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*Publicado originalmente pelo editor de Novo Milênio no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos, em 24/11/1998.
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/10/00 10:33:21
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Bug do Milênio, do banal ao catastrófico 

Diferente de um terremoto, o ano 2000 tem data certa para acontecer

Marcelo Schneck de Paula Pessôa (*)
Colaborador

A Califórnia está se preparando há muito tempo para enfrentar um fenômeno geológico muito grave: a ocorrência, a qualquer momento, de um terremoto de intensidade sem precedentes. As edificações novas foram construídas para suportar intensa movimentação da terra e as pessoas estão treinadas para o momento do cataclisma. É por isso que o chamado Big One não causa tanta expectativa e não se inclui entre as preocupações rotineiras dos californianos. A palavra-chave, neste caso, é "planejamento".

O mesmo, porém, não ocorre com relação a outro grande temor, não de um Estado ou país, mas de toda a humanidade: o Bug do Milênio, como é chamada a possível catástrofe dos computadores na virada de 1999 para 2000. Trata-se de um problema técnico na utilização de sistemas informatizados de informação, pois muitos deles representam o ano com dois dígitos e este fato levaria os computadores à interpretação de 00 como 1900, em vez de 2000. Neste caso, a falta de planejamento está transformando uma questão banal numa grande polêmica, induzindo empresas a gastar verdadeiras fortunas e ocupando exagerado espaço na mídia.

Analisando a questão mais tecnicamente, pode-se realmente chegar a conclusões assustadoras, como a possibilidade de perda do rumo dos aviões e o desaparecimento do saldo das contas correntes nos bancos, no início de 2000. Entretanto, o que está acontecendo de fato é o desvirtuamento de uma realidade que ocorre dentro da área de informática. Acontece que ela não está organizada como deveria. Os sistemas não possuem documentação adequada ou não existe controle rígido sobre quais sistemas são realmente utilizados pelas empresas, ou ainda quais alterações foram realizadas desde sua implantação. Isso, para não citar elementos mais sofisticados, como análise de risco e plano de contingência. O trabalho é sempre feito às pressas, havendo pouco tempo para planejar, documentar, desenvolver e testar.

Data certa – O ano 2000, ao contrário de um terremoto, tem data certa e bem definida para acontecer, pelo menos desde a invenção do calendário. Mas quem já se organizou para a sua chegada? O Banco Central está obrigando as empresas da área financeira a se movimentarem e até estabeleceu prazos. No entanto, nada está andando. Há organizações que preferem ter postura reativa; quando chegar lá, vão decidir o que fazer. A interconexão dos sistemas é uma das grandes preocupações, pois é necessário responder a seguinte questão: como as companhias que possuem sistemas já convertidos vão se interligar com as empresas que ainda não realizaram a conversão? De que forma isso deve ser gerenciado?

No Brasil, as quase cinco mil empresas de software pouco têm demonstrado interesse por essa questão. Um relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia aponta que, em dezembro de 1997, menos de 50 empresas no País possuíam algum tipo de sistema de qualidade, como certificação ISO 9000 ou o modelo CMM. Isso significa que menos de 1% das empresas criou em seus processos de trabalho um sistema de garantia da qualidade.

Enquanto isso, a mídia vai mostrando reportagens sobre o Bug do Milênio, quanto vai se gastar e quais os perigos potenciais. São extensas matérias veiculadas em jornais, revistas, rádios e televisões. Talvez, a versão seja pior do que o fato em si, pois uma corrida aos bancos terá efeitos realmente catastróficos, enquanto a simples recuperação de dados que sumiram da conta corrente pode ser apenas trabalhosa. Na verdade, a imprensa está apenas reproduzindo a exagerada expectativa dos que não se programaram adequadamente para enfrentar o problema e o justo temor dos que podem ser vítimas desta ausência de planejamento.

O momento é propício para a reflexão e mudança de atitude das empresas, que, não encontrando tempo para fazer certo da primeira vez, vão precisar fazer novamente. Um projeto executado seguindo um plano bem definido, que possua uma análise de riscos potenciais e um plano de contingência, muito provavelmente vai se desenvolver sem problemas. 

A qualidade do produto de software depende fortemente do processo que foi utilizado no seu desenvolvimento. Um sistema organizado, que seguiu uma metodologia sistemática, passou por verificações nas fases intermediárias e foi testado e aprovado adequadamente, tem grandes chances de operar sem problemas. Se tudo fosse feito assim, nada haveria a temer com a chegada do ano 2000, pelo menos no que diz respeito aos computadores.

(*) Marcelo Schneck de Paula Pessôa é engenheiro eletrônico, professor doutor da Poli/USP e diretor de Informática da Fundação Vanzolini.