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Publicado originalmente pelo editor de Novo Milênio no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos/SP, em 15 de outubro de 1996
Publicado em Novo Milênio em (mês/dia/ano/horário): 09/03/04 23:32:21

Eleição
Infonautas debatem o risco do voto eletrônico não ser secreto

Desde o início do mês, rola na Internet um amplo debate sobre o novo sistema adotado no Brasil

A questão é simples: se antes de cada voto o eleitor é eletronicamente identificado, que garantias tem a sociedade de que o programa de computador não vincula o voto ao eleitor, contrariando o preceito constitucional do voto secreto? Mais: que garantias tem a sociedade de que o programa não substitui o voto no momento exato em que ele é registrado? As respostas são complicadas, e o debate está correndo por todo o Brasil na rede Internet.

O paulista Amilcar Brunazo Filho explica, por correio eletrônico, sua preocupação: "Trata-se da digitação do número do título do eleitor no momento em que este vai votar, para liberar a urna eletrônica para o próximo voto. Eu reclamei dessa identificação, que abre caminho para a identificação do voto, pondo em risco o voto secreto. Algumas pessoas argumentaram que era necessário digitar o número do eleitor para controlar o número de votos e evitar o voto repetido.

"Nada mais enganoso. Percebi que quase ninguém entende o processo de controle do voto e como se projeta um sistema computacional. Tive de escrever, argumento a argumento, para mostrar que a tal digitação é totalmente injustificada e cria um risco desnecessário de identificação do voto", explica.

No processo tradicional, o eleitor se identifica com o título, verifica-se manualmente se ele está na lista de eleitores, entrega-se a ele uma cédula de votação, que ele preenche e deposita na urna, assinando em seguida a lista de eleitores da seção. Com o voto eletrônico, após o eleitor se identificar com o título, deve esperar que o eleitor anterior acabe sua votação. Digita-se então o número do eleitor seguinte, para verificar se ele está na lista de eleitores e liberar a urna para aceitar o voto. Preenchido o voto, ele é gravado e depositado na urna, e o eleitor assina a lista de eleitores da seção.

"Entre a manifestação da vontade do eleitor e o depósito do voto na urna, o sistema computacional assume o controle e o eleitor não tem como saber se o seu voto foi o computado, nem de saber se o seu voto não foi identificado".

Argumentos - Amilcar continua a argumentação: "Devemos considerar que o gargalo do processo de votação/apuração estava justamente na apuração dos votos, e que foi justamente para acelerar a apuração que se implantou o sistema informatizado de eleição. O tempo de votação, das 8 às 17 horas, não era o gargalo nem foi modificado. O método de controle do número de eleitores funcionava e o tempo gasto não era o problema no processo de votação.

"A digitação do número do eleitor é mais suscetível de erro que o método tradicional (o número do eleitor não tem dígito de controle). Como o mesário tem que esperar o eleitor anterior acabar de votar para liberar a urna para o próximo eleitor, bastava apertar um botão azul de bolinhas amarelas para liberar a urna. A única maneira do eleitor ter certeza de que seu voto não será identificado é se o número do eleitor não for digitado na hora da votação.

"Portanto, a digitação do número do eleitor não é necessária para o controle do número de votantes (até piora o processo, por aumentar a chance de erro), nem para impedir o voto repetido, nem para aumentar a segurança do eleitor ou da eleição", diz, resumindo: "A digitação do número do eleitor não é necessária para absolutamente nada, e - relativamente à segurança do eleitor e da eleição - põe em risco desnecessário o voto secreto. Gostaria de lembrar que argumentos (como o do mesário da minha seção) do tipo 'eu acho que o voto não será identificado' (parece aquela frase 'la garantia soy io') são ridiculamente inócuos.

A porta - "Também foi dito que o programa deve embaralhar os votos. Bobagem, o que pode ser embaralhado pode ser desembaralhado. Dizer que o sistema foi analisado por especialistas também é bobagem. Novamente se cai no argumento 'la garantia soy io'. No meio acadêmico se sabe que só publicando o programa original pode-se ter alguma segurança da inexistência de buracos. Dizer que não se pode publicar o programa por motivos de segurança... Bobagem. Só publicando e provando que não tem falhas o sistema é seguro.

"Este argumento (de não publicar por segurança) é muito usado pelos projetistas dos sistemas, mas é apenas uma maneira deles manterem controle total do sistema e de criarem dependência deles. Trabalho na área de segurança de dados e posso dizer que 99% das grandes fraudes são feitas pelos próprios projetistas, que invariavelmente deixam portas dos fundos abertas propositadamente. Aí eu pergunto: porque fazer algo desnecessário (a digitação do número do título no  terminal da urna), se isso põe em risco o meu direito ao voto secreto? Só acho uma resposta: quem bolou o sistema resolveu deixar uma porta do fundo aberta para um dia, se quiser, poder identificar o voto."

Repercussão - De Salvador, Olivan Santos citou o título II, "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", capítulo IV, "Dos Direitos Políticos", artigo 14, da Constituição, relativo ao voto secreto. Antonio Carlos Bodini Dias recordou o caso Proconsult no Rio de Janeiro, e também foi citada a "estranha votação" de Valdik Ornelas na Bahia, onde teve mais voto para senador que o político Antonio Carlos Magalhães.

Nos últimos dias, o assunto foi parar no newsgroup soc.culture.brasil, com a observação de que a eleição eletrônica, em vez de aumentar a segurança da apuração correta dos votos, foi feita de uma forma que diminui a segurança.

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