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Artigo escrito em 1999
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 14:04:04
A vaca dos meus sonhos 

Mário Persona (*)
Colaborador

Quando criança, meu café da manhã era temperado por sonhos em busca de inovações. Em minha mente, eu concebia uma solução pouco ortodoxa para obter o leite que tomávamos todas as manhãs, e que chegava até nós pelo leiteiro. Meu grande sonho, e minha solução, era ter uma vaca no quintal.

Minha mente infantil raciocinava que seria melhor e mais econômico manter uma vaca no quintal produzindo nosso próprio leite, do que deixar essa tarefa nas mãos de estranhos. Isso também ajudaria a satisfazer meu ego com a ilusão de que eu seria capaz de controlar aquele imenso animal. Nem me passava pela cabeça as implicações e os custos de um projeto assim. Criar uma vaca no quintal seria complicado, mas eu só enxergava o leite. Também não me preocupava com o subproduto do processo, o esterco que logo se espalharia pelo quintal.

Princípios - Neste ponto, você já deve estar achando que errou de publicação e está lendo uma página dirigida a pecuaristas. Fique tranqüilo. A vaca dos meus sonhos tem muito em comum com informática, Internet e empresas. Os mesmos princípios que norteavam meus sonhos da "vaca própria", para poder dominar de ponta a ponta o processo de abastecimento lácteo, podem ser encontrados na maioria das empresas que não poupam esforços para criar uma estrutura de informática interna. Sem nem mesmo ponderar o quanto estão gastando ou deixando de ganhar, muitas delas não abrem mão da vaca cibernética que criam no quintal.

Assim como teria sido economicamente inviável eu ter uma vaca no quintal, os custos de manutenção de um centro de processamento de dados, com a aquisição de máquinas, contratação de pessoal especializado e distribuição da informação gerada, muitas vezes acaba desviando o foco de uma empresa para uma área que definitivamente não é o seu negócio. Isso acontece sempre que o empresário subestima as necessidades de sua vaca e superestima o tamanho do seu quintal.

Aliás, hoje, quando visito o quintal da casa onde passei minha infância, a impressão que tenho é que ele diminuiu. Parecia muito maior. A mesma ilusão ocorre dentro de uma empresa com uma visão limitada do universo onde seu quintal está inserido, ou que esteja tão ocupada com sua vaca que não consiga enxergar alternativas. No afã de controlar sozinhos a situação, muitos empresários acabam chutando o balde da produtividade e fechando a porteira do lucro.

Envelhece - Outro aspecto importante a ser considerado era o envelhecimento da vaca. Com o passar do tempo, o animal de meus sonhos iria envelhecer e diminuir sua produção, do mesmo modo como qualquer estrutura interna de processamento de dados está fadada à obsolescência. O ditado popular que diz que da vaca se aproveita tudo, menos o berro, não se aplica a este caso. No sucateamento da informática, quase nada é aproveitado. E o que mais se teme é justamente o berro da descoberta de que um disco travou e o back-up não funcionou ou nunca existiu.

O leite que chegava em casa era produzido por profissionais que tinham nas vacas o foco de seu negócio. Eles eram responsáveis por tudo, desde a alimentação até a renovação do rebanho, para que o leite saísse sempre com qualidade ótima. Eu não precisava me preocupar com as vacas, mas apenas beber o leite que era o resultado do processo. Nem era preciso que eu sujasse os pés no curral. 

O mesmo raciocínio pode ser transportado para dentro de uma empresa cujo foco de negócio não esteja em informática, mas em produzir com lucratividade. A ela interessa apenas beber os resultados e não ficar pegando bits e bytes no laço, aplicando vacinas antivírus ou inseminando aplicativos arcaicos que a curto prazo acabarão abortando todo o sistema.

A velocidade de crescimento da malha de comunicação de dados já permite que muitas empresas tirem as vacas, físicas e lógicas, de seu quintal. Nada mais sensato do que entregar a responsabilidade do rebanho de processamento de informações de sua empresa a cowboys competentes, equipados com know-how e tecnologia apropriada para detectar e resolver problemas ao mais leve mugido de seus equipamentos. A previsão é de que até o ano 2003 a maioria das grandes empresas já esteja recebendo a nata de sua informação com muito menos esforço, graças à terceirização de seus sistemas de informática.

