Foto: Du Zuppani, publicada
com a matéria, páginas 16 e 17
Uma rainha inglesa em plena Mata Atlântica
Qual é o estilo arquitetônico que predomina na Vila de Itatinga? Aqui, como em outros pontos que cercam a história desse empreendimento, ainda residem dúvidas
Para a arquiteta Ana Luísa Howard Castilho, autora do livro Itatinga - a Hidrelétrica e seu Legado (Editora Neotropica), a falta de
documentos dificulta a análise. "É muito comum as pessoas se referirem ao local como uma vila inglesa. Todavia, certos aspectos me levam a ver certa influência norte-americana. Eduardo Guinle, por exemplo, era representante da General Electric no
Brasil. Se o modelo é inglês, não era para a Inglaterra e sim para as colônias".
Para o também arquiteto Nelson Antonio Portéro Junior, esses traços norte-americanos também podem ser vistos na Vila de Paranapiacaba - peça chave para implantação da ferrovia Santos-Jundiaí, que
levaria a produção cafeeira até o Porto de Santos.
Vitória - Ele acredita que o estilo vitoriano é a principal característica arquitetônica que marca a Vila de Itatinga, sua usina e as construções anexas.
O termo faz referência à Rainha Vitória, que governou a Inglaterra por 63 anos, sete meses e dois dias, de 1837 até a sua morte, em 1901.
Hoje, Itatinga seria um dos poucos exemplos que ainda restam no Brasil desse estilo. Entre 2002 e 2003, Portéro fez um amplo levantamento do patrimônio histórico-arquitetônico de Itatinga. Nesse
trabalho, ele conseguiu resgatar uma série de detalhes e procedimentos construtivos típicos daquela época.
A arquitetura da Vila seria um dos poucos exemplos no País do estilo vitoriano
Fotos publicadas com a matéria, páginas 18 a 20
Pinho de riga - De acordo com o pesquisador, uma parcela significativa dos materiais usados nas edificações foi importada da Inglaterra. É o caso, por exemplo, da madeira pinho de riga, termo
que faz referência à região de Riga, hoje capital da Letônia.
Essa madeira, de excelente qualidade e durabilidade, deu origem à maioria das 70 casas da Vila de Itatinga.
Elas foram pré-fabricadas na Europa e trazidas para o Brasil em navios a vapor, até Santos, de onde seguiram em chatas até o pequeno porto da futura usina, no Rio Itapanhaú, em Bertioga.
"Não houve uma adaptação às condições climáticas de um país tropica. Eles trouxeram o que havia pronto na Inglaterra da época", explica Portéro.
Neve nos telhados tripicais - É por isso que boa parte dos telhados tem um caimento entre 40 e 45 graus. Serviam para escoar a neve. "O normal, nas nossas condições, são inclinações inferiores
a 30 graus".
O padrão das casas é simples, baseado em um projeto que atendia às necessidades expansionistas de uma Inglaterra em pleno auge econômico e político. Eram robustas, fáceis de transportar e montar.
Em Itatinga há dois tipos de residência. As mais modernas são de alvenaria e as mais antigas têm paredes de pinho de riga. Todas, porém, foram assentadas sobre pilotis (pilares ou colunas) de pedra,
fazendo com que ostentem uma escadinha de acesso, em frente à porta principal.
"O objetivo era tornar o ambiente o mais saudável possível. Por isso, toda a base das casas era feita sem contato direto com o solo", explica Portéro.
A espera de uma locomotiva - Um detalhe particularmente interessante é a pequena arquibancada construída em frente ao campo do Itatinga Atlético Clube. A estrutura segue um modelo usado nas
estações de trem - é alta e sem pilares, como se uma locomotiva fosse ali parar.
No estudo, o arquiteto também se preocupou em analisar o projeto de todo o complexo. Segundo ele, o planejamento demonstra que todas as edificações mais importantes, ocupadas por funcionários de
chefia, como os engenheiros, foram instaladas nas proximidades da Casa de Força, onde se localizam as turbinas alemãs e os geradores ingleses.
Desse ponto, correndo em paralelo à estrada de ferro que sai do porto e vai até a Casa de Força, foram erguidas as moradias que dariam origem à Vila.
Já a Casa de Força, a Câmara D'água e a Captação (a 765 metros de altitude) foram construídas em pedras, retiradas desse trecho do alto da Serra do Mar.
Tombamento - A Casa de Força, a maior estrutura de Itatinga, assemelha-se a uma igreja. Seu formato é de uma letra 'T', com paredes grossas - cerca de um metro de largura.
Internamente, o edifício guarda preciosidades como os azulejos hidráulicos que revestem todo o piso, corrimões dourados, escadas em caracol e até um precursor dos modernos interfones, para que as
pessoas pudessem se comunicar com quem estava no segundo pavimento.
Por essas e outras características, Nelson Portéro acredita que Itatinga reúne todas as condições para ser considerado um patrimônio histórico passível de tombamento.
Segundo o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), o órgão subordinado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, Itatinga já possui um
processo de tombamento em andamento na Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico.
Eco-parque - O trabalho, realizado por um historiador e um arquiteto da Secretaria, foi retomado recentemente, e encontra-se na fase de pesquisa e recolhimento de dados. As características
apontadas pelo estudo devem servir para nortear as decisões do Condephaat.
O órgão ressalta, no entanto, que por estar em estudo de tombamento, a Usina Hidrelétrica de Itatinga já se encontra protegida pelo Condephaat. Ela pode ser reformada, por exemplo, mas os eventuais
projetos devem ser submetidos à prévia aprovação do Conselho, assim como a mudança de uso do imóvel. Tudo para impedir que ele seja descaracterizado ou destruído.
Para Portéro, o futuro de Itatinga pode estar ligado à exploração turística da área. "Vejo o local como um eco-parque, tanto pelas suas características arquitetônicas únicas como pela exuberante
natureza que cerca a área. É um patrimônio inigualável sobre vários aspectos, um exemplo vivo de um importante período da história do Brasil".
Corrimões impecavelmente dourados e escadas em caracol são originais da construção
Foto publicada com a matéria, páginas 22 e 23
Amor e luto
A Inglaterra do século 19 era a maior potência econômica do mundo. Berço da Revolução Industrial, seus costumes influenciaram a cultura de várias nações, inclusive do Brasil.
Nesse sentido, os mais de 60 anos de reinado da rainha Vitória foram cruciais na exportação desse modelo econômico, político, cultural e social. Batizada com o nome Alexandrina Vitória, a rainha do
Reino Unido subiu ao trono em 1837. Em fevereiro de 1840, casou-se com o príncipe Albert, que era seu primo.
O parentesco pode levar a crer que se tratou de uma união artificial, muito típica entre soberanos europeus, cujos matrimônios tinham mais interesses políticos do que sociais. Porém, na verdade, o
casamento da rainha Vitória é um raro caso de amor. Foi ela que pediu o príncipe em casamento, em uma cerimônia que passou para a história como a primeira vez em que uma noiva usou um véu.
Albert, com 42 anos, morreu em 1861, mudando por completo o comportamento da regente do trono inglês. Vitória, a partir de então, tornou-se conhecida como a Viúva de Windsor, uma mulher
reclusa, que se manteve de luto e usou tão somente roupas pretas até sua morte, em 1901, quando chegou ao fim a chamada Era Vitoriana. Foi sucedida por seu filho, o futuro rei Eduardo VII.
Rainha Vitória
Foto publicada com a matéria, página 23
Arquibancada segue modelo usado nas estações de trem
Foto publicada com a matéria, página 24
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