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CUBATÃO DE ANTIGAMENTE
Uma praça para a Bíblia (1)

Inaugurada três anos depois do Paço Municipal, esta praça situada na Vila Couto, no centro cubatense, passou por várias transformações. Estas fotos são da inauguração, em 1978:

Fotos: Arquivo Histórico de Cubatão

O Monumento à Bíblia, instalado junto ao Paço Municipal, teve projeto e maquete de autoria de Jean Luciano, conforme requerimento do vereador Moacir Lara, aprovado pela Câmara Municipal. No auge do regime militar, causou grande polêmica (foi dito que, vista do céu, a obra lembraria o formato da suástica nazista), motivo pelo qual Jean se afastou desse trabalho:


Monumento à Bíblia
Imagem cedida a Novo Milênio por Jean Ange Luciano

A praça, por volta de 1990, antes da inauguração em 1992 do complexo do Senai, na Vila Couto:


Foto: Arquivo/Departamento de Imprensa/Prefeitura Municipal de Cubatão

A praça, em 2006, vendo-se o Paço Municipal e parte do seu entorno:


Foto: Departamento de Imprensa/Prefeitura Municipal de Cubatão

Em 2010, a praça foi reformada, retirando-se os mastros de bandeira que descaracterizavam o projeto original. Estas fotos foram feitas no fim da tarde de 20 de agosto, pouco antes da mudança, assim noticiada pela Prefeitura:

Praça da Bíblia de Cubatão volta a ter aspecto original

 em 20/08/2010 21:00:00

A partir da semana que vem será feita a retirada dos mastros ao redor da Praça, a pedido do Condepac, Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural

A partir de segunda-feira (23/8) a Praça da Bíblia de Cubatão vai retomar o aspecto que possuía quando foi construída, no fim dos anos 70. Serão retirados os 19 mastros instalados ao redor do monumento. O serviço vai ser feito pela Cursan, Companhia cubatense de Urbanização e Saneamento.

A medida tem por objetivo devolver o aspecto original à Praça, valorizando sua arquitetura e refletindo, ainda, o desejo do autor da obra, o francês Jean Luciano. O pedido foi feito pelo Condepac, Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico da cidade, seguindo uma orientação do manifesto urbanístico de Atenas (1933) que orienta a retirada de todos os elementos urbanos que possam dificultar ou atrapalhar a visibilidade dos monumentos.

Construída em 1978, logo após a entrega dos prédios do Paço Municipal, a Praça da Bíblia fica em frente ao estacionamento público da Prefeitura. Além do monumento em concreto erguido no centro, possui algumas placas contendo a data da inauguração, os dez mandamentos bíblicos e outra escrita em hebraico.

Fonte: Informa Cubatão
Texto: Morgana Monteiro
Fotos: Carla Martuscelli


Fotos: Carla Martuscelli/Departamento de Imprensa/Prefeitura Municipal de Cubatão

Estas fotos são de 11 de fevereiro de 2011, com a praça já recuperada:


Fotos: Carlos Felipe/Secretaria de Comunicação Social/Prefeitura Municipal de Cubatão

Autor do projeto, o artista Jean Luciano enviou a Novo Milênio, da França, em 28/1/2011, depoimento sobre a Praça da Bíblia:

Idealização e elaboração do projeto do "Monumento à Bíblia"
Para a Prefeitura Municipal de Cubatão.

Projeto de lei do Sr. Moacir Lara
Vereador à Câmara Municipal de Cubatão

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No início de 1978 me chamaram à Prefeitura de Cubatão, seção de Obras, e propuseram-me fazer um estudo para um monumento.

Um "Monumento à Bíblia", projeto de Lei do Vereador Moacir Lara. Quando me indicaram o lugar, imediatamente percebi a importância da obra. Localizada no centro do giratório, grande espaço aberto frente ao Paço Municipal "Piaçagüera" recém-inaugurado.

