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*Publicado originalmente pelo editor de Novo Milênio no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos, em 22/9/1998.
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/10/00 10:38:45
CULTURA
Informática, nosso idioma e os neologismos 

Sambistas brasileiros fazem X-tudo mas exigem RSVP

"Precisamos criar corajosamente neologismos vitaminosos capazes de restabelecer o vigor lingüístico (...). Quem toma uma barca, embarca. (...) Embarcar num avião é rebaixar o avião à categoria de barca".
(Professor Jacinto Dores Nobasso, in Almanhaque 1949, do Barão de Itararé)

Carlos Pimentel Mendes
Editor

Reclama com razão Eldah M.Gullo Duarte, na Tribuna do Leitor do dia 17 (N.E.: de 9/1998), sobre a nossa dependência idiomática da língua inglesa, agravada pela Informática. De fato, hoje parece que tudo tem nome inglês ou adaptado (não esqueçamos do clássico X-tudo, que na origem significaria algo como cheese – queijo – e tudo o mais que coubesse no sanduíche).

Recordemos que essa dependência é muito mais grave, por ser uma auto-imposta dependência cultural. Não fomos, até pouco tempo atrás, a República dos Estados Unidos do Brasil? Porém, é mais antiga que isso, antes da colonização americana tivemos a presença francesa, até hoje encontrada naquele R.S.V.P. que os convites estampam (poderia ser mudado para RPF – Responder Por Favor...).

Na verdade, sempre existiu um objetivo por trás da adoção desses estrangeirismos: há uma elite social que faz questão de usá-los para se distinguir do "resto", quase como se fosse um código a que só tivessem acesso os eleitos que pudessem custear estudos na Europa ou nos Estados Unidos, servindo assim para humilhar os despossuídos. As classes menos favorecidas perceberam que num País onde se cultua muito as aparências - e um sobrenome pode abrir ou fechar portas –, colocar nos filhos nomes mais complicados (incomuns, com sonoridade estrangeira ou estrangeiros mesmo) pode criar uma oportunidade para eles se destacarem na comunidade em que vivem, talvez ascendendo um pouquinho na escala social.

Quanto à "tangália" africana (SIC: não encontrei nos dicionários, imagino que seja um neologismo formado com a palavra tanga, de origem quimbunda) – que deveria ter o mesmo respeito que dedicamos aos europeus, em vez de ser desprezada por ter culturas diferentes dos padrões que preferimos –, de há muito está incorporada em nossos dicionários (a palavra samba, por exemplo, tem registros desde 1890, segundo os etimologistas).

E o computador? – A "penetração estrangeirista" em nosso Português (tão diferente do original que talvez devesse ser chamado de Brasileiro) tem de fato ponto forte na Computação. Já debatemos essa questão ao publicarmos neste caderno um glossário de Informática. Certas palavras ganham vida própria, não há como evitar seu uso. Mouse, por exemplo: quem se dispõe a segurar o rato? 
Software é programa, mas não é aquele programa que algumas pessoas ditas alegres combinam nas esquinas, à noite. A França, na esteira de um forte nacionalismo idiomático, conseguiu impor o uso do termo logiciel, mas os lusófonos não chegaram a encontrar palavra correspondente suficientemente forte para se impor de per si. Já teclado é teclado, a despeito do inglês keyboard...

O fato é que muitas tecnologias chegam ao público tão rápido que não há tempo para se consolidar uma nomenclatura nacional, e acaba ficando a versão estrangeira. Agora, por exemplo, está surgindo o verbo customizar, adaptação brasileira do inglês custom, e que poderia ser melhor substituído por personalizar (ao gosto do cliente).

E a Internet? – O Inglês tem uma vantagem que alavanca sua disseminação pelo mundo: é um idioma de significados mais precisos, menos rico e sonoro que o nosso, porém mais prático para uso nos negócios, onde são condenadas as ambigüidades (note o trema, cuja falta é um velho problema técnico nos jornais, que só agora começa a ser resolvido com o uso de novos programas de computador).

Cada vez mais, vai ser necessário o conhecimento de Inglês para quem quiser expandir seus horizontes, e aproveitar todo o potencial da Internet como fonte inesgotável de informações. Porém, uma novidade se anuncia lá no final do túnel: a tradução dos textos para o idioma do usuário. Comentamos na edição do dia 8 que em certas páginas Web inglesas o usuário encontra faixas de anúncio em seu próprio idioma (no nosso caso, o Português). O sistema reconhece automaticamente em que região do mundo vive o usuário e exibe o texto no idioma correspondente.

Sistemas de busca como o Altavista já fazem a tradução de páginas Web para vários idiomas, inclusive o nosso. Existem programas que o usuário pode instalar em seu micro, para traduzir qualquer texto a eles submetido. As ferramentas para navegação pela Internet possuem opção de fontes de letras para muitos idiomas, como o alfabeto cirílico usado na Rússia. E o próprio teclado do computador pode ser encontrado no padrão ABNT, com direito a C-cedilha e tudo. O til sobre a letra n, tão caro aos povos de habla España, está presente nos teclados comercializados nesses países.

Os próprios programas de computador estão sendo traduzidos, quando não lançados primeiro por aqui para depois serem vertidos para outras línguas (caso da enciclopédia multimídia Encarta-98, que surgiu primeiro no Brasil). O padrão DVD, pela primeira vez, abre a oportunidade para se colocar no mesmo disco um filme com dublagens e legendas em vários idiomas.

Caminhando – Ainda falta muito para chegarmos lá. Os computadores precisam ser ainda mais robustos – apesar de toda a potência agora disponível –, para suportarem programas que traduzam em tempo real o que o usuário estiver vendo na tela. Eles até existem, mas nenhum consegue ainda utilizar todas as sutilezas gramaticais, traduzir o próprio ritmo do idioma (colocando as palavras na ordem correta em que são empregadas na língua de destino) e, principalmente, vasculhar todos os sinônimos de uma palavra ou expressão para adaptá-la ao contexto do que é traduzido.

A informática pode ser um dos pontos fortes da penetração dos estrangeirismos. Mas, ao menos, está fazendo algo para corrigir o problema. A Internet cria pela primeira vez a condição real para que até o idioma menos usado no mundo tenha a oportunidade de mostrar – por escrito, e com os recursos da multimídia – todas as suas características. São incontáveis, por exemplo, os jornais e as revistas em basco, catalão, provençal etc. Existem inclusive entidades que usam essa rede para reunir informações sobre idiomas ameaçados de extinção, tentando assim preservá-los. Vale a pena conhecer The Human Languages Page e Universal Survey of Languages (USL), entre outras páginas citadas na edição de 5 de maio de Informática.

Por tudo isso, leitores como Eldah não devem desesperar. Continuem sua luta, que é de muita gente mais, porém na certeza de não estarem representando o papel de Dom Quixote perante os moinhos movidos a vento...