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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Serra cubatense inspirou Castro Alves

Poeta declarou em carta de São Paulo que o final de sua obra "Os Escravos" é no alto da Serra de Cubatão

Nascido na Bahia em 14 de março de 1847, na antiga Curralinho (depois rebatizada com seu nome), Antonio de Castro Alves foi considerado "o poeta da Abolição, da República, da Liberdade e do Amor".


Declamando versos em homenagem a Eugênia, o jovem poeta conquistou a atriz, no Recife
Imagem: Trópico Enciclopédia Ilustrada em Cores, Livr. Martins Editora, S.Paulo/SP, cerca de 1965

Na capital pernambucana, onde se encontrava em 1863 para se curar de tuberculose, conheceu a atriz portuguesa Eugênia Infante da Câmara, que seria seu maior amor, e com quem se uniria três anos depois. Em princípios de 1868, seguiram para o Rio de Janeiro, mas - depois de um mês de festivas recepções - rumaram para a capital paulista, onde se hospedaram no Hotel da Itália. Enquanto Eugênia tratava de assuntos teatrais, ele passou a frequentar a Faculdade do Largo São Francisco. Virou logo um ídolo da mocidade paulistana, dos seus colegas, e até  dos mestres, principalmente de José Bonifácio, o Moço.

Castro Alves escreveu em São Paulo seus mais sublimes cantos: O Navio Negreiro e Vozes d'África, além de muitos outros poemas, considerados entre os mais heroicos e comoventes já escritos em português. Abolicionista ardoroso, declamou:

...
Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga,
Levantai-vos heróis do Novo Mundo!
Andrada! Arranca esse pendão dos ares!
Colombo! Fecha as portas dos teus mares!

Cita a Trópico Enciclopédia Ilustrada em Cores, publicada por volta de 1965 pela Livraria Martins Editora, da capital paulista (p. 760, volume V), que da Paulicéia, Castro Alves comunicava à Bahia:

"Os meus Escravos estão quase prontos. Sabes como acaba o poema? Devo a São Paulo esta inspiração. Acaba no alto da Serra do Cubatão, ao romper da alvorada sobre a América, enquanto a estrela da manhã, lágrima de Deus pelos cativos, se apaga a pouco e pouco no ocidente. É um canto do futuro. O canto da esperança. E nós não devemos esperar? Sim, e muito, e sempre..."

Separado da mulher, e sem outras distrações na então pequena cidade de São Paulo, o poeta saía para caçar, embora voltasse geralmente, horas depois, sem ter disparado um só tiro: era um pretexto para se isolar, na tristeza pela perda do amor de Eugênia.


Um acidente numa caçada em S. Paulo  iniciou a agonia do poeta, que morreria três anos depois
Imagem: Trópico Enciclopédia Ilustrada em Cores, Livr. Martins Editora, S. Paulo/SP, cerca de 1965

Numa tarde, durante uma dessas excursões, em uma chácara entre o Brás e a Mooca, ao saltar um fosso, a arma que levava disparou acidentalmente, e a carga de chumbo se alojou em seu pé esquerdo. Tombou ao chão e ali permaneceu longo tempo, gemendo de dor; a custo, conseguiu arrastar-se até a casa mais próxima. O médico baiano e seu amigo, Dr. Lopes dos Anjos, levou-o para o centro da cidade, onde - apesar do apoio dos amigos e dos tratamentos que recebeu - continuou sofrendo muito em consequência daqueles ferimentos.

Seis meses depois, Castro Alves partiu para o Rio de Janeiro. Nessa data, 19 de maio de 1869, o jornal O Ipiranga noticiava: "Vai, condor ferido. Mais alto do que tens voado, dominarás ainda as alturas deste hemisfério". (N. E.: na verdade, a publicação ocorreu na edição seguinte, 20 de maio de 1869, página 2). Seguiu para Santos e, dali, para o Rio, em companhia de Rubino de Oliveira. Das terras paulistas, levava a saudade, expressa nestes versos:

Das várzeas longas, das manhãs brumosas,
Noites de névoa, ao rugitar do Sul,
Quando eu sonhava nos morenos seios,
Das belas filhas do país do Sul.

