmente, a nação conta com poucas indústrias
para poder apelar para as altas tarifas como meio de proteção. Suas taxas sobre importação constituem um imposto direto sobre o consumo interno; ao
passo que as taxas sobre exportação embaraçam seu comércio externo. Por essa forma, a agricultura se vê duplamente oprimida, e é sob o peso de
grandes dificuldades que os imensos recursos do país se têm desenvolvido em grau relativamente pequeno.
Houvesse outros meios para fazer frente às despesas governamentais, e talvez fosse pouco aconselhável empregar tão teimoso processo, a não ser sob a
alegação de se tratar de um mal necessário. Mas não haveria possibilidade de encontrar rendas para o Brasil com a venda das terras públicas? Milhões
de milhões de acres conservam-se ainda desaproveitados, não obstante o descuido com que as porções mais ricas e valiosas do patrimônio público têm
sido concedidas a todos os que pretendam a sua posse.
Não poderiam ser instituídos serviços governamentais, e a totalidade do país ser legalmente
demarcada? Até aqui, nem um quinto do seu território foi levantado; e mesmo em alguns distritos populosos ainda subsiste grande incerteza a respeito
de delimitações. Consta que uma reforma nesse sentido foi iniciada. Mas que vantagens resultariam desses serviços, se a emigração espontânea de
estrangeiros não fosse encorajada?
Grandes coisas se fizeram nesse sentido, porém, mais ainda resta fazer. O sistema colonial não provou bem como o esperavam os seus partidários. A
mentalidade do povo está se orientando no verdadeiro sentido. Fazem-se necessários emigrantes inteligentes. Abertas as portas de entrada, que o
Governo retire todas as restrições de passaportes e taxas sobre emigração, e os grandes e pequenos proprietários não terão que recorrer a meios tão
dispendiosos para atrair a emigração; ela virá por si.
A educação vem dia a dia provocando maior interesse. No novo sistema escolar, o modelo francês foi geralmente seguido. Tendo já descrito aqui
instituições de vários graus desde a escola primária até às escolas de direito universitárias, basta-nos agora observar que um alto grau de
progresso já se fez notar ultimamente no primitivo estado de coisas; mas, por outro lado, a verdade é que a obra da reforma educacional apenas foi
iniciada. O salário dos professores é excessivamente baixo; o interesse do público em geral precisa ser mais fortemente excitado; e um sério
obstáculo resulta da falta de bons livros escolares.
É triste verem-se, muitas vezes, opondo-se à causa da educação pessoas que deviam ser os orientadores do movimento para a preparação intelectual e
moral dos jovens. Um sacerdote, residente numa das principais cidades do Império, e exercendo realmente as suas funções à sombra de uma das
universidades, foi ouvido dizer: "Não gosto de livros; gosto mais de jogar".
Em corroboração a estas observações são as palavras seguintes de um distinto estadista brasileiro,
pronunciadas diante da Câmara Imperial: "Uma estreita faixa ao longo do litoral é tudo o que o
Brasil usufrui dos benefícios da Civilização; no interior, o nosso povo está ainda, em grande parte, mergulhado no barbarismo".
Em complemento a essa observação, o mesmo legislador acrescentou: "Temos sido incapazes de
fazer o quer que seja, e nada se poderá fazer sem a ajuda de um clero moralizado e inteligente".
Não obstante esse retrato, rápido porém fiel, há muitos motivos para se ter esperança no Brasil nos domínios da educação. Os mestres-escolas se
espalham pelo Império; a imprensa está a postos; porém o número de escolas não aumentou em proporção com a população depois de 1855. Que a
escravidão desapareça, e os próximos dez anos assistirão a grandes progressos.
A história da literatura brasileira é curta; contudo, nas circunstâncias em que se formou, deve ser tida como bastante considerável. De tudo o que
se tem escrito em língua portuguesa nos últimos cem anos, coube ao Brasil a maior porcentagem quanto ao mérito.
As obras do Cônego Pinheiro (Rio de Janeiro) sobre a literatura portuguesa, e de
Wolf (Berlim) [T93]
sobre a literatura brasileira, suficientemente o atestam. Portugal nunca deu um cientista superior a José Bonifacio de Andrada; de fato, durante
alguns anos, solicitou os serviços desse ilustre brasileiro para honrar a sua Universidade de Coimbra e sua escola de Medicina de Lisboa. O único
prosador português vivo que supera os prosadores brasileiros é Alexandre Herculano, de Lisboa. É atualmente um mestre em assuntos de História e,
embora muito diferente de ambos, pode ser comparado a Lord Macaulay e Prescott.
Como prosador, porém, Torres Homem
[T94] estadista
brasileiro tão mesclado de sangue africano como Alexandre Dumas, é, pelo consenso geral dos homens de letras do Rio de Janeiro, o seu primeiro
escritor. É de lamentar que não se tenha dedicado em maior grau à literatura.
Talvez o mais popular dos escritores brasileiros de ficção seja o sr. Alencar, autor do Guarani.
Teve o bom gosto e a inteligência de tratar de um assunto nacional.
Em assuntos históricos, embora sejam muitos os ensaios publicados, as mais importantes obras são
de Varnhagem (atual Ministro do Brasil no Peru) e de Pereira da Silva. O primeiro tem reunido grande soma de material para futuras publicações
históricas, e o segundo está presentemente dando a público uma obra que constituirá, conforme promete, uma exaustiva história do seu país. A
Revista Trimestral do Imperial Instituto Histórico e Geográfico há mais de trinta anos se vem enriquecendo de artigos bem escritos e ensaios
sobre a história e geografia.
