Clique aqui para voltar à página inicial http://www.novomilenio.inf.br/ano96/9608anaz.htm
Publicado originalmente pelo editor no caderno Informática do jornal A Tribuna de Santos/SP em 6/8/1996
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/20/00 22:00:04
RACISMO
Uma questão a divulgar... ou não 

Liberdade de expressão não elimina a ética e a responsabilidade

Carlos Pimentel Mendes
Editor

Todas as pessoas devem poder divulgar livremente suas idéias, sem qualquer tipo de censura ou repressão. É uma das liberdades mais caras ao ser humano. Não é por acaso que está na base da Constituição dos Estados Unidos e serviu recentemente para um juiz defender a inconstitucionalidade do chamado Bill Telecom, no capítulo que trata do controle sobre materiais colocados na Internet e outros meios de comunicação.

Concordamos plenamente com essa posição, mas entendemos que, junto com essa liberdade, devem vir a responsabilidade e a ética. Não é aceitável que pessoas, grupos ou entidades se escudem nessa liberdade de expressão para defender posições ilegítimas, até criminosas. Este é o ponto delicado de equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade. 

Decerto, os nazistas têm, por princípio, o direito de divulgar suas opiniões. Mas, quando do seguimento dessas opiniões resultam atos de violência contra a humanidade, evidentemente há que cercear tais grupos. Da mesma forma que ao assassino é negado (através de sua prisão) o direito de ir e vir, pelo mau uso que fez desse direito, é justo negar ou dificultar a divulgação de doutrinas perniciosas, e ético que ao menos seja feita a apresentação dos argumentos contrários, para que o recebedor da informação tenha meios de analisar os argumentos e perceber as distorções.

Tivemos esse cuidado, por exemplo, quando apresentamos a ameaça de guerra entre China Continental e Taiwan, ou a questão de Timor Leste versus Indonésia. Também foi essa a posição adotada pela Folha de São Paulo em matéria publicada dia 28 de julho, “Nazistas recrutam na Internet”, em que na mesma página aparece o artigo “Liga vigia a atividade dos grupos extremistas”. É assim que agem os veículos sérios de comunicação. 

O perigo - Porém, ao navegar pela rede, o internauta não vai encontrar juntos os argumentos pró e contra. As páginas dos nazistas não contêm vínculos para as da Liga Antidifamação, mas decerto possuirão dezenas de links para outras páginas nazistas. 

Este é o perigo: a pessoa que “caiu” numa página de doutrina neo-nazista pode ficar navegando entre todas as páginas nazistas e não buscar os argumentos contrários, que estarão contidos em outras séries de páginas. Receberá toda a influência de apenas um dos lados da questão. Ora, não é por acaso que inúmeras pessoas estão sendo recrutadas pelos neo-nazistas através da Internet.

Silogismos - Todo morcego é mamífero. Todo morcego voa. A vaca é um mamífero. Então, a vaca voa. Evidentemente, existe algo de errado nesse raciocínio, pois vaca não voa (a não ser de avião...). Nem todo mamífero voa, essa preposição é falsa. Dentro da disciplina escolar Filosofia (que nas nossas escolas geralmente vira História da Filosofia, pois poucos professores estão preparados para debater Lógica), pode-se estudar diferentes formas de se construir um pensamento (os silogismos, por exemplo).

Podemos partir de premissas ou proposições verdadeiras e chegar a uma conclusão falsa. Podemos partir de premissas falsas e chegar a um resultado verdadeiro. Podemos partir de uma premissa falsa e uma verdadeira e chegarmos a uma dedução falsa. Podemos até, neste último caso, obter uma dedução verdadeira, por falha no argumento do raciocínio.

Todo ariano é superior. Todo nazista é ariano. Portanto, todo nazista é superior. Coloque esses conceitos numa frase, enfeite um pouco aqui, enrole acolá, use algumas palavras de sentido dúbio, inverta em parte a ordem dos termos na frase ou use sinônimos das palavras para dificultar a relação direta entre as premissas (para que um observador desatento não perceba a falsidade das premissas ou dos argumentos). Acrescente a citação de algum pensador ou personalidade para legitimar as afirmações e intimidar a contestação, e está pronto um sofisma, como o da vaca, só que convincente porque a falha não está à vista e a inércia ou falta de tempo para maiores pesquisas faz com que não nos animemos a investigar o que foi dito e como foi dito. 

Cruze alguns sofismas, apóie um sofisma (ou mesmo um raciocínio correto) na conclusão do sofisma anterior, trabalhe bastante sobre essa plataforma e em seguida esconda bem e nunca comente a base falsa de todo o trabalho, e está pronta uma doutrina apta a obter milhares de seguidores - o bispo Edir Macedo que o diga...

Hitler já dizia que a mentira repetida mil vezes se torna verdade e também já foi dito que verdade é uma mentira ainda não descoberta. Agora mesmo, apesar dos filmes feitos pelos próprios nazistas na época, dos depoimentos das vítimas e do próprio Julgamento de Nuremberg, há quem afirme que nunca houve o genocídio nazista contra o povo judeu, ou que isso foi um exagero divulgado pelos anti-nazistas para desacreditar o nazismo.

Mente aberta - Para perceber como um crime hediondo contra a humanidade pode ser transformado num aparente benefício ao ser humano - como nas idéias defendidas pelos neo-nazistas e pela Ku-Klux-Klan, só para citar dois exemplos -, é preciso ter a mente aberta para buscar opiniões contrárias, e ler, ler muito, obras dos mais diferentes autores, aprendendo a comparar argumentos e buscar a verdade ou a mentira que eles escondem. 

Daí a preocupação: o refinamento cultural brasileiro em geral é pequeno, por falta de acesso às escolas qualificadas (apenas 1% da população tem nível superior, e mesmo esse nível é questionado). Mesmo pessoas com mais cultura nem sempre possuem tempo para pesquisar posições contrárias. Se os internautas não ligarem realmente o desconfiômetro, o risco de se envolverem com doutrinas e linhas de pensamento distorcidas é grande. 

O perigo não está na forma de comunicação (a Internet), mas no uso que é feito dela. E esse uso depende da base cultural que o internauta possuir. Leia, portanto! Leia muito! E pense! Desconfie do que está lendo, confira em outras fontes de informação, antes de aceitar como verdade!