Na Guanabara, impressionantemente débil - o que desaconselhava o uso do anestésico de então, o clorofórmio -, ordenou a amputação do pé que ameaçava gangrenar. De muletas, ainda se avistou uma última vez com Eugênia Câmara, que se exibia no Teatro Fênix Dramática - e que morreria ali mesmo no Rio de Janeiro, em 29 de maio de 1874.

Em 25 de novembro de 1869, Castro Alves regressou à Bahia, em viagem melancólica e triste que seria relatada no poema Espumas Flutuantes. Mas a tuberculose avançava e aos 24 anos ali morreria, em 6 de julho de 1871, meses antes da promulgação da Lei do Ventre Livre (de 28 de setembro daquele ano, libertando da escravidão todos os nascidos no Brasil a partir de então).

Sua obra Os Escravos só seria publicada pela primeira vez em 1883. Dois anos antes, porém, de surgir (em 28/9/1885) a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe (que tornava livres os escravos maiores de 60 anos). E cinco anos antes do advento da Lei Áurea, que seria assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, libertando enfim oficialmente todos os escravos negros do Brasil.

Detalhe já não lembrado é que em 1877, seis anos antes da edição de Os Escravos, uma publicação santista, a Revista Nacional, incluiu trechos então inéditos desse poema.


Castro Alves dedicou sua principal atividade poética à causa abolicionista
Imagem: Trópico Enciclopédia Ilustrada em Cores, Livr. Martins Editora, S.Paulo/SP, cerca de 1965

A carta:
Este é o texto da carta que Castro Alves enviou a seu amigo escritor Augusto Guimarães, em 8 de abril de 1868, e reproduzida no livro Bem Traçadas Linhas - A História do Brasil em Cartas pessoais (Renato Lemos, Editora Bomtexto, Rio de Janeiro/RJ, 2004), disponível em Academia.edu (acesso: 12/10/2015). Nas páginas 123 a 125, o autor reproduz o texto encontrado em Castro Alves - Correspondência e Crítica (Rio de Janeiro, Livraria Editora H. Antunes, 1956, páginas 158-162):

São Paulo, 8 de abril de 1868.

Meu caro Augusto,

Eis-me em São Paulo, na terra de Álvares de Azevedo, na bela cidade das névoas e das mantilhas, no solo que casa Heidelberg com a Andaluzia...

Nós, os filhos do norte, (consente este norte; sabes que é palavra relativa) sonhamos São Paulo o oásis da liberdade e da poesia plantado em plenas campinas do Ipiranga... Pois o nosso sonho é realidade e não é realidade... Se a poesia está no envergar do poncho escuro e largar-se campo fora a divagar perdido nestes gerais limpos e infinitos como um oceano de juncos; se a poesia está no enfumaçar do quarto com o cigarro clássico, enquanto lá fora o vento enfumaça o espaço com a garoa (é uma névoa espessa como nuvem que se arrastasse pelas ruas), com a garoa ainda mais clássica; se a poesia está no espreitar de uns olhos negros através da rótula dos balcões ou através das rendas da mantilha que em amplas dobras esconde as formas das moças, então a Paulicéia é a terra da poesia.

Sim! Porque aqui não há senão frio, mas frio da Sibéria; cinismo, mas cinismo da Alemanha; casas, mas casas de Tebas; ruas, mas ruas de Cartago... (por outra) casas que parecem feitas antes do mundo, tanto são pretas; ruas, que parecem feitas depois do mundo - tanto são desertas...

Isto quanto à poesia. Quanto à liberdade, ela, se está mais desenvolvida em certos pontos, em outros acha-se mais restrita. Entretanto inclino-me a preferir São Paulo ao Recife. Mas... basta de descrições.

Ocupemo-nos de nós. Antes de tudo uma queixa . não me tens escrito, apesar de ser esta a terceira carta que te faço.