Em matéria de assuntos políticos é abundante a produção impressa no Brasil. Outrora as suas teorias
políticas eram grandemente influenciadas pelos escritores franceses, mas atualmente nenhum autor estrangeiro exerce maior influência na mentalidade
dos estadistas brasileiros moços e de meia-idade que John Stuart Mill. A nota dominante e realmente elevada da obra do sr. Zacarias O Poder
Moderador é a de John Stuart Mill em sua obra Liberty.
Nas escolas de direito de São Paulo e Pernambuco lecionam hábeis professores e escritores
jurídicos; da mesma forma, nas escolas de Medicina do Rio e da Bahia encontram-se escritores igualmente eminentes na especialidade. Há falta de
discussões amplas sobre assuntos de religião; tivemos, todavia, a satisfação de ver um ensaio sobre tolerância religiosa da autoria do sr. I. B.
Barreto, de Pernambuco.
É, porém, na poesia que, atualmente, o Brasil vence a mãe-pátria. Os nomes de Magalhães e Gonçalves
Dias, nesses domínios, pairam bem alto. Gonçalves Dias ocupa um posto supremo na poesia lírica. Seu triste e trágico fim num naufrágio à vista de
sua terra natal causou a mais profunda emoção em todo o Brasil.
Há muitos outros poetas de valor, mas que só escrevem poesias leves. Nos últimos anos, o exemplo de
d. Pedro II vem influindo para que os jovens se deem ao estudo dos poetas ingleses e norte-americanos. Excelentes traduções das poesias de
Longfellow e Whittier foram feitas, entre outros, pelo imperador, pelos srs. Lisboa, Pedro Luiz e Bittencourt Sampaio. Porto Alegre, Macedo,
Norberto e Assis são bastante conhecidos.
Pode-se achar que seja uma desvantagem, no ponto de vista literário, que o Brasil tenha como língua
o português. Contra essa língua existe forte prevenção entre as nações estrangeiras; e, embora injusto, não será tão cedo dominado. Raramente os
homens eruditos chegam a possuir o conhecimento do português necessário para apreenderem os seus méritos reais. Aqueles que o conseguiram são
acordes em fazer-lhe os mais altos elogios.
O sr. Southey, por exemplo, declarou que essa língua "não é inferior a qualquer outra das
modernas", e que possui "algumas das mais originais e admiráveis obras que jamais se escreveram". Schlegel, em sua Historia da Literatura, dá
seu alto testemunho da beleza e fecundidade da língua portuguesa e não tem restrições na sua admiração por Camões. Dos Lusíadas, um ilustre
escritor francês afirmou: "É o primeiro poema épico dos tempos modernos"! (Devemos aqui lembrar que os povos latinos nunca foram capazes de
compreender Milton).
O sr. de Sismondi escreve : "Os homens de valor que Portugal tem produzido dotaram esses país de
obras de valor em qualquer ramo de literatura". E, mais adiante: "A literatura portuguesa é completa; assim a julgamos em todos os departamentos das
letras". (De la Litterature du Midi de l'Europe, t. IV, p. 262). "A língua portuguesa", diz o sr. Sane, "é bela, sonora e rica", está livre
dos sons guturais que achamos ser tão desagradáveis no espanhol; tem a doçura e a flexibilidade do italiano e a austeridade e o poder descritivo do
latim". (Poésie Lyrique Portugaise, p. 90, Paris, 1808).
Enfim, pode-se dizer que nenhuma outra língua viva, não excetuando mesmo o espanhol e o italiano,
se aproxima tanto da língua da velha Roma imperial como a que falam os lusos. Se os brasileiros, possuindo uma língua como essa, souberem
desenvolver a aplicação e o gênio necessário a tão grande desiderato, ainda serão capazes, pela criação de uma obra digna deles, de conquistar o
respeito e a admiração do mundo.
Não obstante certa classe de literatos conhecer tão pouco a língua portuguesa, esta ainda domina onde quer que existam ou tenham existido colônias
portuguesas, não só no Brasil e nas ilhas portuguesas, como ao longo das costas da África e da Índia, da Guiné até o Cabo da Boa Esperança, e deste
até o Sul da China — estendendo-se a quase todas as ilhas do Arquipélago Malaio.
Como seria interessante ver a luz e a verdade irradiando do Brasil e espalhando a sua influência nesses diferentes climas! Antes, porém, que isso se
realize, várias mudanças se devem operar nas condições morais e religiosas do Império.
O clero é notoriamente incapaz. Num dos Relatórios do Ministro da Justiça, não há muitos anos, liam-se as seguintes linhas:
"É notório o estado de retrocesso em que se encontra o nosso clero. Torna-se evidente a
necessidade de medidas para remediar esse mal. A falta de sacerdotes que se dediquem à salvação das almas, ou que se ofereçam ao menos para essa
missão, é surpreendente.
"Note-se que o número de padres que morrem ou tornam-se incapazes, por doença ou pela idade, está
na proporção de dois para um daqueles que recebem ordens. Mesmo entre estes, poucos são os que se destinam às missões pastorais. Ou voltam as suas
vistas para os assuntos seculares, como meios de conseguir maiores proveitos, vantagens e respeito, ou pretendem os postos de capelães, etc., que
proporcionam vantagens iguais ou superiores ainda, sem se sujeitarem às provas literárias, aos estorvos e despesas necessárias para conseguirem uma
boa posição eclesiástica.
"Não é aqui o lugar próprio de se averiguarem as causas de um tal estado de coisas; mas a verdade é
que nenhuma pessoa de certa distinção destina seus filhos ao sacerdócio. A maioria dos que procuram a sagrada profissão são indigentes que, pela sua
pobreza, se acham impedidos de prosseguir em seus estudos. Sem dúvida o principal motivo pelo qual são tão poucos os que destinam à profissão
eclesiástica deve ser procurado na pequenez dos seus honorários.