Com um misto de alegria e preocupação, me pus na prancheta, face a uma folha branca. Talvez seja aquilo que deu vontade, pela responsabilidade, de procurar informações específicas para esta tarefa inusitada, tão diferente do que era desenho e pintura. Aventura nova, excitante. E sobretudo estar à altura, honrar a confiança que o pessoal que eu conhecia tinha posto em mim. Estava sossegado, pois eu dominava perfeitamente o desenho técnico, tanto mecânico como de arquitetura. No caso, tinha de tentar produzir algo de diferente, pela sua posição central, privilegiada, tinha de pensar algo um pouco maior, onde talvez fossem necessários aqueles conhecimentos técnicos. Não sabia na realidade o que eu faria, mas aquilo me tranqüilizava.

Uma obra artística de encomenda há de ter aparência determinada, e, terminada há de transmitir uma mensagem específica. Representar a Bíblia por um livro diria pouco, sim dum livro necessitando especificar. Procurar uma expressão, mais que uma representação. Uma forma leve se possível, por, através do seu significado, sugerir em vez de ser.

Face à folha branca, essas regras todas se conjugavam, se embaralhavam em esboços, desenhos, formas efêmeras, suscitando, negando, sumindo e voltando modificadas… aproximando-se às vezes e talvez duma quase solução.

Tendo em mente as três religiões monoteístas, tentava idealizar algo, compor com três elementos. Imaginando figuras, entrelaçando, procurando representações possíveis. Imbuído de tudo o que poderia ajudar na idealização, na mente nosso mundo, suas religiões, o espaço, a luz, onde nasce a luz, no Leste, ponto abstrato, o dia nascendo lá e morrendo acolá. Tudo ou nada, tudo é relativo, num lugar deste nosso planeta é sempre meio dia em contraposição ao lugar onde é sempre meia noite. Neste momento estamos no centro de Cubatão, um ponto preciso do planeta onde as religiões casualmente se encontram. E neste lugar central e preciso, o homem e sua fé. Ou não.

Os pontos cardeais sugerem-me uma orientação de referência, vindo ou indo de todos os lugares do mundo, Leste, Oeste, Norte e Sul. Procurando uma ordem nas coisas, aparecem umas formas sutis, lâminas meramente simbólicas chegam a este lugar determinado. Aos poucos uma forma surge e se concretiza numa expressão abstrata, com a matéria sim, para simbolizar o imaterial, sugerindo uma sensação de leveza, numa direção nem pensada, para cima, ao espaço.

Nesta procura da representação, do espiritual pelo material e também perfazendo religião e estética, suprindo talvez uma falha me vieram ao pensamento o Budismo, Shintoísmo e outras filosofias ético-religiosas orientais que, sem serem religiões e não tendo nada a ver com a Bíblia, não deixam de serem vias iniciáticas e filosoficamente perto. Não discriminando assim imensa parte da humanidade, numa visão mais eclética e não desabonando em nada a representação desejada.

Portanto, depois de muitos esboços e rascunhos, o monumento passara de três para quatro elementos. Quatro lâminas muito sutis postas numa base quadrada, que neste ponto se encontram e cada uma, neste curto espaço-tempo elevam-se do horizonte para o alto. E só.

Meras elucubrações fantasiosas, sugerindo, neste lugar preciso onde o expectador curioso, independentemente da sua crença, olhando a obra, pode sentir-se interpelado. Na parte superior, em vez de subir reta ou numa curvatura regular, passa a ser uma hipérbole, e, seguindo as bordas superiores das lâminas, num movimento hiperbólico sugerido, lança o olhar para o alto numa dimensão etérea, espiritual, longe das coisas terrenas.

Ou então, para um espectador laico, simplesmente poder admirar a plasticidade duma obra. Abstrata. Aproveitando o giratório me veio idéia de, na parte próxima ao centro, encurvá-las no traçado plano, dando um movimento helicoidal, e impulsionar, forçar o olhar do espectador para o centro do monumento.

Com essas torções combinadas das lâminas, um espectador que girasse em torno da praça, no sentido contrário às agulhas dum relógio, teria a visão dirigida para o centro e para o alto, pelas lâminas encurvadas, como se fossem "velas", velas inchadas pelo vento. Sendo o olhar do expectador impulsionado para o alto, para a luz, para Deus.