Pesquisa - De acordo com o Meta Group, uma organização de apoio à tomada de decisões em tecnologia da informação, poucas empresas possuem capacidade, estratégia, tecnologia e criatividade suficientes para projetar, desenvolver e manter sistemas de outsourcing usando a Web como a rede de tetas por onde flui o leite da informação vital à empresa. 

Segundo o Meta Group, as grandes empresas de Tecnologia da Informação nem sempre são a melhor opção para isso, já que em alguns casos uma estrutura muito grande pode prejudicar um atendimento personalizado. Por outro lado, pode faltar às empresas pequenas o know-how necessário para integrar os aplicativos entre os diferentes ambientes, ou a infra-estrutura que garanta o funcionamento dos sistemas ininterruptamente.

Quem sai ganhando com um cenário assim são as empresas de médio porte com tecnologia Web e dedicadas ao desenvolvimentos de soluções empresariais. Estas possuem agilidade e fôlego suficientes para acompanhar as constantes mudanças de cenário, ao mesmo tempo que mantêm uma infra-estrutura de tecnologia de ponta. Empresas assim possuem uma estrutura que lhes permite desenvolver um relacionamento estreito com o cliente e um atendimento personalizado e compatível com suas necessidades. São verdadeiros alfaiates de soluções sob medida.

Web - Pense no que está acontecendo hoje em muitas empresas com a crescente necessidade de implementação de sistemas de ERP, como SAP, Baan, MFG/Pro, Datasul e outros, alguns instalados indoor e outros operados remotamente. Muitos desses sistemas estão desenvolvendo versões Web, já que esta é a tendência a ser seguida. 

Enquanto isso, já é possível ordenhar a nata das informações que eles geram e disponibilizá-las, em formatos que possibilitem uma análise final dos dados, aos responsáveis pela tomada de decisões da empresa. O empresário pode então, utilizando apenas um browser ou navegador de Internet, verificar todas as informações de sua empresa, esteja ele no escritório, em casa ou em qualquer parte do mundo. A Internet transforma-se assim no grande leiteiro moderno, entregando as informações já ruminadas e processadas na forma de textos, gráficos ou tabelas para tomadas de decisão.

As empresas que começam a despertar para essa realidade descobrem que não se pode querer sorver o puro leite da informação sem um direcionamento claro da estratégia de tecnologia de informação. Quando param de se orgulhar de seu próprio quintal, começam a buscar parceiros para os quais transferem a responsabilidade de cuidar dos sistemas de tecnologia da informação existentes ou otimizar outros ainda precários, utilizando uma abordagem mais moderna e eficaz como é a Web. 

Os mesmos profissionais que se encarregam de guiar esses sistemas para pastos mais verdejantes, podem identificar os sistemas de EIS (Executive Information System) mais adequados para disponibilizar os dados, ou fazer a integração entre os vários sistemas que a empresa já utilize. E aos poucos a empresa vai perdendo o cheiro característico dos subprodutos da ordenha de dados, como os altos custos gerados para manter sua infra-estrutura, passando a desfrutar apenas do leite e da nata da informação.

Vaqueiro - Meu sonho infantil de possuir uma vaca no quintal para produzir meu próprio leite não se concretizou. Mas hoje, como profissional ligado à área de tecnologia da informação, acabei me tornando um cowboy dos novos tempos, cuidando de rebanhos alheios. 

Montado no alazão da especialização tecnológica, posso enxergar muitas empresas ainda levando coices de seus sistemas, achando que não existe alternativa além de manter a Mimosa mugindo no quintal. Se esses empresários tão somente enxergassem o potencial das redes remotas, as soluções introduzidas pelo advento da Internet e a economia que a terceirização de seus sistemas de tecnologia da informação trarão, se apressariam em acelerar uma mudança de rumo e evitar que a vaca vá para o brejo.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.