Depois permite que te pergunte se recebeste o livro sobre a escravidão. Mandei-o levar pelo Hasselman que foi para a Bahia no dia posterior ao do recebimento de tua carta.

A propósito do livro, conversemos. Devo dizer-te que os meus Escravos estão quase prontos. Sabes como acaba o poema? (Devo a São Paulo esta inspiração.) Acaba no alto da serra de Cubatão, ao romper da alvorada sobre a América, enquanto a estrela da manhã (lágrima do Cristo pelos cativos) se apaga pouco a pouco no Ocidente. É um canto do futuro. O canto da esperança. E nós não devemos esperar? Sim, e muito e sempre... Mas dar-te-ei a explicação deste enigma das minhas crenças. Entretanto, trabalha! Talvez em breve possas fazer muito pela nossa idéia. Escreve o teu livro.

É verdade! Devo dizer-te que houve aqui um brilhante sarau literário. Pianistas, cantoras, oradores, valsadoras etc. etc. Foi uma bela reunião, quase um baile. Aí achei-me, e, entre amigos, se algum dia obtive um triunfo, não foi noutro lugar.

Recitei uma poesia logo no princípio da sessão e... fui extremamente feliz. Muitos lentes da Academia aí se achavam, o Saldanha Marinho etc., e todos receberam-me da maneira mais lisonjeira.

Imagina que até a senhora do cônsul inglês (uma inglesa, meu caro!) veio entusiasmada dizer-me: "Mim gostar muita da sua recitativa!"...

E depois fizeram-me recitar As duas ilhas, e depois A visão dos mortos, todas bem acolhidas. Os jornais de São Paulo, se quiseres ler, de 30 ou 29 de março, publicaram-nas precedidas de algumas palavras.

Que queres? Em toda parte tenho encontrado uma pátria...

Passemos adiante.

Então V. Ex.a tomou a palavra na Assembléia, brilhou, e nem sequer mandou-me a sua eloqüência em letra redonda? É demais! Entretanto fique sem exemplo.

A preguiça, que para mim é uma couraça contra as argüições dos amigos, para ti de nada serve. Agora devo concluir. Escrevo-te à noite. Faz frio de morte. Embalde estou embuçado no capote, e esganado no cache-nez... Homem feliz, que tu és, Augusto! A estas horas suas à fresca nos lençóis de linho, enquanto eu estou gelado com as meias de lã....

Olha, se leres poesias nebulosas, germânicas, tiritantes, híbridas, acéfalas, anômalas... não critiques nunca antes de ver se são de São Paulo, e se forem... cala-te.

São Paulo não é o Brasil... é um trapo do pólo pregado a goma arábica na fralda da América (como diria o Tobias).

Adeus, meu caro Augusto, recebe um abraço do teu do coração

Castro


Assinatura de Castro Alves, em carta datada do Recife/PE, 9 de julho de 1866
Imagem: Blogdopatio (acesso: 12/10/2015)


O poeta Castro Alves, em seu primeiro ano de faculdade
Imagem: Blogdopatio (acesso: 12/10/2015)


O poeta Castro Alves
Imagem: jornal A Tarde, de Salvador/BA (acesso: 17/10/2015)

O jornal:
Quando Castro Alves deixou a capital paulista, o registro do fato ocorreu na edição de 20 de maio de 1869 do jornal paulistano O Ypiranga, nestes termos (acervo: Biblioteca Nacional - acesso: 17/10/2015 - ortografia atualizada na transcrição):

Castro Alves - Parte hoje para a Corte, a conselho de seus médicos assistentes, o nosso distinto amigo, o ilustre poeta Castro Alves.

Deus há de permitir que ele se restabeleça, pois não é inutilmente que o supremo criador manda a este mundo inteligências daquela ordem.

São esses, em toda a sinceridade do nosso coração, os nossos votos e a nossa convicção.

Vai, condor ferido. Mais alto do que tens voado, dominarás ainda as alturas deste hemisfério.

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