"Além disso, os proventos pecuniários instituídos como remuneração de certos serviços clericais,
reassumiram o caráter de contribuição voluntária que tinham nos primitivos tempos, e o sacerdote que tenta coagir os seus paroquianos a pagar-lhe,
quase sempre se torna odioso, e pouco ou quase nada consegue com essa tentativa".
Nas condições atuais, o Brasil sente apenas a necessidade de piedosos ministros evangélicos, que ganhem a sua própria subsistência. Homens que, como
o Apóstolo dos Gentios, não prezam a sua vida senão o quanto ela sirva para conquistar almas para Cristo. E isso é tanto mais para esperar
quanto Deus, em Sua providência, saberá orientar devidamente tais homens para o Seu caminho, especialmente quando refletirmos que a Sua palavra não
poderá voltar vazia para junto d'Ele, e que as orações fiéis nunca serão esquecidas diante do trono do Altíssimo.
Poderíamos ter mostrado ao leitor um número muito maior de incidentes no trabalho que fizemos para a causa do nosso Mestre no Brasil, porém, por
motivos óbvios, evitamos entrar em minúcias; acreditamos possuir todo o entusiasmo para ter esperanças no Brasil, no ponto de vista quer religioso
quer político.
Várias coisas são de urgente importância para o bem-estar presente e futuro do Brasil.
Primeiro: legislação imediata para por um paradeiro, através de judiciosas medidas, à
escravidão no Império. As dificuldades se bem que grandes, não são como as do Estados Unidos, onde dominam desarrazoáveis preconceitos contra a cor
e onde antes da recente rebelião, milhões de pessoas apelavam para o direito divino para perpetuar a execranda instituição. Os brasileiros sempre
tiveram uma mais alta teoria moral sobre os direitos dos negros do que os norte-americanos. O aspecto econômico da questão não se discute.
As melhores avaliações mostram que o total dos escravos decresceu, de 1851 a 1861, de mais de um
milhão; e as estatísticas publicadas nos Relatórios dos Ministérios da Fazenda e de Obras Públicas, Agricultura e Comércio, demonstram que,
ao findar-se aquele decênio, a grande produção tropical de café, açúcar, algodão, fumo, etc., aumentaram mais de trinta por cento.
A seriedade com que os seus estadistas vêm tratando do assunto, os sentimentos antiescravagistas
francamente manifestados e sobejamente conhecidos do Imperador, são tão imperiosos que não serão inúteis os apelos feitos ao Brasil por um homem
sereno e sincero como Laboulaye (v. Journal de Débats, julho de 1865) e Cochim, de Paris, e pelos dedicados amigos da liberdade na Inglaterra
e nos Estados Unidos. Sinceramente desejamos que o Brasil não seja a última nação a conservar homens escravos, e que, numa generosa competição,
possa preceder a Espanha em varrer do seu escudo nacional semelhante mancha.
Segundo: legislação adequada para imediatamente resolver as questões religiosas. Em janeiro de 1866, as mais elegantes e fortes palavras
foram dirigidas numa reunião pública, visando os mesmos propósitos, pelo dr. Furquim de Almeida, cuja largura de vistas e práticas nas coisas da
economia política, emprestam-lhe algo de que distingue o orador inglês Cobden e esse norte-americano amigo do Brasil, A. A. Low, Esq., o esclarecido
presidente da Câmara de Comércio de Nova York.
Nenhum país poderá alcançar um dia um alto desenvolvimento moral, material e intelectual, se a
liberdade espiritual em sua mais completa significação não for incorporada na teoria e na prática política do seu povo. O discurso do dr. Furquim de
Almeida é um forte corolário do famoso discurso antijesuítico pronunciado por Pedro Luiz no Parlamento de 1864, das palavras de A. C. Tavares Bastos
nas Cartas do Solitário, e de I. B. Barreto no seu ensaio sobre a Intolerância.
Terceiro: É muito importante, no ponto de vista material, que o Brasil remodele as suas leis no que se refere aos processos de aumento de
renda. Não é para desejar apenas que a guerra do Paraguai expulse da América do Sul esse fermento de discórdia que é o segundo Lopes, mas que a
necessidade de aumentar a receita leve os tímidos financistas e os que ainda se deixam orientar pelos antigos métodos portugueses, combinem as suas
vistas sobre o assunto com as de certos autores de século XIX, a fim de elaborarem uma legislação apropriada a uma forma direta e equitativa de
taxação.
Em algumas poucas cidades existem, até certo ponto, os impostos diretos; mas, na maioria dos casos,
postos em prática de maneira estreita, sobrecarregando o estrangeiro e não dando, à renda dos impostos, uma aplicação de ordem geral.
Há alguns homens, na província do Rio de Janeiro, fora da área neutra da metrópole, que são
capitalistas e grandes proprietários de terras. O segundo autor da presente obra visitou um desses cavalheiros que, só tendo a sua esposa, por
família, disse-lhe que possuía oito léguas quadradas de terras, somadas à sua fortuna, que é enorme, e que não era obrigado a pagar nenhum imposto.
Ora, um dono de casa de negócio, com estrada passando pela porta, sem filhos, tendo uma renda de
$2.000 anuais, tem que pagar ao Governo, um imposto indireto pelas roupas que veste e o vinho que bebe (que são os principais artigos importados,
mais em uso), tanto quanto aquele que possui uma renda de centenas de milhares. Abaixando as taxas de importação, revendo também as de exportação, e
começando com um imposto direto moderado, a agricultura e o comércio prosperarão, não ficando o Governo embaraçado com déficits frequentes.
