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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Pinel de burro

Era o nome dado às crianças que guiavam os burros, nas carroças com aterro

O relato foi assim apresentado no caderno especial Cubatão - 46 anos, do jornal santista A Tribuna, em 9 de abril de 1995:


Romeu Magalhães lamenta falta de iniciativa do Poder Público para preservar a Vila Fabril
Foto de Dojival Filho, publicada no Jornal Povo de Cubatão, semana de 9 a 15/1/2004

Saudades do pinel dos burros

Romeu Magalhães (*)
Colaborador

I

Das Sesmarias, de Cubatão em 1852, dos cinco Manuéis (Manuel Antônio Machado, Manuel Correia, Manuel Espíndola Bittrencourt, Manuel Raposo, Manoel do Conde), até hoje, nossa cidade cresceu, descaracterizou-se e perdeu sua identidade, a ponto de não sabermos o que somos e para onde vamos. Fruto da total falta de planejamento das administrações municipais do passado, somente agora estão elaborando um plano diretor, nossa cidade é uma cidade sem vida comunitária, um mero centro de atividades profissionais, faltam vida própria e vibração, clubes ativos, reuniões, campanhas, enfim tudo o que tão bem caracteriza uma cidade estabilizada.

Tínhamos uma vida pacata e gostosa antes da nossa emancipação político-administrativa e da vinda do parque industrial de maneira desordenada, ocupando os espaços de qualquer maneira, sem planejamento, sem preocupação com o que iria acontecer com a cidade e com a região; deu no que deu.

A única empresa que aqui chegou e teve esta preocupação foi a Cosipa, que já em 1960 contratou o eminente prof. Anhaia Mello, como consultor técnico de urbanismo, para realização de um plano diretor regional da Baixada Santista. Não deu certo, pois o planejamento organizado apenas por uma indústria na região, planejamento feito por uma equipe de técnicos incompleta no sentido de não abranger a variedade de conhecimentos técnicos que o arranjo regional exigia, atendeu apenas a necessidade da indústria que os contratou, evidentemente conflitante com outras grandes empresas, exemplo Petrobrás.

Esperamos que nosso plano diretor contemple nossa cidade com um estudo bem abrangente, de forma tal que, daqui a 30 ou 40 anos, políticos assim como eu venham escrever uma matéria especial de 9 de abril, suas aventuras da juventude, dizendo que na virada do milênio no Rio Cubatão podíamos riscar um fósforo, que ele não pegava fogo; que existiam empresas que poluíam, mas tinha uma Cetesb que servia para as duas coisas - controlar e poluir ao mesmo tempo (incinerador de Jica); que construíram a segunda pista da Rodovia dos Imigrantes e que morreram apenas 5 mil trabalhadores. Serão com certeza boas notícias daqui a 40 anos, como são minhas lembranças da nossa pacata e gostosa Cubatão dos anos 50.

II

Em 1895 se instalou em Cubatão a primeira indústria, a Costa Muniz Ind. e Comércio que tinha como principal atividade o curtume, passando por várias mudanças de atividade até a sua falência, deixando de existir.

Mas, na realidade, a primeira e importante indústria de Cubatão, que começou a produzir em 1918, foi a Cia. Fabril de Cubatão, hoje Cia. Santista de Papel, a gloriosa Vila Fabril como é chamada e onde nasci em 1938. A Cia. Fabril de Cubatão funcionou de 1918 a 1930, vivendo de dificuldades, dependendo exclusivamente de matéria-prima importada, de energia elétrica gerada em usina hidrelétrica própria (ainda não havia sido instalada a usina da Light - 1926); como combustível, usava lenha retirada de suas próprias matas.

Em 1930 faliu; seus empregados, durante dois anos, viveram praticamente das riquezas naturais da região, principalmente da pesca no Rio Cubatão, onde a abundância de peixe era normal, robalo, tainha, camarão, bagre cabeçudo, eram peixes de água salgada que subiam o rio para desova. Outra ajuda que o pessoal da época não esquece foi a da Cruz Vermelha, que duas vezes por semana distribuía feijão aos trabalhadores.