A idealização do monumento definida, a solução técnica resumia-se no seguinte:

Partindo do meio da calçada para o centro da praça redonda, o passeio em toda a volta. Um pequeno murro delimita um gramado também circular, já parte do conjunto, com o monumento no seu centro. Neste centro uma estrutura quadrada, o alicerce sobre o qual se apóia a base do monumento. Em cima desta base sutil de concreto e em projeção nos quatros lados do alicerce, são erguidas as lâminas. A base determina simbolicamente a "linha do horizonte", na altura da visão dum homem médio em pé.

Nela, numa orientação certa, as lâminas se concretizam neste espaço, vindo metaforicamente do Norte, Sul, Leste e Oeste; aproximam-se retilínea, crescendo em altura. Nesta aproximação final encurvam-se em sentido contrário às agulhas do relógio, mas não atingem o centro. Atraídas, eqüidistantes, as quatro lâminas giram em volta do centro. As lâminas atingem neste ponto a altura máxima. Bem próximo ao centro, sempre independentes umas das outras, tais as diferentes correntes religiosas da Bíblia.

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Para completar o monumento, uma referencia aos "Dez Mandamentos" era necessária. Preceitos básicos das correntes religiosas, expressos de modos diversos, mas presentes subjetivamente nas diferentes correntes.

Nenhuma inscrições sobre as "velas", que devem permanecer imaculadas.

Recortei
(*) então na base quadrada do "horizonte", próximo aos cantos, quatro tábuas, arredondadas na parte superior e projetadas no gramado em volta. Cada uma delas face ao seu recorte, como fossem extraídas da base mãe terra. Mantendo a simetria do conjunto, sem acrescentar matéria.

(*) - Passaram-se poucos dias e fui chamado às pressas a Prefeitura, onde encontrei o pessoal alvoroçado! Era absolutamente imperativo suprimir os "recortes", aqueles vazios idealizados nos ângulos da base do monumento. Deixando as tábuas conforme o projeto.

Os vazios deixados pelas tábuas são imperceptíveis horizontalmente e não alteram em nada a plasticidade do monumento.

Em duas tábuas seriam gravados os Mandamentos, nas outras duas, eventualmente dizeres relativos à boa vontade do autor do projeto de lei, Vereador Moacir Lara. E nas outras duas, escritas indicando as autoridades administrativas e construtores.

Eu conhecia o Sr. Moacir Lara, pastor evangelista, falecido já há muito tempo. Um homem de bem, gentil e delicado, alto, emanava dele uma certa autoridade, mas de índole bondosa.

Nunca falamos a respeito do Monumento. Também não o procurei, nem queria subir influência alguma.

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O projeto acabado, voltei à Prefeitura de Cubatão, acharam-no muito interessante. Visto à altura de cerca 06 m, e eventuais dificuldades de apreciações dos leigos em plantas, malgrado uma perspectiva artística da obra acabada, os responsáveis da Coordenadoria de Planejamento, me pediram de realizar uma maquete do monumento. O que ajudaria também para a licitação, dando uma visão imediata do conjunto.

Disseram também que, infelizmente, não tinha mais dinheiro para isso.

Após tanto trabalho e perto da meta, eu não tinha outra solução.

Com euforia resignada realizei a maqueta. O resultado foi muito apreciado.

Malgrado toda a minha imaginação e tanto tempo vivendo aquilo, pude constatar então com satisfação, em escala reduzida do monumento, o efeito imaginado e almejado daquele movimento helicoidal, descrito acima. Ou seja, girando a maqueta em sentido horário, tinha-se a nítida impressão que o conjunto das "velas" impulsionava o olhar para o alto.

Tinha conseguido, voltei à Prefeitura de Cubatão satisfeito.

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"Alguém" tinha visto na base do monumento, nem mais nem menos que a "suástica"! A cruz gamada do nazismo! Fiquei incrédulo. Pedi para saber de quem podia vir esta absurda constatação, sem resultado. Uma visualização que podia ser "inspirada" unicamente olhando o monumento por cima, e bastante imaginação, por serem os recortes discretos em relação à extensão da base. O que era impossível para um expectador ao nível da praça. Dum helicóptero, talvez.

Fiquei chateado. O manifestei, e sem de novo levar o projeto no meu atelier, rasurei os recortes da base, e na maquete colei pedacinhos de papéis escondendo tais recortes, aí mesmo. A base ficou simplesmente quadrada, borda lisa. Associei o fato à situação militar de exceção que nós vivíamos em Cubatão com a intervenção em vigor.