Quarto: não deve haver exclusivismos em relação a mestres e professores nas instituições de ensino superior. De conformidade com as leis
atuais, se um homem de ciência, bem dotado, for estrangeiro, se deseja permanecer no Brasil pelo espaço de uns seis anos para ensinar a sua
especialidade num estabelecimento oficial, não poderá conseguir uma colocação: esta só pode ser concedida a brasileiros natos ou naturalizados. Não
censuramos os brasileiros por cultivarem o espírito nacionalista, mas julgaremos errado tudo aquilo que implique num espírito de estreiteza.
Agassiz [T95]
esteve como professor durante anos numa universidade sob os auspícios do Governo da Prússia; mas não perdeu a sua nacionalidade suíça porque serviu
ao Rei da Prússia, nem foi julgado um professor menos competente e dedicado por não ser prussiano. Quando o mesmo sábio veio para os Estados Unidos,
aí permaneceu vários anos antes de se naturalizar cidadão norte-americano, e teria merecido a mesma consideração pública mesmo que não se houvesse
naturalizado.
Dificilmente se encontrará uma instituição de ensino de primeira ordem nos Estados Unidos que não
possua um professor estrangeiro; e isso tem contribuído grandemente para o progresso da sua educação. Esse espírito de exclusivismo no Brasil pode
ser encontrado em outras esferas de vida mais humildes que o professorado.
Quinto: para o interesse material do Império, deve ser revogado o monopólio da navegação costeira. Como o Brasil é, e será por muito tempo,
um país quase que exclusivamente agrícola, a navegação entre portos de escala deve ser aberta a todos os pavilhões. Na situação atual, o custo
excessivo de transporte entre as diversas regiões do Império faz com que os preços de muitos artigos de alimentação sejam muito elevados.
Sexto: o Rio Amazonas, com certas restrições, deve ser aberto ao comércio do mundo. O maior vale do globo, nessas condições, produzirá, nos
próximos dez anos, incalculáveis benefícios.
Finalmente — a burocracia exige a atenção da Assembleia Geral. Ela existe em grau extensíssimo, em todos os serviços públicos, a não ser o
corpo legislativo do Império. Neste há uma grande independência em relação ao burocratismo. Se um assunto é devidamente apresentado, pelo canais
competentes, segue os processos parlamentares comuns, e sofre muito menos empecilhos de que em Londres e Washington. A redação dos projetos, dos
decretos e das leis está livre de quase todas as tautologias legais que se observam nos documentos análogos do Parlamento Inglês ou Congresso dos
Estados Unidos.
Porém muitos dos processos nas repartições públicas são sujeitos às maiores delongas, dos
funcionários superiores até os inferiores, e são quase tão enleados pelas formalidades burocráticas como em Portugal e Espanha, ou como um caso
afeto à Chancery num tribunal inglês. Há um grande número de cidadãos que, da mesma forma que os funcionários, vivem exclamando: "o governo,
o governo"; e como tudo se espera do governo, não se desenvolve a menor atividade individual. Aí está um bom terreno para melhorias.
Todas as reformas aqui indicadas são urgentíssimas; mas as três primeiras são de tal importância para o Brasil que o desejo cordial de todo aquele
que deseja o bem desse país é que os brasileiros tenham bastante sabedoria para executá-las de maneira a lhes proporcionar os maiores benefícios.
Para terminar a presente obra, nada faríamos de melhor que transcrever alguns trechos da carta de boas-vindas e instruções que o sr. Paula Souza,
ministro das Obras Públicas, Agricultura e Comércio, em 1865-66, escreveu a alguns imigrantes vindos do Sul dos Estados Unidos, assim como alguns
tópicos do vigoroso discurso do dr. Furquim de Almeida sobre o assunto da tolerância religiosa.
Acreditamos que essa carta, tanto quanto o discurso de Furquim de Almeida, exprimam o pensamento de Sua Majestade o imperador e seus esclarecidos
ministros; se todos os estadistas brasileiros, nessas e noutras questões, se inspirarem em tão largos sentimentos, a sua pátria não poderá deixar de
fazer os mais rápidos progressos para a mais elevada das civilizações.
Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1865.
"O Brasil é um imenso território, como sabeis,
limitado ao Norte, no paralelo de 4º, pelas Guianas Inglesa e Holandesa e a Venezuela e, ao Sul, quase no paralelo de 34º, pelas Repúblicas do
Prata; a Este pelo Oceano Atlântico e a Oeste pelas Repúblicas do Peru, Nova Granada etc. Possui todos os climas, e produz, se não naturalmente, ao
menos com menor trabalho do que em qualquer outra parte do mundo, quase todos os produtos do mundo; a fecundidade de seu solo não é inferior à
variedade do seu clima, e recompensa com lucros o trabalho que exige o seu cultivo.
Regado por imensos rios, quase todos eles navegáveis, e alguns atualmente navegados, oferece o mais
barato dos sistemas de viação e transporte para a exuberância dos produtos que são consumidos interna e externamente; imensas florestas e vastas
planícies existem ainda desaproveitadas, porém à espera apenas do homem que as faça produzir. Seus recursos minerais não são inferiores à variedade,
abundância e excelência de sua vegetação.
Das margens do Amazonas e seus tributários até às plagas do Paraguai e do Paraná, encontrareis um solo rico por sua composição geológica, um clima
saudável, e uma configuração do solo permitindo, sem grandes obstáculos, o transporte de seus produtos, onde podereis, bem como os vossos
associados, fixar residência, adotando este país como o vosso lar, para, de mãos dadas convosco (pois vos receberá fraternalmente), erguê-lo, com o
vosso esforço e capacidade, à altura de seus destinos, destinos esses que nos são revelados pela magnificência da sua natureza.