Em 1932, a fábrica voltou a funcionar, quando foi adquirida pelo Banco Comercial do Estado de São Paulo S/A, agora com o nome de Cia. Santista de Papel, e até a decada de 60 foi um verdadeiro paraíso. Lá tínhamos: vila operária modelo, com casas de excelente qualidade para os funcionários; ambulatório médico 24 horas por dia, para assistência aos operários e familiares; cinema, Cine Zéca Machado; farmácia; armazém do Sesi - Posto 78; barbearia; igreja, parque infantil, para filhos de funcionários menores de 6 anos; grupo escolar; quadra de basquete; campo de futebol; sede social do Comercial Santista FC, pentacampeão municipal, bicampeão do litoral e vice-campeão amador do interior; bosque com piscina e obras artesanais feitas pelos indígenas; usina hidrelétrica; banda musical composta por filhos de funcionários; condução para filhos e funcionários que estudavam fora da vila; e a memória cultural da cidade, a casa onde nasceu o poeta Afonso Schmidt.

Em 1967, por não ser mais permitido a bancos terem indústrias, o controle acionário da empresa foi adquirido pelo grupo Zarzur-Zogbi-Derani, hoje Ripasa. Tínhamos a esperança de que este grupo, embora pequeno na época, pudesse tocar a empresa, mantendo a qualidade do atendimento social que tínhamos, afinal estava acabando de ser implantada a 4ª máquina, e eles tinham celulose própria, o que facilitaria o crescimento, tanto da sua fabriqueta de celulose em Americana, como acabaria com o nosso problema de matéria-prima.

III

Hoje vejo que foi uma pena não ter acontecido com a nossa querida Vila Fabril o que aconteceu com a cidade em 1852, de não ter sido adquirida por cinco portugueses e um microempresário da época aqui da cidade, afinal ela foi adquirida a preço de bananas. E o que temos hoje, a empresa sucateada, usina hidroelétrica abandonada, transformada em residência de índios da região, a Vila operária totalmente destruída com suas casas fechadas, enquanto empregados da empresa moram em favelas, o glorioso Comercial Santista FC transformado em uma ADC, que atende apenas os tecnocratas burgueses que residem em Santos, o nosso bosque transformando-se em uma verdadeira selva, os empregados sem condução para seus filhos, sem parque infantil, sem banda de música, a antiga casa do poeta Afonso Schmidt, onde existia a pocilga, foi transformada em barraco de favela.

É muito bom relembrar o passado, quando fui "pinel de burro" (esse era o nome que se dava às crianças que guiavam os burros que puxavam as carroças com aterro), na construção da Via Anchieta, quando tomava banho e pescava no Rio Cubatão, do glorioso Comercial Santista FC, do qual fui jogador do infantil mirim, juvenil, armador, treinador, presidente do conselho deliberativo e da diretoria, de jogar ao lado da melhor dupla de área do futebol amador da região, Dito e Cobrinha, de ter participado da inauguração do novo campo do clube, quando em setembro de 1957 pela última vez Pelé jogou no misto do Santos e nos derrotou por 7x1, com 5 gols dele; naquele dia, a linha do ataque do Santos FC era Dorval, Pelé, Raimundinho, Waldir e Binha.

Lembrar dos grandes campeonatos da época, com times que não tinham nada a dever a estes profissionais de hoje: EC Cubatão, com Toninho e Dudu; CA Usina de Cubatão, com os irmãos Aírton, Mazinho e Dedeu; Comercial Santista FC, com Dito, Cobrinha, Simplício e Julinho; AA Anchieta; Águia FC; União Cubatense; AA Vila Nova; EC Jardim Casqueiro; EC Vila Bandeirantes; Minas Gerais da Cota 200.

É muito triste. Hoje não temos nada. Como disse no início, não passamos de um mero centro de atividades profissionais.

(*) Romeu Magalhães é vereador.

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