"Tudo bem, Jean! Não fique aborrecido!"

Tinha realizado o que me foi pedido, era suficiente para a edificação do monumento, caso fosse adiante.

Fiquei contrariado, a contragosto não segui a construção.

Consciente da dificuldade que poderia ter na edificação das lâminas, tinha entregue junto ao projeto uma sugestão de como eu pretendia realizá-las, sem impor. Um molde único para executar as quatro laminas, idênticas, sobre uma base plana. Um trabalho de artista.

O molde único em ferro, onde seria fundido o concreto com uma tela possivelmente não ferruginosa em vez de ferragem comum, visto a sutileza desejada, prevenindo uma eventual aparição da ferrugem que poderia surgir com o tempo. Eu tinha indicado 0,06 m de espessura. Ficou com 0.10 m, justamente, pois eu exigia muito, considerando a altura e necessária resistência ao vento.

Concreto de cimento branco e pó de mármore, para evitar um revestimento qualquer. O motivo não soube, ficou mesmo de concreto comum. Pintado de branco.

Alguém tinha dado o número do meu telefone ao mestre-de-obra, que umas vezes me chamou à obra para pequenos detalhes e ao qual atendi com prazer. Não tinha ele culpa alguma e era muito competente, pois vi nestas ocasiões que estava indo bem.

Recebi o convite para a inauguração, me desculpei e não fui.

********************

Anos depois, já esquecido do acontecido, numa esquina da vida alguém me disse da tal chamada a respeito da "suástica" e que provocou reparação. Foi devido a um artigo no jornal, onde tratava como hoje das notícias de Cubatão e não se podia ficar sem fazer algo, também pelo fato que se vivia uma situação crítica, com a intervenção militar.

Então, sem intenção outra que simples curiosidade, e confrontando as datas de quem podia ter escrito, era só uma pessoa, o correspondente a Cubatão dum jornal da Baixada. Um jornalista falecido hoje.

Então compreendi que a reprimenda não era especificamente a mim, mas à situação da época.

Era um bom amigo nosso, veio muitas vezes no nosso maravilhoso chalet tomar um café, bater um papo e se inteirar do que eu estava realizando, quando, com Clara, morávamos à Rua Maranhão 13, na Vila Santa Rosa em Cubatão.

Jean Luciano. Hyères, janeiro 2011

Nota:

Achei necessária a explanação acima, mesmo depois tanto tempo.

Um busto, uma estátua, um monumento eqüestre, representa uma personalidade que podemos identificar. Não há erros, contudo tem de personalizá-la com um nome e basta.

No caso do "Monumento à Bíblia" é diferente. Eu quis dizer de como cheguei a esta conclusão, pois este não tem uma representatividade visual explícita. E também não é certo que duas pessoas estejam de acordo nas suas atribuições. Com esta apresentação quis simplesmente dizer de como eu vi, senti, consegui expressar e concretizar.

Nem por isso é uma explanação determinante e fica toda liberdade a quem tiver visão outra de sentir essas "velas".

Um esclarecimento também necessário depois de tanto tempo, já no crepúsculo das vidas dos personagens de então... e redimir num certo modo esta modesta obra, de todas as interferências estranhas e deturpando o sentido a que me era proposto, pelas sucessivas administrações. Bem intencionadas estou certo, querendo enriquecer adornando e sobrecarregando o espaço em volta e sem ligação nenhuma com o monumento. Obstruindo o sentido de pureza, simplicidade e liberdade ao qual foi destinado.

Nesta sua feição atual, para mim e para muitos, penso, o monumento voltou a expressar a mensagem para a qual eu o idealizei.

Esta reabilitação a devo por inteiro à grande sensibilidade de um amigo, o diretor do Arquivo e Biblioteca, Welington Ribeiro Borges, que, à minha imensa surpresa, foi ele um dia que me disse a modo dele, passando perto, "Oh Jean! O que você acha daqueles mastros em volta do monumento?"

Não tinha falado nada a respeito, mesmo se eu não gostasse. Não tinha mais direitos, razões, pelo tempo que se passou…

Muito obrigado sr. secretário da Cultura do Município de Cubatão, Welington Ribeiro Borges.

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