A nossa forma de governo difere pouco, em sua essência, daquela sob a qual estais acostumados a viver. O nosso presidente governa vitaliciamente, e
a presidência é transmitida hereditariamente; entrar na crítica daquilo que os nossos contemporâneos da América do Norte fazem, dir-vos-ei que
encontramos nesse regime as vantagens de ordem e estabilidade que só os Estados Unidos, entre todas as demais repúblicas, são capazes de nos
apresentar. Quanto a outras diferenças, a maioria é de hábitos e costumes. Nós também adoramos a liberdade como o princípio fecundo do progresso do
homem e da família humana, e respeitamos as formas de governo como garantias dessa liberdade.
Descendentes de portugueses e católicos, nós, por conseguinte, diferimos dos fundadores da cidade de Providência, em Rhode Island, e dos puritanos
dissidentes de Massachusetts. Não diferimos, todavia, na veneração dos mesmos princípios. Vinde, pois, para o Brasil, onde sereis bem-vindos, e
podereis viver felizes, como é do vosso direito.
Dentre as propriedades que podereis adquirir, uma há que a vossa legislação não vos permite: é a que se refere a escravos; devo acrescentar mesmo, a
importação mesmo de africanos livres é proibida por lei.
Se, portanto, qualquer dos vossos associados possuir tal gênero de propriedade, deve desfazer-se da mesma. Isso, entretanto, não significa que, uma
vez entre nós, não possais empregar o vosso capital dessa maneira; infelizmente, ainda possuímos escravos, e o tráfico dos mesmos, no interior do
Império, de uma para outra província, é permitido.
Já temos zonas, levantadas e demarcadas, em várias províncias, para onde os emigrantes, que os desejam possuir, podem desde já se estabelecer: a
extensão dessas zonas é, porém, pequena, e não pode comportar uma rápida e instantânea introdução de grande número de escravos. Não é, entretanto,
coisa que cause dificuldades, ou retarde a emigração, pois o governo está resolvido a estabelecer os emigrantes em terras, em que mandará proceder,
sucessiva e gradativamente ao levantamento e delimitação, dando títulos de posse provisória, com garantia de futuros títulos definitivos.
A lei não permite a doação de terras, e exige a sua venda; mas o preço é tão baixo, e tão grande a
facilidade de pagamento, que só a negligência, ou preguiça total será incapaz de não satisfazer os compromissos assumidos. O custo varia de 1/2 a 1
1/2 real por braça quadrada (11 d. ou 20 centavos, a 2 s 8 d. ou 63 centavos, por acre), conforme a qualidade da terra e a sua situação topográfica;
temos, assim, uma légua quadrada de três mil braças quadradas (10.764 acres) por um total de 4.500 dólares no mínimo, ou 8.250 dólares no máximo,
enquanto que, no folheto que este acompanha, o sr. Sarmento, ministro Plenipotenciário e enviado extraordinário da República Argentina, informa que
as terras da Confederação Argentina são vendidas de dez mil a 40.000 "patacoons" (11/9 dólar cada um), a légua espanhola (cerca de 7.700
acres). (N. B.: 6 réis equivalem a 1/2 "mill " dos Estados Unidos).
Em nosso país, como na Argentina, os gados vacum e bovino podem ser admiravelmente criados, bem como outros animais que o homem sujeitou ao seu
jugo. Café, açúcar, algodão, índigo, quinina, baunilha, tabaco, assim como todos os produtos alimentícios, dão aqui maravilhosamente, constituindo
uma fonte de riqueza pública e particular para o Império.
Os estrangeiros obtêm facilmente a naturalização. O colono, no fim de dois anos, é de fato
brasileiro. Qualquer estrangeiro, igualmente como os colonos, podem tornar-se, passados dois anos, cidadãos do País, desde que façam uma declaração
em qualquer Câmara Municipal. Poucos dias serão suficientes, se a naturalização se fizer no nosso Parlamento, que pode considerar os emigrantes como
importadores de uma determinada indústria, ou capital, ou como pessoa disso merecedora por seus méritos pessoais. Neste caso, sereis recebidos
imediatamente e podereis voltar em breve, como cidadãos brasileiros aos Estados Unidos para importar vossos bens, máquinas e objetos de qualquer
espécie.
Se o nosso progresso ainda não atingiu certo grau, se o nosso desenvolvimento ainda se está processando, isso não se deve atribuir a comoções
políticas ou perturbações da ordem pública; o povo brasileiro, tão digno e corajoso como qualquer outro, é mais do que nenhum sociável e afável — de
uma facilidade de acolhimento que quase pode ser interpretado desfavoravelmente, e que já tem mesmo prejudicado a sua boa reputação no estrangeiro.
Se há certa indolência no seu temperamento, há em compensação, um profundo sentimento do dever e da propriedade.
Os cidadãos brasileiros são livres, na ampla acepção do termo. Se nas grandes cidades e vilas vemos em prática todo o nosso sistema administrativo,
não é menor verdade que o interior vive mais ou menos parcialmente de acordo com o mesmo sistema, sustentado por esse sentimento do dever e da
propriedade e pela tendência que tem de ser gentil e tolerante.
Somos católicos; temos uma religião do Estado; mas não forçamos ninguém a segui-la; a Constituição simplesmente exige que os representantes da Nação
a professem; todos os cultos podem ser professados, salvo em edifícios com exterior de templo.
A nossa vida municipal tem alguma semelhança com a das coletividades urbanas dos Estados Unidos. De
quatro em quatro anos, todo cidadão que possui uma renda de 200 mil réis, ou sejam cem dólares, pode votar (se não é passível de pena inafiançável),
se tem mais de 25 anos de idade, ou 21 anos para os que são oficiais do Exército da Marinha, ordenado em ordens sacras, formado por qualquer
Academia, ou casado.
Os eleitores se reúnem e escolhem os cidadãos que desejam como seus representantes durante um
período de quatro anos. São os juízes de paz, que constituem a Câmara Municipal, isto é, o poder executivo e legislativo para um quadriênio; os
funcionários da polícia são nomeados pelo governo das províncias; temos o habeas corpus aplicado a todos os casos de ofensa física,
garantindo a liberdade do cidadão; o direito de queixa é sagrado; e permitido mesmo ao escravo; a imprensa é livre, e o júri julga a maior parte dos
crimes.
Quaisquer que possam ser as divergências de opinião dos partidos políticos do Império, todos são acordes em preservar aquilo que possuímos: como em
toda parte do mundo, alguns esperam alcançar mais rapidamente o futuro, outros menos, mas todos partindo do princípio dos direitos adquiridos, que
ninguém deseja ver desrespeitado.
As leis brasileiras garantem certos e especificados favores aos emigrantes, e o governo do Brasil procura ampliá-los; em vossa carta, desejais
conhecê-los, e eu, para dar-vos a conhecê-los completamente, ordenei que se compilasse, para vos ser entregue, a legislação em favor dos emigrantes.
Aconselho-vos a iniciar a vossa viagem através do Brasil pela província de São Paulo. O sr. Street, cidadão brasileiro naturalizado, tem ordens para
vos acompanhar e, como mantém relações conosco, está em condições de fornecer-vos todas as informações desejadas.
De São Paulo, dirija-se ao Paraná, Santa Catarina, Rio Grande e, de volta, se o desejardes, podereis percorrer as nossas províncias centrais e do
Norte, onde obtereis dados e informações que vos permitirão dar uma ideia justa e segura a respeito de nós e da nossa terra aos vossos associados, e
se, depois disso, resolverdes vir estabelecer-vos entre nós, a vossa resolução será o fruto de madura reflexão e estudo, o que mais ainda nos
lisonjeará, porque vos abriremos os braços com fraternal solicitude, sem desejar atrair-vos com frases hiperbólicas mas somente com a verdade dos
fatos; assim sendo, poderemos afirmar-vos que não haverá males que não se transformem em bens, uma vez que os nossos irmãos do Norte, aqui se sintam
bem, trazendo-nos o influxo da energia, atividade e capacidade norte-americanas; o nosso pesar em vê-los divididos será compensado pelo prazer dos
novos elementos de aproximação e união que nos oferecem.
Sou, com satisfação, vosso, etc.
Antonio Francisco de Paula Souza.
TRECHOS DE UM DISCURSO PRONUNCIADO PELO DR. FURQUIM D'ALMEIDA
Na Bolsa do Rio de Janeiro, por ocasião da instalação da Sociedade Internacional de Emigração, a 26 de janeiro de 1866.
Não é, entretanto, só uma barreira material que temos que remover para atrair uma grande
corrente de emigração espontânea: a barreira moral é de muito maior importância e muito mais difícil de combater. Há os velhos prejuízos ainda
encastelados em nossos costumes e nas nossas leis, e mantidos por um falso patriotismo e um espírito religioso intolerante.
Poderosos inimigos, opondo em toda parte a mais tenaz resistência a toda inovação, a toda a ideia
de progresso, esses preconceitos não se apresentam entre nós fáceis de serem vencidos; lutarão enquanto tiverem forças e só cederão no último
extremo. Devemos contar com uma luta sangrenta, mas nem por isso devemos desanimar; pelo contrário, devemos investir contra eles com mais paciência
e coragem a fim de dominá-los. É a principal missão de nossa empresa.
Os entraves morais estão representados por três ordens de fatos, civis, políticos e religiosos; e podem traduzir-se em desigualdades civis,
políticas e religiosas em relação aos estrangeiros que desejam adotar o nosso país como o seu próprio.
A desigualdade civil é evidente. A nossa legislação civil, anterior à lei de 11 de setembro de 1861, não reconhece casamentos não celebrados de
acordo com as prescrições da Igreja Católica; isto é, o casamento pura e simplesmente civil não existe; por conseguinte, os casamentos celebrados
entre protestantes ou outra qualquer seita dissidente, ou por qualquer outra igreja, são nulos, e portanto a legitimação das famílias deles
decorrentes, base principal de toda sociedade bem organizada, não existia.
A lei de 11 de setembro de 1811, desejando satisfazer até certo ponto a justa queixa que de todos os lados se erguia contra aquele estado de coisas,
seguiu um meio termo, que não satisfez a justa reclamação dos que pediam o casamento civil e muito desagradou os defensores de um casamento
puramente religioso e católico.
Essa lei não instituiu o registro civil; contentou-se em tolerar casamentos celebrados entre os membros de seitas dissidentes conforme o ritual de
seus diferentes cultos, e pelos seus respectivos sacerdotes. Nada, porém, se alterou no que concerne aos casamentos mistos, os quais, diante da
mudez da lei, continuam a regular-se pela legislação anterior.
A desigualdade e injustiça nesses casos são manifestas. Tolera-se simplesmente o casamento entre membros de seitas dissidentes, efetuado segundo as
prescrições de seu culto, quando devia ser-lhes concedido um casamento civil como um direito absoluto, sujeito a nenhuma restrição, e a nenhum dos
muitos abusos a que dá ocasião um casamento não civil. Ora, o casamento dos não católicos, pelo fato de ser simplesmente tolerado, tem como
consequência ser considerado ilegítimo aos olhos da religião católica, que é a religião do Estado, e as autoridades eclesiásticas se julgam com o
direito de assim considerá-lo quando bem o entendam.
Suponhamos um caso que facilmente se pode dar. Um casal, de qualquer das seitas dissidentes, cujos cônjuges se venham a incompatibilizar, chega à
conclusão de que se deve desunir, cada qual dos seus componentes pretendendo casar-se de novo: basta que cada qual se dirija a seu respectivo
sacerdote, abjure a sua religião, adote o Catolicismo, e peça licença para contrair novo casamento com quem deseje.
O sacerdote não pode opor a menor dúvida; recebe-os no seio da Igreja Católica e assegurou-lhes a licença para casar uma segunda vez, porquanto a
Igreja Católica considera com mero "concubinato" um casamento que não foi efetuado diante dela e conforme os seus preceitos. Fatos como tais já se
têm dado entre nós, e a sua repetição virá solapar as bases da família, retirar-lhe toda a sua força moral e implantar a imoralidade sancionada pela
lei.
Por outro lado, a lei de 11 de setembro de 1861 nada regula quanto aos casamentos mistos: por conseguinte, continuam esses a se regular pela
legislação anterior, isto é, são feitos perante um sacerdote católico e de conformidade com os ritos católicos e os usos sancionados pela lei civil.
Ora, a Igreja Católica não consente casamento entre um membro de seita dissidente e um católico, a não ser com a condição de que aquele se
comprometa por juramento a criar e educar os filhos na religião católica.
Que injustiça, que humilhação para o não católico que pretenda unir-se pelos laços matrimoniais com pessoas pertencentes às famílias do país! Tem
que se submeter a uma pesada e humilhante condição se deseja casar-se com uma mulher brasileira. É obrigado a fazer calar os reclamos de sua
consciência, que afirmam ser a sua religião a melhor, e a jurar que seus filhos serão educados em princípios que ele julga inferiores aos seus.
Senhores, conheceis prescrição mais injusta, mais intolerante, mais absurda?
Além do mais, isso é contrario à nossa Constituição, que institui a liberdade de consciência, e é inoperante porque não há meios para forçar o seu
cumprimento. A nossa Constituição garante a todos o livre exercício de sua religião, com a única restrição de que o local do culto não tenha a forma
exterior de um templo, isto é, não apresente torres e sinos.
Isso significa que todos podem seguir a crença que lhes agrade, podendo educar a família nos mesmos princípios religiosos, sem que qualquer
autoridade tenha o poder de chamá-los a ordem. Poderá, pois, a legislação civil continuar em flagrante contradição com a Constituição exigindo que o
membro de uma seita dissidente que se venha a casar com uma católica se prenda ao juramento de educar os seus filhos na religião católica? Tal
prescrição é uma exigência simplesmente vexatória e humilhante, sem nenhum resultado prático, uma vez que a nossa legislação civil não possui
nenhuma sanção penal para quem a desrespeite. Qual a autoridade encarregada de sua execução?
Uma voz: — A autoridade eclesiástica.
O sr. Furquim: — Esta não dispõe nem do braço secular nem da sanção penal: pode apenas lançar
mão da excomunhão, que atualmente nada vale. (Gritos de "não", "não"). O próprio católico pode, entre nós, abjurar da sua religião, sem que qualquer
autoridade possa chamá-lo à ordem, pois a Constituição garante a todos plena liberdade de consciência.
(Novas exclamações de "não", "não"). Estamos nós
por ventura na Idade Média? Teremos caído sob o domínio da Inquisição? Assim me pareceu ao ouvir esses "nãos" tão fortes e intolerantes. Felizmente
estamos no século XIX, e num dos mais livres e tolerantes países da atualidade. Posso, portanto, dirigir-me a vós com toda a franqueza e liberdade.
Sou católico, fui educado nessa religião, e pretendo pertencer-lhe até morrer; mas a minha razão me diz que é necessário dar a todos o direito de
adorar a Deus de conformidade com a sua consciência. (Grandes exclamações).
Por tudo o que acabei de expor-vos relativamente à nossa legislação sobre o casamento, podeis avaliar quanto é ela incompleta, injusta e desigual.
No ponto de vista político, a mesma injustiça e desigualdade se observa; a nossa Constituição proíbe aos estrangeiros naturalizados o acesso a
determinados cargos públicos, tais como os de Deputado e Ministro de Estado. Há nisso uma grande injustiça e uma grande desigualdade. Convidar o
estrangeiro a formar parte da nossa nacionalidade, a abandonar tudo o que lhe é mais caro em sua pátria, solicitando-lhe que venha com a sua
família, a sua indústria, o seu trabalho, o seu capital, para enriquecer e engrandecer o nosso país, e fechar-lhe as portas dos mais altos postos do
país que adota como seu, eis um absurdo tão somente explicável pelas circunstâncias e a época em que a nossa Constituição foi promulgada.
Acabávamos de proclamar a nossa independência, e o nosso país achava-se ainda em hostilidades para com a mãe-pátria. A exclusão dos estrangeiros de
alguns dos cargos mais importantes do Estado foi adotada com o propósito de tomar tais cargos das mãos dos portugueses, e conservá-los fora de seu
alcance. Agora, porém, é um absurdo, que não tem mais sua razão de ser. É uma exclusão odiosa, sobretudo num país novo que tem necessidade de atrair
a emigração com todas as suas forças.
Resta-nos tratar da desigualdade religiosa em que os estrangeiros são colocados em relação aos nacionais. Essa desigualdade transpira por todos os
poros da nossa legislação, a começar pela Constituição, que estabelece que a religião do Estado é a Católica, e a considerar como uma instituição
civil e política que tem um lugar distinto entre os vários ramos da nossa organização social.
A ela são destinadas todas as honras oficiais; são construídas igrejas à custa do Estado; um importante lugar nos orçamentos; dos impostos pagos por
todos os membros de todas as religiões, só ela, a Católica, tem os proventos. As demais seitas, apenas a Constituição concede tolerância: admite-as,
mas com certa desconfiança, certa reserva, na qual os membros das seitas dissidentes podem distinguir uma espécie de suspeição.
Por outro lado, a Constituição exige, para o exercício de certas funções, o juramento de manter a
religião católica. É um novo obstáculo, uma nova injustiça, para o estrangeiro naturalizado que pertence a uma seita dissidente. Ou deve trair à sua
própria consciência, ou ver-se-á excluído para sempre de muitos dos mais altos cargos oficiais.
Todos esses obstáculos, acrescidos àqueles já por nós mencionados na parte relativa aos casamentos, constituem a parte mais difícil do nosso
programa. A questão religiosa levanta sérias dificuldades dos dois lados. Por um deles, temos que vencer os preconceitos nacionais a respeito; por
outro, os sectários das seitas diferentes da católica demonstram a maior repugnância em vir para um país onde as suas crenças são simplesmente
toleradas, enquanto que o casamento, que é a base da família e da sociedade, não se apoia sobre bases sólidas e seguras, nem certos cargos públicos
elevados estão isentos de exclusão para eles em virtude de diferenças religiosas.
São esses sérios obstáculos; devem ser extintos se desejamos uma larga corrente de emigração espontânea para o nosso país. Dos países de raça latina
e de religião católica, poucos são os emigrantes que nos vêm, pois a raça latina tem pouca tendência para emigrar. Como prova, citarei a França, a
qual, com todo o seu poder e todos os seus recursos, soçobrou na empresa de povoar as suas colônias.
A tendência para emigrar só existe nas raças anglo-saxônicas e teutônicas. Se, por conseguinte,
desejamos seriamente povoar o nosso país, devemos abrir as portas a todas as raças e religiões, abolindo todos os entraves religiosos que ainda
existem em nossa legislação com respeito aos não católicos.
Por tudo o que aqui vos foi exposto, deveis compreender quais as nossas finalidades ao fundar uma associação internacional de emigração, e qual o
programa que ela tem em vista. Reconheceis que, para obter-se uma larga corrente emigratória para o nosso país, é indispensável, primeiro que tudo,
tratar de remover os obstáculos que a ela se opõem dentro de nosso próprio país. Vimos que tais obstáculos são materiais e morais; que entre os
materiais figura a concorrência do braço escravo, que é necessário combater. Vimos que é necessário desenvolver e aperfeiçoar as nossas vias de
comunicação, proceder ao levantamento e demarcação das terras públicas nas localidades apropriadas à colonização.
Quanto aos óbices morais, reconhecemos como principal a desigualdade civil, política e religiosa, e vimos ser indispensável reformar a nossa
legislação sobre o casamento, instituindo o casamento civil, admitindo que os naturalizados ocupem quaisquer posições oficiais, e pondo fim às
diferenças de religião em todos os casos de que vos falei relativamente aos direitos civis e políticos dos estrangeiros naturalizados.
As nossas finalidades são, pois, bem evidentes; o nosso programa bastante claro. Precisamos empregar todos os meios a nosso alcance para remover
todos os obstáculos materiais e morais que se opõem à emigração. É nesse sentido que todos os esforços da nossa associação devem ser orientados.
Se desejamos de coração que o nosso país se engrandeça e enriqueça; se desejamos que a nós venha a
ter uma vasta emigração de elementos pertencentes a todas as raças adiantadas da Europa e dos Estados Unidos, que professam as mais variadas seitas;
se desejamos que estes se amalgamem com a nossa gente, formando uma forte e homogênea nacionalidade, e não constituindo no seio da nossa pátria
pequenas nacionalidades distintas em suas raças, línguas, religiões, e costumes, inimigas e rivais, sem coesão entre si; se, em suma, desejamos que
o nosso país seja daqui cinquenta anos uma nação nos moldes europeus e norte-americanos, e não uma insignificante nação nos moldes africanos,
chineses ou indianos, o caminho a seguir é justamente o que vos acabei de traçar. Sigamo-lo com ousadia, perseverança e sincero patriotismo.
(Aclamações e aplausos).
Notas do tradutor:
[T93]
Ferdinand Wolf, austríaco, Le Brésil Litteraire-Histoire de la Litterature Brésilienne, 1863.
[T94]
Francisco Salles Torres Homem. José Martiniano de Alencar. João Manuel Pereira da Silva. Francisco Adolfo de Varnhagen. Domingos José Gonçalves de
Magalhães. Pedro Luiz Soares de Souza. Francisco Leite Bittencourt Sampaio. Manuel de Araujo Porto Alegre. Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Maria
Machado de Assis.
J. F. X. Sigaud Du climat et des maladies du Brésil, Paris, 1844,
fundou, com Joaquim Candido Soares de Meireles e outros, em 1829, a Sociedade de Medicina, atual Academia Nacional de Medicina.
[T95]
Em sua obra A journey in Brazil (tradução publicada nesta Brasiliana, nº 95), em final da nota à p. 195, escreve o professor Agassiz:
"Tenho a acrescentar que, alguns anos antes da minha viagem ao Amazonas, fiquei devendo à
obsequiosidade do rev. J. Fletcher uma preciosa coleção de peixes dessa localidade (lagoas José Assu e Máximo, no Amazonas) e de algumas outras. O
prévio conhecimento que assim adquiri me foi de grande utilidade quando procedi depois aos meus estudos in-loco". |